terça-feira, 15 de abril de 2014

NOTAS MUITO SOLTAS


 

A POUCOS DIAS DOS 40 ANOS
 

 

Mota Soares – O jovem Ministro do CDS continua implacável na sua luta contra o Rendimento Social de Inserção – tolerância zero. Com Mota Soares no Governo todos podemos estar seguros de que não será com o dinheiro do seu Ministério que os abastados moradores do Bairro das Fontainhas, da Quinta Grande ou da Boavista irão comprar um palacete na Lapa. 

Paulo Portas – O irrevogável Paulo Portas, homem de assertivas palavras e de muitas feiras, nos intervalos em que não viaja, está empenhado numa reforma do Estado cujos contornos só ele conhece. Fora esta ingente tarefa, vai emulando com a “Múmia das Necessidades” sobre quem sabe fazer melhor a diplomacia económica, principalmente a que vende combustíveis refinados em Sines. Despojado de ministério e dos seus afazeres quotidianos, liberto, enfim, das funções de negociador privilegiado da Troika, Portas pode finalmente dedicar-se a tempo inteiro às duas grandes tarefas que o fizeram ouvir o “apelo pátrio” imperativamente sussurrado pelos seus colegas de partido nas horas críticas da vida do CDS – viajar e negociar o que outros já decidiram.

Emigração – Saiu há dias um livro – A ditadura de Salazar e a Emigração – de Victor Pereira que deixa muito mal tratada a Embaixada de Portugal em Paris pelo inexcedível zelo com que um conhecido Embaixador da década de sessenta do século passado, fiel servidor de Salazar, se dedicava à colaboração com a PIDE em tudo quanto pudesse dizer respeito à nefasta influência que sindicatos e partidos pudessem vir a ter sobre o desgraçado trabalhador português do bidonville. Mais zeloso e empenhado do que Salazar ou até a própria PIDE, cujas propostas de maior envolvência politica junto da emigração portuguesa deixara frequentemente cair por não se justificarem face à situação existente, o Embaixador nos muitos anos em que esteve em posto em Paris nem por um minuto esqueceu a função repressiva que considerava intrinsecamente ligada às funções (diplomáticas) que desempenhava. Importante também conhecer o papel do adido Militar que funcionava relativamente à PIDE como um verdadeiro oficial de ligação. 

Inconseguimento – Chega a ser deprimente o papel a que se prestam altas figuras do Estado quando resolvem exibir-se na comunicação social com gestos e expressões corporais condizentes com as atabalhoadas e descabidas palavras de que se servem para dar conta aos portugueses dos seus pensamentos mais profundos. Assunção Esteves, Presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado, é quem mais vezes incorre nesse triste papel quer quando faz gala de uma cultura possidónia citando a despropósito as reflexões de pensadores que sofreram a barbárie nazi para registar o desagrado que lhe causa um pequeno reboliço ocorrido nas galerias, quer quando responde em estilo varina sem praça ao propósito manifestado pelos Capitães da Abril para usarem da palavra nas comemorações oficiais dos 40 anos do 25 de Abril.

Durão Barroso – Habituado a servir, Barroso ainda não tem bem compreendido o perfil que Passos genericamente traçou para afastar Marcelo da candidatura à Presidência da República apoiada pelo PSD – caberá nele, não caberá? Nada melhor para nele se ajustar do que promover uma ridícula sessão de propaganda eleitoral a cargo da Comissão Europeia tendo o PSD e o seu Governo como alvos privilegiados dos elogios, acolitada por Cavaco, em pose de Homem de Estado e de “cliente” do BPN nas lucrativas horas mortas, com elogios a quem vinha elogiar num círculo gravitacional onde todos rodam para intentarem manter-se unidos na defesa de interesses recíprocos. Aliás, Barroso, nesse afã de afastar qualquer suspeita ou ligação a nomes grandes do PSD – ainda à solta – a que ele sempre soube dar o lugar merecido e prestar as honras devidas enquanto chefe do partido e de Governo, lançou de imediato sobre Constâncio as responsabilidades pelo acontecido não vá alguém lembrar-se mais tarde de que foi durante o seu curto mandato de PM que foram cometidas as vigarices mais gravosas do BPN. Mas não bastava limpar o caminho percorrido no passado, era também necessário demonstrar relativamente ao futuro igual afã, agora destinado a agradar os extremismos neoliberais de Passos. E assim logo tratou de elogiar a excelência do ensino anterior ao 25 de Abril, elitista e acessível apenas a um pequeno número, abrindo caminho à tarefa que Passos tem pela frente de destruição e desacreditação do ensino público. É assim a vida de um político português em plena maturidade…

segunda-feira, 14 de abril de 2014

HÁ QUARENTA ANOS E HOJE


 

BREVES REFLEXÕES

 

Quase quarenta anos depois já muitos têm dúvidas sobre qual o maior pesadelo – se o que se vivia no estertor do marcelismo, se o que se vive agora sob dominação estrangeira com regentes fielmente caninos na defesa de interesses alheios a que está associada uma pequena mas poderosa minoria de portugueses de natureza oligárquica.

Não interessa entrar em comparações simplistas. São tempos diferentes perante os quais as pessoas se posicionam de forma diferente, sendo, portanto, também muito diferentes as respostas que ontem se deram ou as que hoje se esperam.

No marcelismo, tendo-se mantido praticamente intacta a grande herança do salazarismo no essencial consubstanciada na ausência de liberdade política, nas suas múltiplas manifestações e principais consequências (obscurantismo, censura, prisão, tortura), numa guerra colonial sem saída, mas também numa concepção de independência nacional que não facilitava as ingerências externas, tudo se tornava mais simples relativamente à concepção do futuro, embora extremamente difícil na sua execução. Um golpe de estado bem-sucedido, acompanhado ou não de grandes manifestações populares, restauraria as liberdades públicas, negociaria a transferência de soberania sobre as colónias segundo os princípios aceites e assentes pelo direito internacional e permitiria uma reorganização política e económica do país com vista às profundas alterações sociais por que a generalidade da população ansiava. Difícil era executar com êxito, não conceber…

Hoje, quarenta anos depois, apesar de as liberdades públicas serem vividas sem aparentes constrangimentos, tudo parece mais sombrio e de mais difícil realização, quer para quem defenda uma transformação não institucional do regime, quer para quem continue a acreditar que é possível alterar as coisas no quadro institucional existente. De facto, tanto num caso como noutro, o país debate-se com problemas que há quarenta anos se não punham ou se não punham com a mesma intensidade com que hoje se colocam. Desde logo a questão da legitimidade: ninguém há quarenta anos aceitava a legitimidade do poder, nem os que nele estavam instalados, nem os que a ele se opunham. Os primeiros não a reconheciam como algo distinto da força, já que era recorrendo à força com a intensidade justificada por cada situação que o regime se mantinha. E, obviamente, não reconheciam legitimidade aqueles que a esse poder se opunham, por também eles saberem, por experiência própria, que somente o uso ilegítimo e arbitrário da força mantinha o regime e permitia o exercício do poder aos que nele estavam instalados.

Hoje, política e filosoficamente, a questão da legitimidade do poder não se põe para a generalidade das pessoas de modo a justificar uma acção insurreccional ou mesmo uma ruptura profunda ainda que permitida pelo quadro institucional existente. Podem os titulares do poder mentir e enganar descaradamente os portugueses, como de resto fizeram para chegar ao poder os que agora lá estão ou para nele se manter, como continuam a fazer; podem os titulares do poder espoliar, de bens e direitos, a grande massa anónima de portugueses, constituída por reformados, funcionários públicos e trabalhadores em geral, para assegurar vultosas transferências regulares de capitais para os credores nacionais e estrangeiros para pagamento de créditos concedidos no interesse do capital, principalmente do capital financeiro e do ligado às grandes obras públicas, que nem por isso a generalidade dos portugueses aceita como plausível uma saída insurreccional ou a dita ruptura com a política vigente por continuar a supor que, pela via da alternância política democraticamente fundada, acabará com o tempo por se encontrar uma saída para a crise nem que seja faseada e relativamente demorada.

Por outro lado, contrariamente ao que se passava há quarenta anos, o país vive hoje, sob a ficção da interdependência, uma ausência de soberania na maior parte dos domínios relevantes da vida política nacional que a adesão à União Europeia e depois à moeda única agravaram substancialmente. Mas também neste plano a convicção de que se trata de uma solução transitória, superável com mais ou menos esforço, maior ou menor perícia, torna particularmente difícil a busca e a adesão a uma política verdadeiramente alternativa pelo receio das consequências sociais e económicas que um corte abrupto com o passado possa provocar.

Em conclusão, hoje, apesar das liberdades e deste arremedo de democracia regularmente exercitado pela via da escolha entre propostas inalteráveis e em cuja formulação os eleitores não intervêm, os portugueses, quarenta anos depois do 25 de Abril, são muito mais conservadores e muito menos corajosos que os de há quarenta anos. Por isso, hoje, Portugal é um país sem esperança que caminha em decadência constante para a sua irrelevância, enquanto há quarenta anos era um país que se queria libertar da guerra e da ditadura e que encarava a democracia como o advento de uma nova era em cuja construção todos queriam participar.

Ontem, o futuro para quem abandonava Peniche ou Caxias era promissor e estava ali ao virar da esquina; hoje, o futuro – e não apenas para os desempregados - só existe como triste e degradante continuação do presente.

Por isso: comemorar o quê? Apenas a coragem dos que abriram novos caminhos que outros não souberam percorrer e alargar. Aqueles fizeram a parte deles, mas há quem continue com a sua por cumprir.