sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

AINDA AS DECLARAÇÕES DE JOAQUIN ALMUNIA



NOTAS SOLTAS

Não são fáceis de compreender as declarações de Almunia, que dentro de dias vai deixar o comissariado de Economia e Finanças da União Europeia para assumir o da Concorrência, não tanto pelo que diz em relação a Portugal e à Grécia, mas mais em relação à Espanha. Já nem sequer me refiro à quebra de um vaga solidariedade mediterrânica que poderia ter desempenhado um papel moderador da sua intervenção. Isso na política externa espanhola não existe, a não ser em proveito próprio. A Espanha, seja governada pelo PSOE, pelo PP ou por Franco, despreza Portugal, não tem qualquer consideração pela Grécia e mantém uma emulação permanente com a Itália para saber quem é melhor.
A Espanha que se considera herdeira de um dos grandes impérios da história da humanidade mede-se a si própria por uma bitola que há mais três séculos deixou de ter qualquer correspondência com a realidade, como a humilhação nacional de 1898 acabou por tornar evidente para quem ainda tivesse algumas dúvidas.
E no século XX foi o que se viu. Franco, vencedor da Guerra Civil, continuava a alimentar sonhos imperiais, mesmo perante Hitler, apesar de governar um país miserável e atrasado. Com o advento da democracia, a Espanha que já vinha crescendo e mudando desde meados da década de sessenta, cresceu e mudou muito mais a ponto de se ter tornado numa das doze maiores economias mundiais, de acordo com os critérios de medição em voga.
Durante a governação de Gonzalez, o paradigma da Espanha foi sempre e só a Alemanha. Era, de resto, na Alemanha que Gonzalez tinha as suas grandes amizades políticas. Com a chegada ao poder de Aznar e a prosperidade que então se seguiu, alimentada como agora se está ver pela “politica del ladrillo”, vulgo “borbulha imobiliária”, a Espanha voltou a acalentar grandes sonhos de intervenção ao mais alto nível na política internacional. E esta foi a razão determinante do apoio à invasão do Iraque, obviamente aliada ao natural reaccionarismo do seu governante máximo. Só uma razão desta natureza poderia ter feito Aznar afastar a Espanha dos seus tradicionais aliados na Europa para se aliar aos tradicionais inimigos.
Opção que até ver saiu errada. A ocupação do Iraque correu e continua a correr muito mal, Aznar (ou alguém por ele) perdeu as eleições que se seguiram, a América deixou de ter ao leme os neoconservadores e, em geral, ficou ressentida com a retirada imediata das tropas espanholas do Iraque, posteriormente ordenada por Zapatero.
Derrotado o PP, a Espanha, governada desde 2004 pelo PSOE, continuava a ter como meta os altos padrões europeus, permanecendo a Alemanha como o termo de comparação a alcançar.
É por isso estranho que um espanhol, comissário em Bruxelas, tenha colocado o seu país numa tão delicada situação, ainda por cima governado pelo mesmo partido a que ele pertence. Qualquer tentativa de explicação da intervenção de Almunia baseada na imparcialidade do cargo não faz o menor sentido. Primeiro, porque em Bruxelas ninguém é imparcial, a não ser às vezes vagamente os representantes dos pequenos países, e depois porque, como os mais próximos saberão, os comissários espanhóis sempre foram desde 1986 verdadeiros representantes do governo de Espanha em Bruxelas, ou, no mínimo, do partido a que pertencem.
Almunia tem um percurso político marcado por derrotas impressivas. A seguir à derrota do PSOE nas eleições de 1996, substituiu Gonzalez, de quem tinha sido ministro em duas pastas durante sete anos, na presidência partido, tendo, dois anos depois, sido surpreendente e contundentemente derrotado por Josep Borrell nas primárias para a escolha do candidato do partido à presidência do governo. Por razões ligadas a um escândalo que envolvia antigos colaboradores de Borrell, este foi obrigado a renunciar e Almunia retomou o lugar de chefe da oposição e candidato do PSOE às eleições de 2000, onde veio a ser copiosamente derrotado por Aznar, que infligiu ao PSOE a sua maior derrota do período pós-transição.
Almunia, muito próximo de Gonzalez, renunciou à Presidência do PSOE, ganha surpreendentemente por Zapatero em 2000, contra José Bono (apoiado por Gonzalez e toda a sua gente), Matilde Fernández (próxima da UGT) e Rosa Diez (hoje dissidente e líder do partido Unión Progreso e Democracia). Quando Zapatero chegou ao governo em 2004, convidou Pedro Solbes, então comissário em Bruxelas, para ministro das Finanças e nomeou, para o substituir, Joaquin Almunia.
Em fins do ano passado, quando na UE se discutia acaloradamente a escolha do Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Zapatero chegou a indicar o nome de Moratinos, Ministro das Relações Exteriores do seu governo. A escolha de Moratinos implicava a saída de Almunia, o que como se sabe não veio a verificar-se por entretanto ter sido escolhida Catherine Ashton, de resto, com o apoio do próprio Zapatero.
Almunia que durante o anterior mandato de Barroso foi comissário de Economia e Finanças vai ser substituído neste lugar pelo finlandês Olli Rehn e vai ocupar brevemente a pasta de comissário da Concorrência, mantendo uma das quatro vice-presidências da Comissão.
Resta acrescentar que Zapatero tem sido ultimamente muito criticado, inclusive por certos sectores do seu próprio partido e por certos meios empresariais tradicionalmente ligados a estes sectores, por não ter adoptado no combate à crise uma política mais liberalizante, nomeadamente em matéria de relações laborais, facilitando o despedimento, e de segurança social e ainda por ter prosseguido em matéria fiscal uma política em alguns casos penalizadora dos mais altos rendimentos.

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