quinta-feira, 6 de março de 2008

AS DIFICULDADES DA CANDIDATURA DEMOCRÁTICA

O DUELO DEMOCRÁTICO NOS ESTADOS UNIDOS

As eleições primárias da última terça-feira deixaram o campo democrático ainda mais dividido do que o que já estava. Hillary ganhou e assim encontrou argumentos para se manter na corrida até ao fim. Não foi uma vitória expressiva, mas foi uma vitória significativa, não tanto pelo número de delegados eleitos, mas pelo que a vitória representa no imaginário eleitoral americano – só alcança a Casa Branca quem vencer no Ohio – e por ter mantido intacta, nos dois estados mais populosos, a sua base de apoio mais fiel – as mulheres brancas, os hispânicos e os operários sindicalizados.
Não é de esperar que, nas 13 primárias que ainda falta realizar, qualquer dos candidatos venha a alcançar o número de delegados suficiente para, por essa via, se impor categoricamente na Convenção e menos ainda que alcance o número de mandatos necessários – 2025 – para ser designado. Tudo parece assim encaminhar-se no sentido de a decisão vir a ser tomada pelo partido, o mesmo é dizer pelos 796 superdelegados, que, como se sabe, não têm vinculação de voto.
Ponto é saber segundo que critério votarão os superdelegados. Tendo em conta o número de delegados eleitos, reclama-se do lado de Obama; de acordo com a vontade popular, exige-se na candidatura de Clinton. Os dois critérios podem, de facto, não levar ao mesmo resultado. Os delegados são eleitos segundo um complicado sistema proporcional, condado por condado, podendo acontecer, como aconteceu em Nevada, que o candidato mais votado eleja menos delegados. Além de que, as vitórias alcançadas nos maiores estados se traduzem em maior número de votantes. De momento, Obama leva vantagem qualquer que seja o critério, mas essa vantagem pode reduzir-se consideravelmente se se entrar em linha de conta com as eleições de Michigan e da Florida, que foram anuladas pela direcção do partido por violação das regras internas partidárias, mas que agora são reclamadas por Clinton como legítimas.
Do ponto de vista do embate final com o candidato republicano, esta incerteza quanto à designação do candidato acabará por debilitar o partido democrático. De facto, a campanha tem sido muito dura, assemelhando-se mais a uma campanha destinada a eliminar um candidato do que a escolhê-lo. E nisso H. Clinton tem tido uma grande responsabilidade. Convencida há uns meses atrás de que as primárias seriam para si o cortejo entronizador que a levaria à Casa Branca, deu-se mal com o aparecimento de um candidato que despertou no eleitorado democrático, e até no eleitorado em geral, uma onda de esperança e de simpatia como se não via desde John Kennedy. E em vez de fazer uma campanha dentro do mesmo espectro partidário, valorizando as diferenças programáticas, conduziu uma campanha quase exclusivamente dirigida contra a personalidade do outro candidato. Uma campanha destinada a desacreditar o outro candidato. De facto, quando se insiste, como repetidamente fez a sua candidatura, na insinuação, ou mesmo na afirmação, de que o outro candidato é um inexperiente (o slogan publicitário do telefone que toca de madrugada é inadmissível), um fala-barato, para não dizer um charlatão (Bill Clinton insistia que a politica não é um conto de fadas), e, quem sabe, um muçulmano disfarçado, mais parece que se está travando uma luta decisiva contra o adversário de outro partido do que a confrontar pontos de vista e posições dentro do mesmo partido. H. Clinton foi mais dura e mais impiedosa com Obama, obviamente por instinto de sobrevivência, do que com Bush durante os oito anos da sua administração, com o qual, aliás, o casal Clinton manteve uma cordial relação política, nomeadamente em tudo que dissesse respeito a política externa.
E isto vai inevitavelmente causar danos no partido democrático, tanto entre os apoiantes de Obama, como entre os de Clinton. Dizem as sondagens que 25% dos eleitores de H. Clinton não votarão em Obama e que mais de 10% dos de Obama nem sequer irão votar se ele não for candidato.
H. Clinton utiliza o método do quente-frio. Desfere ataques fratricidas, para logo a seguir, como fez no debate de Austin, dizer que aconteça o que acontecer terá sido para ela uma honra defrontar-se com Obama, ou, como agora em Columbus, propor uma lista conjunta, evidentemente sob a sua liderança.
Do ponto de vista da política interna, os eleitores do partido democrático avaliarão qual dois candidatos serve melhor o ideário do partido, mas do ponto de vista internacional – que a todos interessa e não apenas aos americanos – a designação de H. Clinton e sua hipotética eleição não traria nada de novo à política externa americana, salvo o estilo.
Entre o estilo trauliteiro e violento de Bush e o estilo frio e impiedoso de H. Clinton não há muito por onde escolher. Apesar de os Estados Unidos terem um largo cadastro em matéria de política internacional, é bom não esquecer que as grandes violações do direito internacional saído da Segunda Guerra Mundial começaram com Bill Clinton e não com George W. Bush. Bastará recordar muito brevemente os raids aéreos sobre o Iraque, fora da zona de segurança imposta pelas Nações Unidas, com pretextos absolutamente fúteis (como o de que os serviços secretos iraquianos estavam a perpetrar o assassínio do ex-presidente Bush durante a sua visita ao Kuwait ou sempre que o affaire Mónica Lewinsk o exigia), o raid aéreo sobre alvos civis no Sudão, a pretexto de que se tratava de uma acção de retaliação (cuja causalidade nunca foi provada) e, acima de tudo, a intervenção na Jugoslávia, à margem das Nações Unidas, mas com a cumplicidade e a participação das potências ocidentais integrantes da NATO. Com tudo isto, e também com a invasão do Iraque, esteve de acordo H. Clinton. Com ela haverá, como diz Obama: “Mais do mesmo!”

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