quarta-feira, 2 de abril de 2008

A ESTRANHA POSIÇÃO DE LUIS AMADO SOBRE O RECONHECIMENTO DO KOSOVO


AFINAL, O QUE QUER O MNE?

Temos presente as primeiras declarações de Luis Amado, enquanto presidente de turno da UE, sobre a independência do Kosovo: “Tudo devemos fazer para evitar uma divisão da União Europeia”, temporalmente muito próximas das de Bush, quando este afirmou: “Por que continuar a negociar se já temos a nossa posição e os russos não concordam connosco”?
A ideia com que se ficou, é que Portugal, depois de passar a presidência da UE à República da Eslovénia, reconheceria o Kosovo, na esteira da posição americana e também das 4 grandes potências europeias que alinharam com os americanos. Entretanto, o Presidente da República, no desempenho das suas competências, falou e disse, por outras palavras, temos de ser prudentes e não ter pressas. Nesta altura, Luis Amado entaramelou (para quem tiver dúvidas ver aqui, transcrição das suas palavras no Notas Verbais) e nunca mais se encontrou na condução deste “dossier”.
Na entrevista que concedeu ao Público, insiste que a UE está unida nesta questão, quando toda a gente vê o contrário. Confesso que tenho muita dificuldade em compreender uma política que passa pela negação da realidade, nomeadamente quando o que se passa está à vista de todos. Esta questão tem implicações muito mais profundas do que parece, já que tem a ver com o papel da mentira na política. Não pode por isso ser abordada agora. Ficará para mais tarde.
Por outro lado, fica-se a saber que o MNE, isto é (será?), o Governo, quer reconhecer o Kosovo, mas não o faz para não contrariar a posição do PSD (alguém acredita?) e a do Presidente da República. Bem, aqui a coisa fia mais fino. Não se trata de contrariar, trata-se de uma questão de competência. O Governo não tem competência para reconhecer a independência contra a vontade do Presidente da República (levava muito tempo a explicar isto agora, por isso, quem tiver dúvidas, leia os “Poderes do Presidente da República” de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 1991). Mas o que é inexplicável é ouvir o MNE fazer uma ameaça retroactiva ao PR quando diz: “A posição de Portugal seria eventualmente mais voluntarista, se não se tivesse atingido um número crítico de Estados, que era importante para dar sustentação à missão da UE (é óbvio que esta última parte da frase é conversa, porque a missão da UE já lá estava antes da declaração de independência). E conclui a seguir: “Definimos que um número crítico em torno dos 20 dava alguma robustez às posições da EU. Esse número está praticamente alcançado”. A gente lê e não acredita! Como é possível afirmar que não reconhecemos porque houve 20 países que já reconheceram, embora pudéssemos actuar de forma diferente se, em vez de 20, apenas tivessem reconhecido 16, ou 15 ou 17? Ou quererá antes dizer-se que o número de reconhecimentos já alcançados dá-nos tempo para tratar da coisa cá dentro neste jeito mole que é o nosso?
A intervenção do PR foi importante para pôr termo a esta trapalhada e é a posição politicamente correcta, embora esteja mal justificada.
Nenhum povo tem que pedir licença à comunidade internacional para ser independente. A independência é um facto, que existe ou não existe. À comunidade internacional, ou seja, aos Estados que a integram apenas lhes compete avaliar, do seu ponto de vista, se aquela independência existe. E digo do seu ponto de vista, porque não existe nenhuma regra de direito internacional que imponha a um Estado o reconhecimento de outro Estado por se verificarem no caso em apreço os elementos constitutivos que, segundo o direito internacional, integram o conceito de Estado. Embora já seja discutível, pelo menos para alguns, o contrário: i.e.: pode um Estado reconhecer como Estado uma situação que, segundo o direito internacional, não integra o conceito de Estado? Parece que não deverá fazê-lo, embora não esteja juridicamente impedido de o fazer. Evidentemente, que se alguns o fizerem aquela situação que de início não passava de uma quase ficção ou de uma situação muito frágil tenderá a ganhar alguma consistência. Ponto é saber, se essa consistência é suficiente para lhe assegurar a viabilidade como Estado. Se a dita situação não goza de fronteiras claramente demarcadas, porque outros tantos Estados as não reconhecem e as contestam, se o Governo não assegura o poder em todo o território porque uma parte da população não se deixa governar por aquele poder, etc., etc., como vai essa dita situação recorrer à organização internacional representativa dos Estados para ela lhe fazer respeitar a independência, se essa mesma organização a não reconhece? Está assim criada uma situação de conflito na sociedade internacional que o mais elementar bom senso político exigiria não fosse constituída.
Do que vem de ser dito, igualmente se conclui que não há uma prática constante e uniforme dos Estados em matéria de reconhecimento, uns actuam de uma forma outros de outra, pelo que nenhuma regra de direito se pode constituir sobre uma prática fragmentária. Assim sendo, o reconhecimento tem efeitos meramente declarativos e obedece fundamentalmente a critérios políticos definidos por quem reconhece.
No caso do Kosovo, que na realidade é uma amputação territorial com vista a uma futura anexação, o reconhecimento da independência seria, no plano internacional, um aventureirismo político e, no plano nacional, um acto de grande irresponsabilidade política.

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