sábado, 28 de junho de 2008

AINDA A DIRECTIVA DE RETORNO


UMA DIRECTIVA QUE ENVERGONHA A EUROPA

Quando se lêem os preceitos legais relativos aos aspectos mais contestados da directiva de retorno percebe-se que o Estado de Direito, com o entendimento que até agora tem tido na Europa, é posto seriamente em causa por aquele texto jurídico, a ponto de se poder afirmar que, se a directiva for aplicada nos precisos termos em que está redigida, não mais se poderá falar de Estado de Direito relativamente a cidadãos de um Estado terceiro que se encontrem em território da União Europeia em situação irregular.
Os pontos da regulamentação que mais fortemente atingem o conceito de Estado de Direito são os seguintes:
A expulsão de menores não acompanhados. Diz o artigo 8 – A, 2: “Antes de afastar um menor não acompanhado para fora do seu território, as autoridades do Estado-membro certificar-se-ão de que o menor será entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada”.
O Estado de regresso, nos termos da directiva, não é necessariamente o Estado de origem, já que no art. 3 da directiva se esclarece que por Estado de regresso – processo de retorno – se entenderá, além daquele, também "o país de trânsito, em conformidade com os acordos de readmissão comunitários ou bilaterais ou de outro tipo”.
Os períodos de internamento de imigrantes irregulares, diz a art. 14.2: “A detenção será decidida pelas autoridades administrativas ou judiciais (…) Quando tenha sido ordenado por uma autoridade administrativa, os Estados membros preverão um controlo judicial célere da legalidade da detenção que deverá decidir-se o mais rapidamente possível a contar do início da detenção”. Todavia, em situações de emergência, diz o art. 15 - B, o Estado membro poderá conceder períodos mais amplos para a intervenção judicial a que se refere o art. 14.2.
O 14.3 acrescenta que a medida de internamento será reapreciada a intervalos razoáveis e que somente em caso de detenção prolongada as revisões serão submetidas à supervisão de uma autoridade judicial.
Depois no 14.4 diz-se que “a detenção (…) não poderá exceder os 6 meses”, mas logo o ponto 4-A acrescenta que os Estados membros poderão prorrogar o prazo previsto no número 4 por um período limitado não superior a 12 meses de acordo com o seu direito interno.
E o art. 15 diz que o internamento, em regra, se fará em centros especializados, mas se um Estado membro tiver de recorrer a um estabelecimento prisional, os “ilegais” deverão ficar separados dos presos comuns.
O que verdadeiramente choca nesta directiva é, desde logo, o seu fundamento: o outro, como factor de descriminação. E depois a hipocrisia da linguagem, típica de uma Europa covarde que nem sequer tem a coragem de assumir pelo verdadeiro nome as medidas que pretende aplicar e, finalmente, a propositada vaguidade do texto, exactamente destinada a permitir todas as formas de arbitrariedade.
Nos seus fundamentos e na sua formulação, esta a directiva não tem paralelo com nenhuma norma reguladora da privação de liberdade aplicável a cidadãos comunitários. Normas destas já não há na Europa desde a ascensão dos regimes nazis, fascistas e ditatoriais das décadas de 20 e de 30 do século passado.
É minha convicção que, pela sua flagrante inconstitucionalidade, ela não poderá ser aplicada em Estados verdadeiramente democráticos. De resto, não sendo as directivas directamente aplicáveis na ordem jurídica interna, mas apenas depois de transpostas para os respectivos direitos nacionais, nem sequer aquelas questões com que os juristas se costumam entreter – saber se uma norma comunitária pode ser declarada inconstitucional por um tribunal de um Estado membro – aqui se põem.
Curioso vai ser também conhecer a opinião de certos juristas a propósito normas acima citadas.
Desconcertante é, por todas as razões invocadas, a posição de Zapatero que, embora acossado pela direita, numa argumentação à Pinto da Costa, disse nas Cortes “algumas críticas só podem proceder da supina ignorância ou da demagogia irresponsável”.
O Conselho da Europa manifestou-se ontem contra esta directiva.
Para que conste: no Parlamento Europeu, votaram a favor os seguintes parlamentares portugueses:
Carlos Coelho, Assunção Esteves, Duarte Freitas, Vasco Graça Moura, Sérgio Marques, João de Deus Pinheiro, Luís Queiró, José Ribeiro e Castro, José Silva Peneda (todos do PPE/DE) e Sérgio Sousa Pinto (do PSE).

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