quinta-feira, 3 de julho de 2008

SÓCRATES E A CRISE


COMPARAÇÃO COM ZAPATERO

A entrevista que Sócrates concedeu ontem à noite à RTP1 não trouxe nada de novo, como aliás seria de esperar.
Vimos um Primeiro-ministro tenso, arrogante, autoritário, absolutamente convencido das suas verdades e sem nenhuma capacidade para escutar outros argumentos.
Insistiu na tecla na tecla da “sensibilidade social” do governo sem sequer se dar conta que a insistência nesse tema é a prova do maior fracasso da sua governação. É que, ao contrário do que diz Sócrates e os seus “neocons” (na minha linguagem, os neocons de Sócrates são os “neo-convertidos ao socialismo neo-liberal”), há uma diferença muito grande entre uma política que divide os rendimentos entre o capital e o trabalho, com alguma equidade, como era matriz das políticas social-democratas antes da queda do Muro, e politicas que acentuam gravemente as desigualdades sociais e remetem para o limiar mais baixo da pobreza milhões de pessoas. Neste segundo caso, é que se tornam imprescindíveis as tais políticas de “sensibilidade social”, para impedir que caiam na miséria mais nefasta as tais muitas pessoas que o sistema vai gradualmente marginalizando. Estas políticas não formam cidadãos. Formam dependentes. Paradoxalmente, os pobres acabam por ser na maior parte dos casos a riqueza dos governos que os cria. É, pela própria situação em que vive, gente sem nenhum poder reivindicativo e sem qualquer capacidade de luta. Gente que será, em período eleitoral, presa fácil do governo que a assiste. Prova de que o negócio dos pobres é eleitoralmente rentável, é o novo discurso do PSD a respeito.
Em segundo lugar, Sócrates e os seus “neocons” padecem cada vez mais da síndrome dos economistas. Diz P. Samuelson que os economistas são os únicos animais que não apreendem com a experiência. Com Sócrates e os seus “neocons” passa-se o mesmo. Vem isto a propósito dos grandes projectos de obras públicas que o Governo se propõe executar e cuja discussão ou parcial contestação constitui motivo de profunda irritação para o Primeiro-ministro. Certamente que conhecemos as doutrinas keynesianas e papel que tiveram no relançamento da economia americana abatida pela Grande Depressão, assim como no relançamento da economia europeia do pós guerra. Como também conhecemos a incapacidade para tais políticas por si só alterarem a estrutura de uma economia, como, entre nós, demonstram à saciedade os exemplos de Cavaco e de Guterres, para não falar de outros exemplos, noutros países, onde tais políticas tiveram efeitos contraproducentes.
A política de grandes obras públicas pode ser eleitoralmente rentável, mas não é necessariamente uma política correcta para o país. Os êxitos de tais políticas estão, por um lado, intimamente associados a pactos sociais de justa repartição dos rendimentos, como foi o caso do New Deal e mais ainda o do chamado “milagre alemão”, e, por outro, são tanto mais eficazes quanto mais competitivas e criativas são as economias em que elas tem lugar.
Nem uma nem outra situação se verifica em Portugal, nem por aquelas políticas serão potenciadas. Pelo contrário, farão aumentar a precariedade e a imigração ilegal, e aumentar ainda mais gravemente as desigualdades sociais.
Quaisquer que tenham sido os motivos, as exigências que o PSD passou a fazer em matéria de financiamento e de uma análise de custos-benefícios transparentes tiveram o mérito de trazer para a discussão do grande público um tema que há muito vinha sendo reclamado por certos sectores da sociedade portuguesa, infelizmente sem voz para se fazerem ouvir…
A grande irritação do Primeiro-ministro no tratamento deste assunto parece resultar de ele ver nesta insistência do PSD a “mão” de Cavaco…que, entretanto, terá evoluído. Em 1985, em campanha eleitoral, também ele afirmava, para combater a política contraccionista do anterior governo Soares, que a “construção civil é uma roda que faz girar muita coisa na vida de um país”.
Ontem, Zapatero foi ontem ao Parlamento debater a situação económica. Para além do debate sobre a questão semântica sobre se há crise ou abrandamento da economia, o que interessa realçar é a garantia dada pelo Primeiro-ministro espanhol de que não haverá recortes nas prestações sociais nem alterações na política social-democrata do governo.

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