quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A DESFAÇATEZ DA SRA RICE


COMO É POSSÍVEL QUE A AMÉRICA DE BUSH SE ARVORE EM GRANDE DEFENSORA DO DIREITO INTERNACIONAL?

De facto, não há palavras para comentar a desfaçatez da Sra Rice. Primeiro, como conselheira do Conselho Nacional de Segurança, com uma posição na hierarquia semelhante à de Kissinger, quando este exercia o mesmo cargo, depois, como Secretária de Estado, a Sra Condoleezza Rice participou como co-autora ou, na melhor das hipóteses, como cúmplice, em todas as barbaridades da Administração Bush. De facto, esta Administração espezinhou o direito internacional, fez da força o direito do mais forte, transformou o mundo numa selva, fez regredir a comunidade internacional ao estado de natureza, para usar uma linguagem hobbesiana, e vêm agora uma das suas mais destacadas personalidades, com aquele ar de virgem pudica, queixar-se da Rússia.
Esta gente da administração Bush, entre a qual se conta Dick Cheney como grande agente do mal – para usar a linguagem dele –, seria implacavelmente julgada por um tribunal penal internacional, se houvesse um tribunal verdadeiramente independente ou, mesmo com o que existe, se pertencesse a um pobre pais africano ou mesmo a um europeu, desde que derrotado.
Como pode a administração Bush falar na reputação perdida da Rússia, se ela própria, pelos actos que praticou e pelas posições que assumiu, é responsável pelas maiores violações do direito internacional, desde o nazismo? Do direito internacional não apenas como direito regulador das relações entre os Estados, mas também como protector dos direitos dos indivíduos!
À medida que o tempo passa cresce a convicção de que a América – as forças que dominam a América –, desde que assumiu o estatuto de super potência e, depois, a partir do momento em que se transformou em potência hegemónica, tem uma extrema dificuldade em viver em paz com os demais países, exactamente por não admitir manter relações paritárias com os Estados cujos interesses conflituam com os seus.
A América e todos aqueles que ela acirra contra a Rússia são os grandes responsáveis pela actual crise internacional, que é uma crise grave, porventura a mais grave que o mundo vive desde a segunda guerra mundial e que poderá ter consequências trágicas, já que de nenhum dos lados da barricada há um projecto de futuro baseado em ideias suficientemente elevadas para as impedir.
A América está perdendo gradualmente o estatuto de potência hegemónica, embora a sua actuação na cena internacional seja a de quem se não apercebeu completamente da nova situação existente no mundo ou de quem a não aceita. E isso poderá ser trágico. O atoleiro em que o Iraque se transformou, as grandes dificuldades no Afeganistão, que apontam mais para uma derrota do que para uma vitória, a impossibilidade de resolver a seu favor o conflito com o Irão e o clamoroso fracasso em que se tornou a independência do Kosovo, demonstram isso mesmo. E a questão que se põe é: vai a América aceitar a nova situação ou cometer uma loucura para forçar a sua reversibilidade?

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