sexta-feira, 12 de setembro de 2008

AS ELEIÇÕES AMERICANAS E A DEMOCRACIA

OS RISCOS ASSOCIADOS AO DECLÍNIO DE UMA SUPERPOTÊNCIA

As primárias americanas para a designação dos candidatos presidenciais foram entendidas em todo o mundo como um salutar exercício de democracia representativa. Cada um dos candidatos concorrentes esforçava-se por demonstrar que representava melhor do que os seus rivais os eleitores do respectivo partido, quer pelas perspectivas abertas pelas novas propostas apresentadas, quer pelo esforço em ir ao encontro dos desejos dos eleitores.
Na corrida a dois para a eleição presidencial, há uma clara diferença relativamente à eleição anterior. Enquanto as primárias decorriam no seio dos respectivos partidos, a corrida a dois tem como destinatários todos os eleitores. Daqui decorre uma atitude completamente diferente dos candidatos face ao eleitorado. A partir de agora o que verdadeiramente conta é a identificação do candidato com o eleitorado e não a do eleitorado com o candidato. O poder de atracção do candidato sobre o eleitorado mede-se agora muito mais pela identificação do candidato com os eleitores, de modo a que estes vejam nele o seu representante natural, do que pela capacidade do candidato para apresentar novas propostas capazes de seduzirem e entusiasmarem o eleitorado.
A entrada em cena da Sarah Palin teve o condão de tornar tudo isto muito mais evidente. Há realmente um largo conjunto de “valores” amplamente partilhado pelo povo americano, como o abnegado amor à pátria, a missão salvífica da nação americana (verdadeira incarnação do bem, apenas possível num povo eleito), a preponderância da fé, a supremacia da iniciativa individual sobre o Estado, cujo enraizamento na sociedade americana faz com que os candidatos que relativizam aqueles “princípios” tenham poucas ou nenhumas hipóteses de serem eleitos.
De todos estes ”valores”, os que mais directamente conflituam com a democracia são o exacerbado nacionalismo e a missão salvífica que a América a si própria se atribui como verdadeira encarnação do bem. Todos aqueles que não partilham dos seus “valores”são automaticamente suspeitos (recorde-se a propósito como foram tratados os europeus na Convenção Republicana) e os que não querem compartilhar da felicidade americana e se opõem a que a América os salve do mal, são considerados inimigos. A princípio, no auge do Império, somente uns poucos foram remetidos para índex do “Eixo de Mal”, mas à medida que o mundo se vai tornado cada vez mais multipolar e a supremacia americana vai decaindo, o “Eixo do Mal” terá tendência a aumentar, com novos e cada vez mais poderosos inimigos.
A política de Bush e McCain, muito bem acolitado por Sarah Palin, leva a este resultado. O concorrente democrático, muito condicionado pela ampla partilha de “valores” do eleitorado americano, está condenado a ser imaginativo apenas no campo da economia, único domínio onde a sua proposta pode marcar a diferença, tendo em conta a situação actualmente vivida na América.
De facto, quando um candidato de um país dito ocidental afirma que os soldados americanos estão no Iraque cumprindo uma missão divina ou é vibrantemente aplaudido pelos mais lídimos representantes do Partido quando diz: “Os terroristas da Al Qaeda continuam a conspirar contra a América e ele está preocupado em que alguém lhes leia os direitos”, é a própria democracia que está em causa.
Não a democracia defendida por este ou aquele partido, mas a democracia americana. Se os interesses europeus (da velha Europa) já não eram coincidentes com os dos americanos, também agora, mais do que nunca, há um claro afastamento entre os dois lados do Atlântico em matéria de valores estruturantes das respectivas culturas.

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