sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A PROPÓSITO DAS CASAS DISTRIBUÍDAS PELA CÂMARA DE LISBOA


A QUESTÃO DO PODR DISCRICIONÁRIO

Não vou aqui falar da distribuição de casas pela Câmara de Lisboa. Muitos o têm feito já e eu nem sequer me encontro na posse de elementos que considero essenciais para me pronunciar. Interessa-me apenas a questão do poder discricionário, mais numa perspectiva política do que jurídica.
Como já neste blogue e em outros escritos tenho afincadamente defendido, o poder discricionário, mesmo na interpretação restrita que eu faço do conceito, é uma excrescência num regime democrático. Todos os actos administrativos deveriam poder ser controlados pelo tribunal e os seus autores deveriam pautar as suas condutas por critérios de pura legalidade.
Infelizmente, não é assim, ou não é ainda assim. O poder discricionário continua a ser entendido como a faculdade que a Administração tem de definir a prossecução do interesse público com base em critérios de oportunidade, nos casos em que a lei o permite. E, nessa estrita medida – e apenas nessa – a sua conduta é insindicável pelos tribunais. Entre duas opções, a Administração pode escolher a que julga mais adequada à prossecução do interesse público. Porém, se em vez da escolhida tivesse optado pela rejeitada, a sua conduta seria igualmente legal. E é exactamente neste núcleo da decisão que os tribunais não interferem. Em tudo o resto, o acto é controlável jurisdicionalmente.
Basta ouvir o que tem sido afirmado por vários responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa, qualquer que seja o seu nível, para imediatamente se compreender que em Portugal poder discricionário é, para quem o exerce, sinónimo de poder arbitrário. E o mais grave é que isso não se passa apenas ao nível das Câmaras. Passa-se ao nível dos ministérios, das direcções gerais, dos institutos públicos, enfim, a todos os níveis. A ninguém ocorre pensar que o poder discricionário se destina a prosseguir apenas e só o interesse público. E nenhum outro. O lamentável é que os tribunais, muito mais frequentemente do que seria desejável, conformam-se com este entendimento.

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