segunda-feira, 24 de novembro de 2008

CONSTÂNCIO CONTINUA A EXPLICAR-SE MAL



A TENTAÇÃO DA VITIMIZAÇÃO


Constâncio, na entrevista que acabou de dar à RTP, continua a explicar-se mal. O pretexto para ser ouvido foi as diferentes versões da tal conversa entre Dias Loureiro e António Marta, no Banco de Portugal, sobre o BPN, em Abril de 2002.
Conversa de que Constâncio não teve conhecimento e a que atribui pouca ou nenhuma importância, salvo a prova, numa das versões, de que o Banco de Portugal estava actuante relativamente àquele Banco.
Não se percebe como é que o Governador do Banco de Portugal considera irrelevante uma conversa que, em qualquer das suas versões, é grave.
É grave na versão de Loureiro, porque se trata da denúncia difusa de factos que põem em causa o modo de gestão de uma instituição financeira, numa altura em que já havia um insistente “ruído”sobre o que de anormal nela se passava (palavras de Dias Loureiro).
É grave na versão do Vice-Governador, António Marta, porque se tratava de uma conversa pressionante, vinda de uma importante e influente personalidade política do PSD, sobre o modo de actuação do Banco de Portugal, tendo em vista “amaciá-la”. Se nos lembrarmos que Durão Barroso foi empossado como Primeiro-ministro em 6 de Abril de 2002, a entrevista de 19 de Abril, a ser verdadeira esta versão, só poderia querer sinalizar ao Banco de Portugal que era preciso tirar as consequências da mudança de poder político efectivamente operada cerca de duas semanas antes.
Grave ainda o facto de Constâncio levianamente admitir que conversas deste género, qualquer que seja a versão, poderem ocorrer com frequência, sem que ele tenha de as conhecer. Grave também que conversas desta natureza possam ocorrer com tanta informalidade, como se de uma conversa de café se tratasse.
Este episódio ilustra bem o modo como Constâncio concebe a supervisão.
Mas há mais: Constâncio disse repetidamente no Parlamento que o supervisor não é um polícia, nem um delegado do Ministério Público. Mas hoje, na entrevista, justificou os quase noventa dias que demorou para entregar uma denúncia ao Ministério Público, com a necessidade de reunir provas cabais antes de o fazer! O que apetece perguntar, perante tão grave contradição, é se Constâncio esperou quase 90 dias para ter a certeza de que não tinha outra alternativa senão denunciar (a que está por lei obrigado) ou se esperou 90 dias para enviar o processo ao Ministério Público já com a instrução que a este competia.
Constâncio insiste com os casos do Banesto, de Mário Conde, expoente máximo da “cultura del pelotazo” em Espanha e de Jerôme Kerviel, na Societé Géneral, em França, para, com base num argumento de analogia, isentar de responsabilidade a sua actuação como supervisor. Mas estas são situações muito diferentes daquelas com que Constâncio se defrontou no BCP e no BNP.
Antes de mais, ao contrário do que disse Constâncio, o efeito Mário Conde no Banesto foi de curta duração, apesar do muito que dele se falou em Espanha por esses tempos. Em de Outubro de 1987, Mário Conde comprou uma importante participação no Banesto com o dinheiro que havia ganho numa transacção milionária resultante da venda de um grupo de empresas farmacêuticas, de que era proprietário, a uma multinacional do ramo. Com esse dinheiro efectivo, e não fictício, propôs-se salvar o Banesto que por essa altura tinha um “buraco” de cerca de 100 mil milhões de pesetas; foi depois eleito presidente do conselho de administração e em 1989 distribuiu dividendos pelos cerca de 300 mil accionistas do banco. Em 1993, o Banco de Espanha intervencionou o banco, depois de ter descoberto uma série de fraudes que punham em risco a solvabilidade da instituição.
Se o caso Banesto demonstra que o Banco de Espanha actuou rapidamente perante o homem então mais famoso de Espanha e com tal eficiência que, pouco depois, Mário Conde era preso e condenado, o caso da Societé General somente por abuso da tradicional ignorância dos portugueses, inclusive dos deputados, pode ser invocado como uma falha do supervisor. A Societé General foi ela própria vítima de uma fraude de um seu funcionário, o operador Jerôme Kerviel, que, sem autorização da sociedade, comprava títulos de alto risco e dissimulava estas operações introduzindo no sistema informático do banco operações fictícias, de sentido inverso, que compensavam contabilisticamente aquelas. As perdas da sociedade, quando estas operações foram por ela descobertas, eram bastante fracas face aos montantes comprometidos, mas a Societé General considerou que tais operações expunham o banco a um risco considerável. Em inquéritos de opinião então realizados, a direcção do banco foi considerada responsável pelo sucedido por mais de 50% dos inquiridos.
Constâncio ao invocar estes exemplos na televisão, como já tinha feito no Parlamento, mas agora com mais dramatismo, procurou claramente o efeito vitimização para se inocentar perante os portugueses. Mais uma vez, não o conseguiu, porque, de facto, quanto mais se sabe, mais responsabilidades se imputam ao supervisor. No desempenho da sua função, evidentemente, não nos actos praticados no BPN.

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