sábado, 29 de novembro de 2008

A CRISE FINANCEIRA E O PAPEL DOS JURISTAS



PODE O GOVERNO ACTUAR ARBITRARIAMENTE?

Como aqui logo sublinhámos, as leis que, em consequência da crise financeira, regulam a intervenção do Estado no sistema bancário são propositadamente vagas e lacunares. Os diplomas complementares que facilitam a sua aplicação ou têm normas inconstitucionais (como acontece com a Portaria n.º1219-A/2008 de 23 de Outubro, de que os bancos ainda se hão-de prevalecer) ou mantêm em pontos importantes a excessiva generalidade dos diplomas principais.
Isto significa que o Governo fica com uma extensa latitude de actuação e pode, dado o clima político reinante em Portugal, actuar contrariamente ao interesse público e aos verdadeiros fins para que, à luz do direito, aquelas intervenções foram previstas. Quando dizemos que o Governo pode não queremos dizer que o Governo tem o direito de actuar como actuou, mas que o Governo tem de facto a possibilidade de o fazer.
E a questão que juridicamente se coloca é a de saber se essa actuação é, em todos os casos, lícita e, não o sendo, como pode ser atacada. Evidentemente, que não me estou a referir a uma actuação contrária aos interesses dos accionistas e simultaneamente contrária à lei. Essa pode ser sempre directamente atacada pelos prejudicados.
Estou antes a referir-me a uma actuação não apenas contrária mas gravemente danosa do interesse público como parecem ser as duas intervenções que o Governo já fez. Uma coisa tenho por certa: o Governo não tem nesta matéria, como não tem em nenhuma outra, o direito de actuar arbitrariamente.
E discricionariamente, podê-lo-á fazer? O Governo tem de visar com a sua actuação a defesa do interesse público, explicitando muito clara e concretamente o que entende por essa defesa, ou seja, qual o interesse público que em cada caso está a defender (não pode, por exemplo, limitar-se a simples declarações genéricas do tipo “o efeito sistémico…” ou “a imagem de Portugal junto da banca internacional…”, ou outras do mesmo género) e tem que respeitar depois um conjunto de princípios e normas constitucionais que, em actos desta natureza, sempre balizam a sua legalidade.
A discricionariedade do Governo não pode ser entendida como leque de decisões à sua escolha, sendo legal aquela pela qual ele optar, seja ela qual for. Não. A decisão do Governo, para ser lícita, tem de ser a juridicamente correcta. E essa é apenas uma e não uma entre várias.
A outra questão é da legitimidade para atacar a decisão do Governo.
É este o repto que deixo aos juristas, principalmente aos magistrados, da judicatura e do ministério público, que se prestigiariam muito mais aos olhos dos portugueses se tratassem destas e doutras questões semelhantes do que de desprestigiantes questões corporativas.
Aos demais juristas não valerá muito apelar. Os pareceres estão caros…e o Governo, um bom freguês.

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