QUEM VAI PAGAR?
Quando a crise financeira começou a assolar o continente europeu, o Estado português, à semelhança de alguns outros, assumiu o compromisso de garantir o pagamento de todos os depósitos feitos nos bancos sediados em Portugal. Tratava-se obviamente de uma declaração política, que carecia de ser concretizada pela via dos mecanismos jurídicos adequados.
Depois da discussão gerada na América na sequência da tentativa da Administração Bush, parcialmente bem sucedida, de transferir o dinheiro dos contribuintes para salvamento das falências bancárias, a Europa, muito por acção de Gordon Brown (inspirado nas propostas de Paul Krugman), assentou em, fundamentalmente, três modelos de actuação para fazer face à crise financeira:
Primeiro: Nacionalização dos bancos cuja falência pudesse fazer colapsar o sistema financeiro;
Segundo: Concessão de garantias pessoais aos empréstimos contraídos pelos bancos, nomeadamente os interbancários, para aumentar a liquidez;
Terceiro: Criação de um fundo para recapitalização dos bancos em dificuldades.
São três modelos de actuação, teoricamente mais aceitáveis que os previstos no malfadado plano Paulson, principalmente na sua primeira versão.
No fim de contas, trata-se de saber quem paga a crise financeira. Que a crise económica, gerada por aquela, vai ser paga por todos, designadamente por aqueles que nenhuma responsabilidade tiveram no seu desencadeamento, é coisa que já se sabia. Outra coisa diferente é saber quem paga a crise financeira.
As vozes dos responsáveis políticos europeus que sobre a matéria se fizeram ouvir deram a entender que a crise teria de ser paga por quem a causou, ou seja, pelo capital financeiro. Entre nós, o Primeiro-Ministro, tanto nas várias intervenções avulsas que fez sobre o assunto, como no debate parlamentar, alinhou de certo modo no mesmo sentido.
Mas nesta matéria, como em todas as demais, é preciso estar atento. Uma coisa é o que se diz, outra pode ser o que se faz.
Comecemos pala concessão das garantias, reguladas na Lei n.º 60-A/2008 – a tal lei que o Presidente da República promulgou no tempo record de 30 minutos, após estudo minucioso!
Esta lei deveria, no mínimo, identificar com rigor as operações a que se destina, regular o custo das garantias concedidas e definir a posição do Estado em caso de execução das mesmas.
De facto, a lei é muito vaga. Fala simplesmente em contratos de financiamento. Sabendo-se, como se sabe, que a razão de ser desta medida está ligada a problemas de liquidez, em virtude das dificuldades que os bancos passaram a ter de se financiarem no sistema bancário, não deveria a concessão garantia estar ligada aos empréstimos inter-bancários? Fará sentido que o Estado garanta, por exemplo, a emissão de obrigações?
Em segundo lugar, é certo que a lei fala na remuneração da garantia. Mas das duas vezes em que se refere ao assunto fá-lo de modo indirecto e envergonhado. A lei deveria ter abordado frontalmente a questão.
Em terceiro lugar – e este é o aspecto mais grave da lei – ela é completamente omissa quanto à posição do Estado em caso de execução da garantia. Certamente que será credor. Mas isso não chega. Que interessa ser credor, na mesma situação dos demais, de um banco falido? A lei deveria contemplar o princípio puro e simples da conversão da dívida em capital. De outro modo, é o contribuinte que está a pagar os prejuízos, em vez dos accionistas.
Relativamente às nacionalizações, de que já vamos ter um exemplo na próxima quarta-feira, desconhece-se completamente como pretende o Governo actuar. A rapidez com que tudo está a ser feito, a completa ausência de discussão pública e a prática habitual de uma maioria parlamentar dócil e às ordens fazem temer o pior. Todavia, se um banco é nacionalizado porque não está em condições de solver os seus compromissos, se tem um passivo bem superior ao activo e se, além disso, ainda está envolvido em negócios ilícitos e ruinosos, evidentemente que a intervenção do Estado – neste caso a nacionalização – só poderá justificar-se pelas consequências negativas que a sua falência acarretaria para o sistema financeiro e, reflexamente, para a economia real.
A defesa dos interesses dos credores, sejam eles depositantes ou de outra espécie, é aqui secundária. E o que certamente não poderá existir é qualquer tipo de defesa dos accionistas, já que eles são societariamente responsáveis pela situação criada. Por outras palavras, o Estado não só não tem que pagar nada pela nacionalização, como ainda deveria ser ressarcido.
Quanto ao terceiro mecanismo que o Estado se prepara igualmente para actuar – constituição de um fundo de recapitalização –, apenas interessa acrescentar que o Estado não pode apenas limitar-se a ficar com acções preferenciais correspondentes às injecções de dinheiro líquido que venha a fazer. O Estado tem de controlar a aplicação e o destino do dinheiro que lá puser.
Para estupefacção minha julgo ter ouvido hoje um presidente de um banco dizer que poderá concorrer a esse fundo se surgir a hipótese de um bom negócio!
Admiro a substância e a forma das suas notas, que leio todos os dias...
ResponderEliminarMas 'sediado' é com 'i'.
Certamente. Houaiss dixit...
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