quinta-feira, 27 de novembro de 2008

NOTAS SOBRE O CONCEITO DE DITADURA - PARTE I

AINDA A PROPÓSITO DAS DECLARAÇÕES DE MANUELA FERREIRA LEITE


“EU NÃO ACREDITO EM REFORMAS, QUANDO SE ESTÁ EM DEMOCRACIA…QUANDO NÃO SE ESTÁ EM DEMOCRACIA É OUTRA CONVERSA, EU DIGO COMO É QUE É E FAZ-SE. E ATÉ NEM SEI SE A CERTA ALTURA NÃO É BOM HAVER SEIS MESES SEM DEMOCRACIA, METE-SE TUDO NA ORDEM E DEPOIS ENTÃO VENHA A DEMOCRACIA”.

Não há nada como ter um responsável político que fala à vontade, sem preocupações do politicamente correcto. Ferreira Leite, talvez sem querer, mas não sem o saber, tocou com esta “tirada” em três questões fundamentais que estão muito longe de estar resolvidas não apenas em Portugal, mas em muitas outras partes do mundo recém-familiarizadas com a vivência democrática. São elas:
Primeira: As reformas em regime democrático;
Segunda: A carga pejorativa ancestral que recai sobre a democracia como forma de governo;
Terceira: A ditadura como instituição adequada para acudir a situações excepcionais;

Interessa-nos, fundamentalmente, desenvolver a questão da democracia e da ditadura, sem, contudo, deixar de dizer algo sobre as reformas.
1 - Sobre as reformas em regime democrático, devo começar por dizer que não tenho a certeza se Ferreira Leite, no contexto do discurso que vinha proferindo, quis dizer que não acreditava em reformas em regime democrático, ou antes que, em regime democrático, não acreditava em reformas sem a participação dos "reformandos".
Enfim, sem querer aprofundar o tema, parece-me excessivo afirmar-se que o pensamento subjacente da autora vá no sentido da transferência para o sector privado das actividades dos serviços públicos cujos funcionários resistem às reformas. Esta ideia, além de ter implícita a tese de que todas as actividades do sector privado são reformáveis contra os interesses e sem a luta dos trabalhadores que as servem, parece querer dar corpo a uma outra tese, igualmente perigosa, de que em democracia as reformas podem e devem ser feitas sem a participação dos "reformandos". É isso que certos “conselheiros de Sócrates”, fundados numa concepção antiquada de poder, têm advogado, esquecendo-se, exactamente, que as características mais emblemáticas das modernas sociedades plurais são o conceito relacional de poder e os procedimentos concertados de decisão. A decisão, ou melhor, o seu efeito, nas modernas sociedades democráticas, não é um jogo de resto zero (tudo o que uma parte ganha, a outra perde), mas antes um jogo de resultado positivo para ambas as partes (ambas ganham), contribuindo assim para a manutenção do equilíbrio do sistema social.

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