sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O CONGRESSO DO PARTIDO SOCIALISTA E A SUA ESQUERDA

O QUE TEME A ESQUERDA DO PS?

No artigo de quarta-feira do Público sobre o congresso do PS dizia-se que a ala esquerda do PS teme uma inflexão do partido ao centro… Na minha ingenuidade, eu supunha que esse “receio” fosse motivado por novas linhas de rumo a traçar pelo congresso do próximo ano. Mas depois compreendi que não era bem por isso, mas mais por Ana Gomes muito provavelmente não figurar na lista de deputados ao Parlamento Europeu, podendo, contudo, ser convidada a candidatar-se à presidência da Câmara de Sintra.
Hoje, em artigo assinado pela mesma jornalista, ficou a saber-se que Ana Gomes nunca se disponibilizou para uma candidatura autárquica em Sintra, embora não exclua, se o partido assim o desejar, ser candidata em ambas as listas – autárquicas e europeias. O provável afastamento da deputada socialista das listas do Parlamento Europeu, onde se tem notabilizado na defesa de várias causas, entre as quais a clarificação do transporte por território português de prisioneiros com destino a Guantánamo, principalmente quando essa clarificação aponta no sentido do envolvimento do governo de Durão Barroso, será tido como uma inflexão do partido à direita.
Como se depreende do que vem de ser dito e do mais do que adiante se dirá, a política da dita esquerda do Partido Socialista é mesmo uma coisa muito complexa. Se estes hipotéticos factos e porventura outros semelhantes a estes são indícios que justificam o receio de uma inflexão do partido ao centro ou à direita, isso só pode querer significar que actualmente o partido se situa à esquerda. Mas vamos admitir que estamos a fazer uso de uma lógica formal muito redutora e que as coisas podem ser vistas de outra maneira. Vamos admitir que essa dita esquerda do PS está realmente descontente com o rumo que o partido tem tomado e que aqueles hipotéticos factos são indícios de que no futuro essa inflexão ao centro ou à direita pode ser ainda mais acentuada.
Aceitando como boa esta tese, o que seria normal nestas circunstâncias é que os militantes do partido aproveitassem o congresso como momento apropriado para fazer valer a defesa dos seus pontos de vista, defendendo-os em moções submetidas à votação partidária. E como o PS tem um congresso daqui a mais ou menos dois meses lá teríamos em breve a tal excelente ocasião para debater os tais projectos alternativos. Só que chegados aqui deparamo-nos com uma dificuldade de monta: o próximo congresso terá como principal finalidade a consagração da liderança de Sócrates e o lançamento do ciclo eleitoral de 2009, pelo que não são desejáveis nem debates, nem moções de estratégia alternativas que questionem a política do governo.
E como, pelos vistos, quem define a natureza do congresso é o secretário-geral do partido, lá fica inviabilizada a possibilidade de aquela esquerda se mostrar. É o que nos explica o inefável Paulo Pedroso, membro dessa dita ala, certamente com receio de que não estivéssemos a compreender bem o que se está a passar. Diz ele então: “Não é possível que alguém presente uma moção e outras pessoas façam alterações. Tem de ser moções autónomas e aprovadas em alternativa”.E conclui: “ Só faria sentido haver uma moção autónoma se fosse claro que não era um desafio à liderança e se houvesse um clima partidário de abertura ao debate sobre a renovação programática”. Como não é esse o caso, a apresentação de outras moções seria “destituído de sentido”.
Seria menosprezar os leitores tirar a moral da história. Mas já não constituirá menosprezo este simples desabafo: Que falta nos faz em Portugal um partido social-democrata! Como o passado não se pode reverter para que a história pudesse ser diferente, resta-nos acreditar que, num parto muito fora de época, embora a partir da mesma génese, algo de semelhante ainda possa surgir…

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