terça-feira, 3 de março de 2009

O QUE A ESQUERDA MÍNIMA AINDA NÃO PERCEBEU SOBRE A CRISE NA EUROPA



O PIOR ESTÁ PARA VIR


As pessoas bem informadas sabem que das três formas de poder em que o poder se desdobra, o poder ideológico desempenha um papel fundamental em qualquer sociedade, porque é através dos valores por ele difundidos que se realiza o processo de socialização, sem o qual o grupo social não conseguiria viver em comum. É este poder, em conjugação com os outros dois – o económico e o político – que, no fundo, permite manter as sociedades de desiguais. É ele que permite, em linguagem gramsciana, assegurar a hegemonia.
Se é verdade que o poder ideológico serve para dominar, não é menos verdade que ele tem também o efeito perverso de dominar os dominadores e impedi-los, em épocas de crise muito aguda como a que agora estamos vivendo, de analisar com clareza a própria realidade.
Os defensores da esquerda mínima – aqueles que sacrificaram o essencial ao projecto neoliberal; aqueles que defenderam o “moderno socialismo” (economicamente liberal); aqueles que “flexibilizaram” as relações de trabalho entregando-as ao livre jogo do mercado; aqueles que desregularam a economia, aqueles que destruíram o domínio pelo Estado dos sectores estratégicos da economia; aqueles que enalteceram o papel modernizador da liberalização ilimitada e incontrolada dos mercados de capitais; aqueles que criaram as famigeradas autoridades reguladoras “independentes”, colocando o Estado e os privados em pé igualdade; aqueles que defenderam as engenharias financeiras das parecerias público-privadas, transformando o Estado num apetecível pasto de predadores insaciáveis; aqueles que aceleraram a concentração da riqueza em termos historicamente nunca vistos; aqueles que “democratizaram” ficticiamente o crédito para compensar a injusta distribuição de rendimentos; aqueles que criaram um mercado livre europeu para o capital e mantiveram os regimes nacionais para a segurança social e o trabalho; aqueles que institucionalizaram tudo isto em tratados internacionais desde Maastricht a Lisboa – ainda não compreenderam que esta Europa que eles construíram, na presente situação e para responder à presente situação, apenas está em condições de dar respostas nacionais.
As respostas comunitárias que a União Europeia tem para dar são as que estão contempladas entre os travessões do parágrafo anterior ou outras que se insiram na mesma lógica. As outras questões, que são aquelas a que a União Europeia tem agora de responder, nunca estiveram compreendidas na política comunitária. Por isso, aquilo a que vamos continuar a assistir é a respostas nacionais, cada vez mais contestadas por aqueles a quem elas eventualmente prejudiquem
E a questão que se coloca é saber em que medida a proliferação dessas respostas, cuja disparidade o próprio agravamento da crise não vai fazer senão aumentar, não vai gerar conflitos incontornáveis. Se esses conflitos, decorrentes da procura de soluções nacionais, atingirem um nível de conflitualidade incomportável pelos principais países da União, ou pelo país economicamente mais importante – estou a pensar na Alemanha – o euro acaba. E acabando o euro, acaba logo a seguir a União Europeia.
Felizmente, não há Tratado de Lisboa. O arranjo institucional previsto no tratado só iria potenciar, neste período de crise, o aparecimento de mais conflitos.
A esquerda mínima talvez agora perceba que esta Europa que ela ajudou a construir é a Europa neoliberal do capital. Para atender às pessoas, fazer uma Europa de cidadãos, vai ser necessário reconstrui-la. Só que para isso, infelizmente, não se pode contar com a esquerda mínima que agora apenas parece disposta a aceitar alguma regulação, sem que se perceba muito bem o que quer dizer com isso.

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