sexta-feira, 20 de março de 2009

O QUE VAI SOBRAR DESTA CRISE?



SEGURAMENTE UMA GRANDE DÍVIDA


A crise financeira que atinge os grandes mercados capitalistas da América do Norte e da Europa e que rapidamente se propagou à economia de quase todos os países do mundo com consequências sociais graves está a ser politicamente combatida por aqueles que euforicamente conviveram com as maravilhas do “capitalismo democrático” durante estes últimos trinta anos.
Este simples facto deveria ser suficiente para nos pôr em guarda e nos fazer reflectir sobre que garantias nos pode dar a mesma gente que ainda há bem pouco tempo nos pregava, com a força das verdades reveladas, todas as “certezas” da sociedade que estavam a construir.
Nessa portentosa edificação eles começaram por destruir o Estado e limitá-lo, diziam sabiamente, às suas funções tradicionais. A partir daí, tudo se tornaria mais simples: destruída que estava a supremacia do interesse geral face ao interesse particular, o Estado deixou de arbitrar, deixou de superiormente decidir de acordo com o interesse geral e impuseram-lhe os “reguladores independentes” a quem doravante cabia a função de tratar o Estado e o grande capital no mesmo plano, cabendo-lhe a eles decidir com “independência” qualquer eventual divergência. Simultaneamente, os ideólogos do novo modelo iam diariamente, ano após ano, massacrando os ouvidos das pessoas sobre o que era necessário fazer para ser competitivo, para progredir, em suma, para ser moderno.
Na economia, o progresso exigia a completa desregulamentação de tudo o que pudesse constituir qualquer entrave à livre expansão do capital: desregulamentação do mercado de capitais (apesar de a crise asiática ter demonstrado que só se salvou dela quem não liberalizou); desregulamentação também do trabalho, tendo-se neste campo avançado tanto quanto lhes foi permitido pela resistência dos trabalhadores; erosão dos direitos sociais para potenciar a mais-valia à custa de uma maior exploração. Nunca se produziu tanta riqueza em nenhuma outra época histórica e nunca, simultaneamente, houve menos redistribuição de rendimentos nem tanta desigualdade social.
Na política, os governantes e os seus ideólogos, embora tivessem guardado algumas palavras do passado, como socialismo e social-democracia, rapidamente lhes atribuíram novos significados, e identificaram os seus programas políticos e principalmente a sua prática com as teorias neoliberais. E pouco tempo depois já nos estavam a explicar que o “moderno socialismo” nada tinha a ver com a economia, doravante completamente entregue às imensas potencialidades do mercado. Da prossecução do interesse individual resultaria, como nunca antes teria acontecido na história, a satisfação do interesse geral. Por isso, privatizaram a torto e a direito tudo o que pudesse dar lucro, das prestações de serviço público às de outra natureza; enfim, tudo privatizaram sem curarem de saber se os bens privatizados tinham ou não por missão satisfazer interesses de toda a comunidade.
O sistema entrou em colapso, porque gerou dentro de si as forças da sua própria destruição. Privados de uma justa distribuição de rendimentos, sujeitos à volatilidade dos mercados, submetidos a uma pressão consumista sem precedentes, de que o próprio sistema se alimenta, a generalidades consumidores teve de se endividar muito acima das suas possibilidades de solvência e os resultados estão à vista. Chamam-lhes “activos tóxicos”. A expansão irrestrita do crédito foi a ficção encontrada para colmatar a ausência de rendimentos.
Não é, portanto, de crer que quem contemporizou com tudo isto esteja agora em condições de propor uma verdadeira alternativa. Além do mais, nos tempos que correm, nem sequer há a pressão imposta por um modelo alternativo que penda sobre a cabeça do capitalismo como a “espada de Dâmocles”. Em 1929 havia e, embora a crise tivesse tido várias saídas, nem todas recomendáveis, o capitalismo, passado anos, acabou por aceitar muitas limitações à sua acção, antes impensáveis. Agora, oitenta anos volvidos, vai “sobrar” uma enorme dívida que alguém terá de pagar. Sempre os mesmos!

4 comentários:

  1. Gostei de encontrar este espaço. Ainda por cima, vejo que o meu estaminé já tem aqui link!
    Fui já pendurar o "Politeia" na lapela do "Cantigueiro".

    Abraço

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  2. Pormenorzinho'ortográfico': não é "Dâmocles"?
    Abc.

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  3. Samuel, obrigado pela visita.
    Também sou freguês do Cantigueiro.
    Abraço
    C Pinto

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  4. a.m.

    Sim, claro que é com ^circunflexo.
    Obrgado
    CPinto

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