QUE CONSEQUÊNCIAS?
Ainda não compreendi muito bem o que se está a passar no Irão. Às vezes isso acontece em consequência da própria dinâmica dos movimentos populares, cuja trajectória só se enxerga com clareza tempos mais tarde, outras vezes por falta de conhecimentos e informação competente. Claro, que tenho uma ideia, como toda a gente. E já tive oportunidade de aqui a expor.
À primeira vista, o que parece estar a acontecer é uma sequela das divergências existentes no seio da cúpula dirigente sob a forma de conduzir a “Revolução Islâmica”, ou, sem aspas, a República Islâmica.
De um lado, um sector que advoga uma posição intransigente relativamente a Israel e ao Ocidente em geral (na realidade, o Grande Satã), sem concessões no plano interno a quem esteja na disposição de encarar uma nova política. Deste lado, o Guia Supremo, o Presidente da República em exercício e o Conselho dos Guardiães.
Do outro lado, um sector reformista, igualmente defensor da República Islâmica, que vem mantendo divergências com os sectores próximos do Guia Supremo desde há muito tempo, mas que nos últimos meses, em consequência de algumas alterações da conjuntura internacional, de que é exemplo mais frisante a nova administração americana, passou a defender de uma forma mais clara e aberta uma mudança de política como caminho mais adequado para a defesa dos grandes objectivos da República Islâmica. À frente deste grupo está, sem qualquer dúvida, Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, um dos homens mais poderosos do Irão, economicamente. Mais em consequência da situação gerada pela contagem dos votos para a eleição presidencial e pela palavra de ordem de Musavi - “Novas eleições” - do que propriamente pelo clima criado pela campanha eleitoral, parece ter-se juntado ao sector reformista um vasto grupo inorgânico de opositores (salvo, porventura os comunistas do Tudeh) que foi engrossando com o alastramento da revolta, a quem claramente não desagrada certos estilos de vida ocidentais. Mas é preciso ter alguma prudência na caracterização deste grupo, já que o grito de contestação que todas as noites se ouve em Teerão e noutras cidades, a partir das açoteias, ainda é o mesmo que derrotou o Xá: Allah-u Akbar (Deus é grande) e Marg bar Diktator (Morte ao ditador).
Como no Ocidente a realidade iraniana é muito mal conhecida - a imprensa e os media em geral apenas reproduzem estereótipos - torna-se tudo mais difícil de analisar nas horas críticas. Por exemplo, o facto de o recenseamento eleitoral não ter semelhança com a generalidade dos recenseamentos europeus (atenção: nos EUA também há regimes impensáveis na Europa) não significa que no Irão a batota eleitoral seja mais fácil ou que, no caso de ter ocorrido, não possa ser detectada. Mas não é só nesse plano que o desconhecimento é grande. O facto de os Estados Unidos terem entrado em conflito com o Irão, praticamente desde os primórdios da República Islâmica, mais na era de W. Bush do que anteriormente, com a famosa catalogação do Irão no Eixo do Mal, fez com que a imprensa ocidental se considerasse dispensada de conhecer e de pensar. Apenas tinha que reproduzir as consignes vindas de Washington ou então, uma parte dela – e isto é o que verdadeiramente ela gosta de fazer – criticar os excessos num estilo a que poderíamos chamar “Ana Gomes”.
Um outro aspecto interessante da actual situação iraniana é a perplexidade gerada pela prudência de Obama. Os políticos ocidentais e a matilha dos comentadores internacionais que os segue e reproduz ficaram claramente desorientados com a atitude de Obama. Habituados por W. Bush, mas também por Clinton e por Reagan, a seguir “criticamente” as posições americanas, viram-se subitamente na contingência de ter opinião…
Ainda não compreendi muito bem o que se está a passar no Irão. Às vezes isso acontece em consequência da própria dinâmica dos movimentos populares, cuja trajectória só se enxerga com clareza tempos mais tarde, outras vezes por falta de conhecimentos e informação competente. Claro, que tenho uma ideia, como toda a gente. E já tive oportunidade de aqui a expor.
À primeira vista, o que parece estar a acontecer é uma sequela das divergências existentes no seio da cúpula dirigente sob a forma de conduzir a “Revolução Islâmica”, ou, sem aspas, a República Islâmica.
De um lado, um sector que advoga uma posição intransigente relativamente a Israel e ao Ocidente em geral (na realidade, o Grande Satã), sem concessões no plano interno a quem esteja na disposição de encarar uma nova política. Deste lado, o Guia Supremo, o Presidente da República em exercício e o Conselho dos Guardiães.
Do outro lado, um sector reformista, igualmente defensor da República Islâmica, que vem mantendo divergências com os sectores próximos do Guia Supremo desde há muito tempo, mas que nos últimos meses, em consequência de algumas alterações da conjuntura internacional, de que é exemplo mais frisante a nova administração americana, passou a defender de uma forma mais clara e aberta uma mudança de política como caminho mais adequado para a defesa dos grandes objectivos da República Islâmica. À frente deste grupo está, sem qualquer dúvida, Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, um dos homens mais poderosos do Irão, economicamente. Mais em consequência da situação gerada pela contagem dos votos para a eleição presidencial e pela palavra de ordem de Musavi - “Novas eleições” - do que propriamente pelo clima criado pela campanha eleitoral, parece ter-se juntado ao sector reformista um vasto grupo inorgânico de opositores (salvo, porventura os comunistas do Tudeh) que foi engrossando com o alastramento da revolta, a quem claramente não desagrada certos estilos de vida ocidentais. Mas é preciso ter alguma prudência na caracterização deste grupo, já que o grito de contestação que todas as noites se ouve em Teerão e noutras cidades, a partir das açoteias, ainda é o mesmo que derrotou o Xá: Allah-u Akbar (Deus é grande) e Marg bar Diktator (Morte ao ditador).
Como no Ocidente a realidade iraniana é muito mal conhecida - a imprensa e os media em geral apenas reproduzem estereótipos - torna-se tudo mais difícil de analisar nas horas críticas. Por exemplo, o facto de o recenseamento eleitoral não ter semelhança com a generalidade dos recenseamentos europeus (atenção: nos EUA também há regimes impensáveis na Europa) não significa que no Irão a batota eleitoral seja mais fácil ou que, no caso de ter ocorrido, não possa ser detectada. Mas não é só nesse plano que o desconhecimento é grande. O facto de os Estados Unidos terem entrado em conflito com o Irão, praticamente desde os primórdios da República Islâmica, mais na era de W. Bush do que anteriormente, com a famosa catalogação do Irão no Eixo do Mal, fez com que a imprensa ocidental se considerasse dispensada de conhecer e de pensar. Apenas tinha que reproduzir as consignes vindas de Washington ou então, uma parte dela – e isto é o que verdadeiramente ela gosta de fazer – criticar os excessos num estilo a que poderíamos chamar “Ana Gomes”.
Um outro aspecto interessante da actual situação iraniana é a perplexidade gerada pela prudência de Obama. Os políticos ocidentais e a matilha dos comentadores internacionais que os segue e reproduz ficaram claramente desorientados com a atitude de Obama. Habituados por W. Bush, mas também por Clinton e por Reagan, a seguir “criticamente” as posições americanas, viram-se subitamente na contingência de ter opinião…
Como nós bem sabemos, 35 anos depois do 25 de Abril, a história real é o que se pode ter dos sonhos quando acordamos. Tenho um velho amigo iraniano, Molamrezha D., cientista, que se formou na Europa, era um admirador de Mossadegh, era laico, tenho suspeitas de que tinha envolvimento clandestino em movimentos contra o xá. Encontrei-me com ele algum tempo depois da revolução teocrática. Estava optimista, embora receoso. Disse-me que não era aquilo que tinha desejado, mas que sem aquilo, esse desejo não se realizaria, mais tarde.
ResponderEliminarNão sei o que estará ele a pensar destes dias. Espero que, tantos anos depois, ele venha ainda a ter razão.
O partido Tudeh, dos comunistas iranianos, está neste movimento de protesto activamente, que é muito heterogéneo na composição e objectivos. O que os une será um regime mais democrático. Mas neles coexiste umas classe média urbana mais favorável a um novo tipo de relações com os EUA e o Reino Unido e que "esqueceu" o papel destes na distorção do que poderia ter sido um percurso democrático, desde 1953 até aos dias de hoje e nas tragédias que isso levou milhões de iranianos. E de um outro lado (não existem apenas duas componentes) uma luta de trabalhadores mais conscientes do seu papel autónomo.
ResponderEliminarMas sendo a única estrutura sobrevivente ao xá e à revolução de 1979, a estrutura religiosa ou o papel da religião e dos clérigos na condução do Estado e das almas é aceite por ioutros sectopres da oposição.
As divisões no seio do clero, bem expressas nestas eleições, dão,porém, já um sinal de realinhamentos de campos políticos, sociais e económicos. Esta dispersão de tendências eatitudes, algumas das quais abertamente apoiadas por Brown e Obama, dificulta uma acção conjunta e será aproveitada para Khamenei e o presidente, cuja reeleição foi contestada, aprofundarem a natureza repressiva do regime. Mas também pode o regime chegar a compromissos. Penso que, nesta altura, nenhum de nós pode perceber como será o futuro próximo.
António Abreu