O HOJE E O ONTEM
É difícil encontrar na história da democracia saída do 25 de Abril um Presidente da República que, face à proximidade de um acto eleitoral, tenha demonstrado tanta ansiedade quanta a que Cavaco Silva tem manifestado nestes últimos tempos.
Em minha opinião convergem aqui dois factores paradoxalmente contraditórios. Por um lado, o desvalor do acto eleitoral em si, como acto máximo da democracia representativa. As eleições são vistas por muita gente que fez a sua formação democrática no pós 25 de Novembro/75 como uma espécie de balbúrdia programada, perfeitamente desnecessária e a muitos títulos prejudicial, que só serve para desviar o país dos seus verdadeiros objectivos e interesses. Todavia, por força das convenções em uso, o acto tornou-se imprescindível para a legitimação de quem governa. Por outro lado, as próximas eleições, dadas as características muito particulares do contexto em que têm lugar, nomeadamente a sua proximidade das eleições presidenciais, acabam determinar ou, pelo menos, condicionar fortemente, o futuro político do Presidente.
Depois de uma convergência meramente táctica entre o Presidente e o Governo, imposta pela existência de duas maiorias e por uma opinião pública que dificilmente aceitaria outra atitude, o Presidente e o Governo começaram paulatinamente a divergir não apenas em consequência da diminuição da aceitação popular do governo Sócrates, mas também por a própria governação assentar em pressupostos cada vez menos aceitáveis por Belém. Mais grave ainda do que a divergência ideológica porventura existente, é o reconhecimento, por parte do Presidente, da sua incapacidade para influenciar o Governo.
Perante este cenário, agravado pela situação de crise, torna-se claro para qualquer observador minimamente atento que Cavaco passou a ter uma agenda executiva alternativa, que gostaria de poder pôr em prática por intermédio de um primeiro-ministro dócil e um governo reverente.
Com a chegada ao poder, no PSD, de M. Ferreira Leite, ficaram parcialmente criadas as condições para que aquele projecto se torne viável. Só falta que outra parte se concretize: a vitória eleitoral do PSD. Daí a ansiedade com que o acto eleitoral é aguardado.
Na verdade, do resultado do acto eleitoral parece depender o futuro político do Presidente da República. Se o PSD ganhar e fizer maioria com Portas, o Presidente, a contra-gosto, terá de “engolir” Portas, recandidatar-se-á e muito provavelmente “governará” como pretende nos próximos quatro anos.
Se o PSD ganhar com maioria relativa (com ou sem Portas), estamos perante a maior incógnita do nosso próximo futuro, já que duas hipóteses igualmente viáveis se perfilam. Uma, apoiada pela “esquerda” do PS e pelos sectores anti-Cavaco, defende a rejeição de qualquer governo minoritário PSD e a formação de um governo PS com o apoio dos partidos de esquerda (muito difícil de conseguir, nos termos que interessam ao PS). Outra, maioritariamente apoiada pelo núcleo duro do PS, defenderá a abstenção, com vista à criação do clima político que leve, a prazo, à dissolução da AR e o retorno do PS ao poder em condições confortáveis.
Em qualquer uma destas alternativas o PS defronta-se com uma incógnita de vulto: a agenda política pessoal de Cavaco. Recandidatar-se-á ou não a um segundo mandato? O mais provável é que Cavaco se recandidate com a promessa (ou ameaça) de dissolução do parlamento se os partidos não criarem condições para o funcionamento de um governo estável.
Na hipótese de o PS ser o partido mais votado sem maioria absoluta, não há menor dúvida de que formará governo e muito provavelmente governará até à eleição presidencial com a abstenção pontual da esquerda, não sendo de pôr de parte (hipótese pouco provável) a formação de uma coligação governamental com o CDS, desde este partido tenha os votos suficientes para assegurar a maioria absoluta. Perante aquele cenário (maioria relativa), o mais provável é que Cavaco se não recandidate, já que a eventual dissolução do parlamento pouco tempo depois da eleição presidencial corria o risco de funcionar contra si, por ser mais provável neste contexto a vitória do PS, e de se transformar numa espécie de deslegitimação da sua própria eleição. E como não é de acreditar que, política e caracteriologicamente, Cavaco tenha a capacidade suficiente para funcionar com um governo minoritário politicamente adverso, dada a consequência que poderia advir da dissolução do parlamento, o mais provável é que se não recandidate.
3 comentários:
Não faço análise política. Não quero nem sei fazer. E além do mais, com tantos analistas que por cá temos, basta-nos ler dois ou três de quadrantes diferentes, para obtemos duas ou três – senão mais – análises diferentes, que nos apontam para outros tantos cenários prováveis.
Prefiro manter-me cidadão atento e evito mesmo ler muitas análises para não correr o risco de adulterar aquilo que, enquanto cidadão comum, vou sentido e concluindo. Uma espécie de filtro anti-poluição.
Porém, leio, com muito gosto, a que aqui faz e a de hoje merece-me um comentário em jeito de pergunta: “E onde está a novidade?” Será que a agenda própria do actual PR difere daquilo que foram as dos seus antecessores, a não ser num ou noutro ingrediente meramente circunstancial? Não foram assim as de Eanes, Soares ou Sampaio? Sampaio então…!!!
Quanto ao resto, de duas coisas estou profundamente convicto: uma é a de que Cavaco se vai recandidatar, seja qual for o resultado das legislativas; outra é a de que se a aritmética parlamentar possibilitar uma maioria de direita, haverá uma maior estabilidade governativa e institucional do que se a mesma aritmética permitir uma maioria de esquerda. É que, ao contrário da direita, a esquerda portuguesa (seja lá o que isso for), enquanto tal, sempre foi uma esquerda pequenina, ciumenta e incoerente. Habitualmente, e salvo raras excepções não parlamentares, para esta esquerda, o adversário nunca é a direita, mas sim a própria esquerda, o que justifica esfarrapadamente, com as “políticas de direita”.
Vejamos se não se repetem experiências alheias não muito longínquas, em que era o partido mais pequeno que governava, consoante pendia para um lado ou para outro. Uma espécie de “limianização” parlamentar e governativa.
É que, experiências como as recentemente vividas no norte da Europa, de alargadíssimas e proveitosas coligações, em Portugal seriam inimagináveis.
Tinha inteira razão o general romano quando disse que este povo não se governa nem se deixa governar. Mas isto já nós estamos fartos de ouvir. Infelizmente parece que ainda não nos fartámos de sentir!
JR
Meu Caro JR
Respondendo apenas no plano factual. Não é verdade, salvo o caso de Eanes, que os antecessores do actual PR tenham tido uma agenda executiva própria. Como já várias vezes disse, e os factos atestam-no, nem Soares nem Sampaio "despiram a camisola", embora Sampaio tenha saído com a camisola um pouco desbotada, nem era natural que o fizessem, mas isso não significou em algum momento que tivessem uma agenda executiva própria. Nunca nenhum deles quis governar, directa ou indirectamente.
JMCPinto
Perdoe-me a réplica, mas tem assim tanta convicção de que Jorge Sampaio teria dissolvido a AR se o governo fosse PS? E arrisco a ir mais longe: se não tivesse a absoluta convicção de que o PS ganharia a seguir?
Não será isto uma forma de conduzir directamente os destinos de um país, ou seja, governar?
JR
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