terça-feira, 22 de setembro de 2009

A INCAPACIDADE DE INOVAR


A REACÇÃO AO NOVO

Se os cientistas das ciências da natureza tivessem relativamente à realidade circundante a mesma atitude mental revelada por alguns profissionais portugueses das ciências sociais, ainda hoje estaríamos muito atrasados. Ninguém nas ciências da natureza ousaria dizer que não vale a pena investigar como combater as bactérias ou os vírus só porque umas e outros sempre mataram o homem desde tempos imemoriais. Todavia, é com a maior naturalidade que em Portugal se procura inculcar a ideia de que somente o partido mais votado pode formar governo, porque, na nossa prática constitucional, os governos pós-eleitorais foram sempre chefiados pelo partido ganhador. Ou que o governo formado por um partido que não tenha alcançado a maioria absoluta tem uma sustentabilidade escassa, para deixar subentendido que somente se governa com sustentabilidade se houver maioria absoluta. Ou que os governos de coligação, mesmo com maioria de votos na câmara, não são consistentes, porque em Portugal nunca um governo de coligação durou o tempo da legislatura.
Por outras palavras, o que se pretende dizer é que somente um governo monopartidário com maioria absoluta consegue governar. Todos os demais governos são efémeros, fracos e por aí fora.
A segunda tese é a de que em Portugal somente o PS ou o PSD podem ganhar as eleições. E como esta afirmação passa com a maior desfaçatez de tese a “lei”, ela terá como consequência necessária o voto útil naqueles dois partidos, principalmente no PS, que é o único partido que, pela sua natureza e pela natureza dos partidos à sua esquerda, não está em condições de com estes formar qualquer tipo de coligação.
As teses atrás expostas são, na sua essência, anti-democráticas, na medida em que tendem a negar a força e o sentido do voto popular. Além de anti-democráticas, são, na verdadeira acepção da palavra, reaccionárias, por que não só recusam o novo como inclusive rejeitam que ele possa existir.
É verdade que em Portugal o governo tem sido sempre formado pelo partido mais votado e é juridicamente correcto afirmar que o PR deve indigitar como PM alguém desse partido para formar governo, em princípio o seu dirigente máximo. Mas pode não ser assim. Basta que esse partido não tenha maioria e os demais partidos ou parte deles, com maioria absoluta no parlamento, tenham desde logo deixado muito claro que rejeitam a formação daquele governo. Nesse caso, o PR pode e deve indigitar para formar governo alguém de outro partido, em princípio, mas não necessariamente, o segundo mais votado. Foi isto o que esteve para acontecer, ou que poderia ter acontecido, nas eleições de 2002, ganhas por Durão Barroso.
Em segundo lugar, é falso como tese, embora possa ser defensável como opinião, que o governo formado por um partido sem maioria absoluta seja um governo fraco e inconsistente. A fraqueza ou a consistência do governo não depende de ter ou não maioria, mas da sua política. Não é de forma alguma forte um governo que, apesar da sua maioria absoluta, é permanentemente acossado na rua, nas escolas, nas fábricas, enfim, um pouco por todo o lado, a ponto de o primeiro-ministro ter de pedir aos partidos da oposição que não o hostilizem quando está em funções meramente partidárias. Um governo de maioria absoluta pode, pela sua prepotência, criar um clima de grande hostilidade social, como aconteceu com o último governo de Cavaco Silva, de que o “Buzinão” na Ponte 25 de Abril é o exemplo mais paradigmático ou como aconteceu com o governo de Sócrates, aquando da paralisação do país em 2008, em virtude da subida incontrolada dos preços dos combustíveis.
Como falsa é a extrapolação que se pretende tirar da prática das coligações, pré ou pós eleitorais. A coligação governamental, que é um dos símbolos da democracia, não é em si uma solução condenada ao fracasso. Em toda a Europa se vê o contrário. E o que é verdade em Portugal é algo bem diferente do que aparece insinuado ou mesmo afirmado pelos que as contestam como forma de governo. De facto, as coligações não caem por serem coligações. Caem pelas suas políticas, como aconteceu com o Bloco Central ou com a coligação Santana /Portas.
Finalmente, a tese, ainda por cima transformada em “lei”, de que somente se pode governar com maioria absoluta levaria no seu desenvolvimento lógico à defesa da ditadura. E é exactamente por o PS ter intelectuais orgânicos, filiados ou não, com esta mentalidade, muito próxima da de Cavaco, que o princípio democrático não progride em Portugal!

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