DUAS QUESTÕES A RETER
Figueiredo Dias, professor jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sem dúvida o maior penalista português e um dos grandes nomes do Direito Penal europeu, concedeu uma entrevista ao jornal “Público”, ontem publicada, na qual, entre outros temas de grande interesse, aborda duas questões de premente actualidade.
Uma, sobre o âmbito do segredo de justiça, nomeadamente a sua extensão aos jornalistas; outra, sobre a validade processual das provas.
Relativamente ao segredo de justiça e a sua extensão aos jornalistas, Figueiredo Dias é muito claro: os jornalistas não deveriam estar abrangidos pelo segredo de justiça se as informações de que dispõem não foram obtidas de forma criminosa. Por outras palavras, se em consequência da investigação jornalística ou se por qualquer outra via lícita as informações vêm ao conhecimento dos jornalistas, o material assim recolhido deveria poder ser publicado.
Esta é sem dúvida a posição que melhor defende o direito basilar de qualquer sociedade democrática – a liberdade de informação, face à qual, na maioria esmagadora dos casos, deveriam ceder os direitos que com ela conflituam. Além do mais, a gente sabe que as alterações introduzidas na reforma de 2007 sobre este assunto, aliás não completamente coerentes com o regime geral da publicidade do processo, não visam defender nenhum interesse socialmente relevante, nomeadamente o sigilo da investigação, mas antes proteger o nome de políticos eventualmente envolvidos em investigações (sem êxito, como se está a ver…).
A outra questão é que respeita á validade processual das provas. Figueiredo Dias defende, como não poderia deixar de ser, que a prova só é relevante se for obtida de forma lícita. E dá o exemplo da tortura para tornar bem claro o que quer dizer.
É importante sublinhar este aspecto, porque nas sociedades em que hoje vivemos tende a sobrevalorizar-se a qualquer preço a procura da verdade material (basta ouvir Paulo Portas…), independentemente do modo como tal prova é obtida, nomeadamente se à custa de princípios basilares do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias do cidadão. Nesta matéria, o oportunismo político tende a pagar-se muito caro. O que agora se defende para alcançar uma vantagem política aparentemente defensável, pode amanhã ser usado como regra por aqueles que, tal como Bush e seus pares, na realidade nunca aderiram nem verdadeiramente defenderam os princípios basilares do Estado de direito.
Esta entrevista, aparentemente solicitada no contexto da polémica em curso sobre o valor das escutas em que interveio o Primeiro Ministro, não logrou todavia obter uma resposta concreta, mas antes a enunciação de um conjunto de princípios que, bem aplicados, levarão à resposta juridicamente correcta.
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