quarta-feira, 11 de novembro de 2009

NIXON E AS CASSETES


DESVENDAR A FACE OCULTA

Ao contrário do que muitos pensam, Nixon era um homem brilhante. Um político sem escrúpulos que desde cedo marcou como meta da sua carreira a chefia do Estado americano. Foi eleito pelo Partido Republicano, em 1968, com a guerra do Vietname no auge. Levou para a Casa Branca um conjunto de amigos, tal como ele, pouco recomendáveis eticamente. Nixon usava uma linguagem desbragada que faria corar de vergonha os amigos de Tony Soprano. Ainda jovem e pouco ou nada conhecido dos grandes meios, Allan Greenspan foi convidado para participar na primeira campanha eleitoral de Nixon, na equipa económica. Foi a uma reunião com Nixon e nunca mais lá pôs os pés, tão horrorizado ficou com a linguagem do candidato.
Desde cedo se percebeu que a carreira de Nixon não era uma carreira comum. Vários obstáculos aparentemente intransponíveis se foram erguendo à sua progressão política. A todos foi transpondo, com algumas derrotas de permeio, até chegar ao grande objectivo da sua vida: a presidência dos Estados Unidos da América.
O objectivo foi alcançado e a partir daí, mais do que antes, Nixon tudo faria para manter o poder. No plano interno, comparado com o que veio depois, principalmente a partir de 1980, pode-se dizer que, apesar de Nixon ser um homem de direita, é na sua presidência que se tomam as últimas medidas socializantes da história da América, como é o caso do Medicare e do Medicaid, ainda hoje vigentes, não obstante a fortíssima investida neoliberal que depois varreu a nação americana.
No plano internacional, Nixon está muito longe daquilo que depois veio a ser a política externa americana, fortemente inspirada no movimento neoconservador. Pelo contrário, Nixon e Kissinger, que primeiro foi seu conselheiro e depois secretário de estado, eram seguidores fiéis da escola realista, que, obviamente, está nos antípodas dos princípios pretensamente éticos que norteiam as posições neoconservadoras.
Nixon trabalhava para a História. E é certamente por isso que instalou na Casa Branca um sistema de gravações de todas as conversas lá ocorridas, quaisquer que fossem os intervenientes. Talvez o sistema de gravação, como alguns dizem, tivesse sido herdado de Johnson, o Presidente que o antecedeu. Seja ou não verdade, o certo é que nunca o sistema operou tão intensa e eficazmente como no tempo de Nixon.
Com a reeleição praticamente assegurada, Nixon, que sempre esteve disposto a tudo para alcançar e manter o poder, não resistiu a instalar um sistema de escutas no “quartel-general” do Partido Democrático, em Washington, durante a campanha eleitoral, recorrendo para isso à sua gente da Casa Branca, que desde há muito o acompanhava em todas as lides políticas. Alguma dessa gente, diga-se de passagem, que Franco Nogueira, já no tempo de Marcelo Caetano, contratou para fazer a defesa do política colonial portuguesa junto da administração americana. O que, de resto, conseguiu com algum êxito.
Nixon, um homem do jogo sujo, não resistiu a pôr em prática esta manobra perfeitamente desnecessária para assegurar a reeleição, tal era a sua ânsia de vitória e de esmagamento do adversário.
Ainda durante a campanha, as escutas foram descobertas. E todo o segundo mandato de Nixon ficou marcado pela investigação inclemente de dois jornalistas do Washington Post sobre o que se tinha passado e, mais tarde, pela assunção do dossier pelo próprio Senado. O que se passou depois é uma das grandes batalhas políticas do nosso tempo entre quem defende a transparência e quer ter acesso a todos os meios, qualquer que seja a sua origem ou a protecção legal de que gozem, para esclarecimento da verdade e quem quer esconder os factos escudado nos mais diversos argumentos jurídicos e políticos.
O Senado queria conhecer as “cassetes de Nixon”, todas as cassetes, para apurar o grau de implicação do Presidente nas “escutas de Watergate”. Depois de uma batalha política impiedosa, Nixon acabou por entregar as cassetes. Antes que o Senado votasse o impeachment, Nixon demitiu-se e negociou com Gerald Ford, entretanto “nomeado” Vice-Presidente, a sua imunidade.
Tudo isto vem a propósito das “cassetes de Sócrates”, com ou sem Vara, em poder do Procurador-geral da República.
Chegou a hora de dizer BASTA! Nós queremos conhecer a verdade. Nós queremos saber o que dizem as cassetes. Para nós é indiferente o que diga a “lei”. A lei em vigor, apesar de ter sido votada e aprovada com a intenção evidente de proteger as altas figuras do Estado em todas as situações e, portanto, também na prática de actos ilícitos criminalmente puníveis, não pode constituir um obstáculo ao apuramento da verdade. A lei não pode ser contrária ao Direito! E, assim sendo, tem de ser interpretada conforme o Direito.
Já aqui foi explicado o óbvio. As escutas ao PR, ao PAR e ao PM têm de ser autorizadas pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quando eles são o alvo da investigação criminal. Se o alvo é outro e eles aparecem “metidos na teia” das escutas pelos contactos que mantêm com o alvo ou que o alvo mantém com eles, aquelas personalidades estão jurídico-criminalmente na posição de qualquer um de nós!
Repare-se que no exemplo acima referido, de Nixon, as cassetes eram “privadas”, no sentido em que as gravações tinham sido decididas pelo próprio, para seu uso pessoal e eventual testemunho histórico, encerrando certamente muitas delas grandes segredos de Estado. Pois, mesmo assim, as cassetes foram entregues. As cassetes que agora discutimos são cassetes provenientes de gravações efectuadas pela polícia, com autorização judicial, para investigar presumíveis delinquentes. Por maioria de razão se justifica o seu conhecimento.
E isto não é somente uma questão jurídica. Isto é uma grave questão política que não pode apenas ser deixada nas mãos da justiça.
Que conhecidas personalidades da nossa praça, como Júdice, venham hipocritamente fazer a defesa do Estado de Direito para justificar a eliminação das cassetes, a gente até compreende, vindo de quem vem. Agora que Marinho Pinto, arvorado em grande corifeu da luta anti-corrupção, venha dizer a mesma coisa é algo que descredibiliza definitivamente a sua acção neste domínio.
Um clima, justificado, de grande desconfiança relativamente ao comportamento ético dos nossos políticos e ex-políticos está generalizado na sociedade portuguesa. É preciso cortar o mal de cima para baixo, sem contemplações. O primeiro passo é saber o que dizem as cassetes. Ninguém espere dos demais políticos grande empenhamento no esclarecimento deste caso. Há uma protecção recíproca tacitamente assegurada. Tem de ser a sociedade através dos seus diversos meios de expressão e de pressão a impor-se e a exigir a exibição das cassetes. Digam o que disserem os juristas de serviço!

6 comentários:

  1. Inteiramente de acordo excepto com a inversão das posições relativas entre Júdice e Marinho Pinto.
    Ambos têm feito os seus percursos, sendo HOJE o primeiro bem mais estimável que o segundo, incluindo no que respeita à maior ou menor manhosice com que têm servido o arquitecto Sócrates, os interesses deste e os deles próprios.

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  2. Viste o Marinho Pinto mesmo agora na SIC Notícias, Correia Pinto? Se não viste vai ao site deles, ouve o que ele disse e diz-me se tenho ou não razão no post anterior. Abraço.

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  3. Ambos os 'prestáveis' juristas confluem para o mesmo ponto: 'sentarem-se à mesa' do PS, vindos embora de origens ideológicas diferentes. JÚDICE vem da extrema-direita, tendo atacado como estudante muitos dos (agora) seus 'camaradas' (Deputados, Ministros) nas Assembleias Magnas da AAC/Coimbra, incluindo o 'inefável' Marinho. MARINHO vem do PCP, corajoso e voluntarista, tendo passando pela extrema-esquerda, para começar por coloborar na Ordem dos Advogados
    com o Bastonário Júdice, zangando-se depois ... e acabando por conquistar a OA, para disparar com sanha contra tudo o que é Magistrado.
    Usado pelo anterior Ministro Alberto Costas, suas intervenções políticas eram sempre no sentido de favorecer pessoas do PS, como p. ex.: "O caso 'Casa Pia' aconteceu para decapitar a direcção do PS"; "o caso 'Freeport' começa com uma carta anónima forjada, sem relevância para (possível) notícia de crime". Agora vêm os dois, de cátedra, sentenciar como não tendo qualquer préstimo as escutas a SÓCRATES...
    Qualquer deles teria agora a vaga esperança de ser Ministro da Justiça... e a imprensa chegou a especular. Não sabemos o que aconteceria, se o PS conseguisse 'maioria absoluta'...

    Concordo com tudo o que aqui dizes. E tenho de fazer a justiça de reconhecer que - antes - foste muito crítico com certos aspectos investigatórios do 'Freeport' e ... que, na campanha eleitoral, entre os programas e as práticas do PSD e do PS, apesar de tudo, privilegiavas este ...
    Razão parece ter o teu Amigo JVC, o que disse, aqui, relativamente a Sócrates: mais ou menos isto, 'não bastava só não ser desonesto' ...
    Se as certidões das escutas Sócrates- Vara (formados na mesma Universidade Independente, segundo o método das 'Novas Oportunidades') fizeram o percurso Aveiro-Coimbra-Lisboa, é porque o Juiz de 1ª instância viu nelas matéria de relevância jurídico - criminal... (por certo não se trataria de convite para magusto do S. Martinho).
    É imperioso que saibamos todos o seu conteúdo.
    CA

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  4. Fantástico, o seu argumento: as escutas ao PM, PR etc têm de ser autorizadas quando são eles os escutados, não quando são outras pessoas...

    Portanto, põe-se qualquer pessoa que se saiba contactar com eles sob escuta e eis que é dispensada a autorização do PSTJ para os escutar...

    Simples e eficaz. Portanto, a lei é inútil!

    Está a brincar, não está?

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  5. Não vale a pena distorcer os argumentos para tentar minimizar a gravidade da situação. como certas questões jurídicas têm, pelos vistos, de ser muito bem exoplicadas para serem percebidas irei então fazê-lo num post autónomo.
    JMCPinto

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  6. Não vale a pena distorcer os factos para tentar minimizar a gravidade de certas situações. Como, pelos vistos, certas questões jurídicas têm de ser muito bem explicadas para serem percebidas, irei fazê-lo num post à parte.
    JMCPinto

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