QUEM NÃO É POR NÓS É CONTRA NÓS
Mário Soares tem um jeito especial para relatar factos passados. Tem uma memória excelente, principalmente sobre o que se passou na luta anti-fascista, e conta as coisas de um modo simples, tal como a generalidade das pessoas gosta de as ouvir. Por isso, acaba sempre por ser agradável neste tipo de entrevistas ler o que Mário Soares diz. Há nele algo parecido com os antigos narradores que pela oralidade vão assegurando a memória dos factos passados.
O pior é quando do relato dos factos se passa para a sua interpretação. Aí é que as coisas se complicam, tanto ou mais do que com a “compreensão das coordenadas terrestres”. Ele continua muito tributário das estratégias adoptadas na sua luta política, vergando ainda hoje os factos às conveniências políticas de então. Tomemos como exemplo o 25 de Novembro.
Em primeiro lugar, a concepção do 25 de Novembro como um golpe de esquerda contra os demais. Verdadeiramente não foi isso o que se passou, se é que chegou a haver alguma racionalidade na tomada das bases pelos pára-quedistas. Ainda hoje se não sabe bem se alguém os mandou avançar ou se se limitaram a responder a uma provocação de Morais e Silva, que, como é do conhecimento público, está na origem do abandono da unidade de pára-quedistas de Tancos por todos os oficiais. Dito isto, a ideia com que se ficou então e que com a passagem do tempo se reforçou é a de que aquela insubordinação começou por ser aproveitada pela esquerda para tentar restabelecer uma certa correlação de forças nas estruturas de poder, nomeadamente o Conselho da Revolução, então muito desequilibrado em consequência da saída de quase todos os conselheiros mais ligados à esquerda militar, com excepção de Martins Guerreiro.
Depois, não é verdade que os fuzileiros se tivessem declarado neutrais. O general Costa Gomes, por intermédio do Almirante Rosa Coutinho, e certamente sem a oposição do PCP, ou porventura com a sua colaboração, conseguiu evitar que os fuzileiros respondessem a qualquer acção do campo contrário ou tivessem mesmo tomado a iniciativa de o tentar neutralizar.
Finalmente, não é verdade que Costa Gomes “tivesse estado metido até ao último minuto”. Isto é uma falsidade. Costa Gomes assumiu o controlo da situação desde o início, estabelecendo todos os contactos necessários como um verdadeiro oficial de estado-maior. Manobrou com inteligência e muito tacto diplomático, conseguindo, a partir de Belém, evitar qualquer confronto militar. Só não evitou completamente o que se passou na Polícia Militar, entre esta e os comandos de Jaime Neves, pelas razões minuciosamente explicadas por Vasco Lourenço no seu livro “Do Interior da Revolução”.
Mário Soares queixa-se, por último, de nunca ter compreendido bem Costa Gomes. Mas isso não é certamente culpa de Costa Gomes, o mais inteligente de todos os militares de Abril….
Provavelmente, de tanto as repetir, Mário Soares até já se convenceu a si próprio das suas falsificações da história.
ResponderEliminarMuito interessante na entrevista é também o reconhecimento de que a saída do PCP em 1949 não se ficou a dever a qualquer tipo de divergência ideológica, mas apenas à falta de disponibilidade para passar à clandestinidade.
ResponderEliminarCaro JMCorreia Pinto
ResponderEliminarVou, naturalmente!, fazer link...
Um abraço :)
Ana Paula
Quem somos nós para contrariar o seu conhecimento de...
ResponderEliminarBelo repôr da veracidade sobre esta "velha raposa"...
Hoje tem Alegre a contrapôr...
Bom post, se for caso disso.
Abraço
Ana
Ao menos,podia ter-lhe enviado parabéns pelos seus 85 anos. Alguém lhe levaria a mal?
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