sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

UM DEBATE SOBRE A IDENTIDADE NACIONAL



UM PONTO DE SITUAÇÃO SOBRE O QUE SE PASSA EM FRANÇA

Há pouco mais de um mês, o Ministro da Imigração e da Identidade Nacional, Éric Besson, lançou em França o debate sobre a identidade nacional francesa.
Éric Besson é um trânsfuga do Partido Socialista com um percurso político muito particular – em 2007, em plena campanha eleitoral para as presidenciais, passou-se, de um dia para o outro, de colaborador próximo de Ségolène Royal para apoiante de Nicolas Sarkozy – que lhe tem valido a animosidade permanente do partido socialista de que foi militante durante dez anos.
Considerado muito próximo de Sarkozy, de quem começou por ser secretário de estado de uma área económica, Besson é hoje uma personalidade política com grande exposição mediática, falando-se nele como possível substituto de François Fillon.
É natural que um debate sobre um tema tão complexo e necessariamente polémico suscite as mais diversas reacções qualquer que seja a sede em que é lançado, não sendo de estranhar que essa polémica se agudize se o debate for promovido pelo governo. E esta é de facto a primeira questão que se deve pôr: deve um debate sobre a identidade nacional ser promovido pelo governo ou é antes um debate para levar a cabo na sociedade civil através das suas mais credenciadas instituições e personalidades? É certo que hoje o debate em França está por toda a parte, da Assembleia Nacional, onde também já chegou, aos media, à população em geral, acabando no próprio Presidente da República que, na passada terça-feira, também deu o seu contributo num polémico artigo publicado no Monde desse dia.
A progressiva queda demográfica da maior parte dos países da Europa, aliada aos fenómenos da globalização, de que a imigração é no contexto deste debate seguramente o mais importante, faz com que o problema da identidade, ostensivamente ou não, se torne num tema permanentemente presente. Para complicar mais as coisas, ou porventura para as tornar mais claras, a decisão do referendo suíço sobre os minaretes, em pleno debate, em França, sobre a identidade nacional, acabou por circunscrever a discussão à questão do islamismo na Europa.
O artigo de Sarkozy, embora iniciado com a afirmação de grandes princípios sobre as virtudes da democracia directa – o que na pátria dos jacobinos não deixa de ser uma ironia, como aliás se viu a propósito da proibição de referendar o Tratado de Lisboa –, acaba de facto por limitar o debate à questão do islamismo. E se um debate sobre a identidade é sempre, por definição e qualquer que seja a perspectiva, também um debate sobre a exclusão – a exclusão de quem se não identifica –, no caso francês a questão adquiriu imediatamente contornos políticos muito nítidos por os oponentes de Sarkozy terem visto na incidência deste tema a prossecução da conhecida estratégia de Sarkozy de roubar espaço e eleitores à Frente Nacional de JM Le Pen, apropriando-se de matérias que lhe são caras.
Evidentemente que isto tem riscos, principalmente em épocas de crise económica como a actual, por facilmente o debate poder descambar em manifestações de xenofobia dos mais variados tipos.
Sendo tudo isto verdade, não deixa também de ser verdade que o problema da identidade nacional está hoje muito presente, não apenas em países que ancestralmente se debatem com fenómenos de secessão, como a Espanha, mas também em países onde o Estado verdadeiramente construiu a nação, como é o caso da França, e que nas últimas décadas se tem visto confrontada com uma imigração numerosa com valores muito diferentes daqueles que resultam da herança da Revolução Francesa ou até do Ancien Regime.
Sem ter a pretensão de adiantar algo de importante sobre o assunto direi apenas mais duas coisas. Uma é o ressurgimento do fenómeno nacional ter tornado mais patente uma das limitações da teoria marxista que, tendo feito incidir toro o seu peso sobre o conceito de classe e as correspondentes forças centrífugas, acabou por desprezar o conceito de nação e o peso e a importância das forças centrípetas.
A segunda é a que resulta de as actuais constituições ou até aquelas que são tributárias do individualismo saído da Revolução Francesa praticamente só falarem dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, sem qualquer referência a minorias, sejam elas de que natureza for. O mesmo se passa com a Carta das Nações Unidas que não tem uma única palavra sobre minorias, contrariamente ao que acontecia, embora sem sucesso, com o Pacto da Sociedade das Nações.

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