ESTA DECISÃO NÃO É IGUAL A OUTRAS
Depois da publicação na sexta-feira passada pelo semanário Sol dos despachos do Procurador de Aveiro e do Juiz de investigação criminal, bem como de extractos de conversas entre arguidos do processo “Face Oculta”, ficou a saber-se, sem qualquer margem para dúvida, de que os magistrados que têm a seu cargo aquele processo consideraram que havia indícios da prática do crime de atentado contra o Estado de Direito, nomeadamente contra os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.
A esta conclusão chegaram aqueles dois magistrados com base nos documentos apreendidos durante a investigação, com base nas conversas interceptadas entre arguidos do processo ou entre arguidos e outras pessoas e também com base nas conversas interceptadas entre Armando Vara e José Sócrates.
Ao contrário do que parece inferir-se das palavras do Procurador Geral, as certidões extraídas por aqueles magistrados e remetidas ao Procurador Geral para investigação não teriam apenas por base as escutas entre Vara e Sócrates, mas todos os demais indícios recolhidos durante a investigação.
O Procurador Geral tem-se referido sempre às escutas entre Vara e Sócrates para defender a tese de que com base nelas não deveria haver lugar a qualquer investigação, primeiro porque não indiciam qualquer crime e depois porque foram declaradas nulas.
O argumento apresentado por esta ordem – e é esta a ordem que consta do seu despacho – é juridicamente incompreensível. Porque, pondo-se a questão da validade das escutas, a primeira coisa sobre que tem de se decidir é se elas são válidas ou não. Se não forem, já não haverá lugar a qualquer juízo sobre a hipotética existência de indícios decorrentes dessas escutas.
E aqui começa o erro, mesmo para quem entenda que a questão da validade das escutas constitui um problema que não pode ser iludido. Mas há mais: é que há outros indícios, além dos revelados por estas escutas, como se demonstra pela documentação que o Sol publicou na sexta-feira passada. E quanto a estes indícios o Procurador não pode dizer, ou deixar subentendido como deixou nas declarações de hoje, que isso é da competência do Juiz de Aveiro. Não é. Nem o Juiz de Aveiro nem o Procurador de Aveiro têm competência para iniciar e superintender numa investigação que tenha por investigado o Primeiro Ministro, que, como aqui já se explicou várias vezes, goza de foro especial.
Portanto, o que os documentos publicados na última sexta-feira trouxeram de novo foi a certeza de que há outros indícios da prática daquele crime, além dos que resultavam (segundo a opinião dos magistrados de Aveiro) das escutas das conversas entre Vara e Sócrates. Só que esta investigação não pode ser iniciada pelos magistrados de Aveiro. Os crimes praticados pelo Primeiro Ministro no exercício de funções são julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça e a instrução do respectivo processo cabe a um juiz da Secção Criminal daquele Tribunal.
Tendo por base estes factos, a argumentação do PGR, segundo a qual as decisões das entidades superiores prevalecem sobre as das inferiores, perde todo o sentido. Por duas razões muito simples: primeiro, porque o PGR não esclarece sem margem para dúvidas se a sua decisão versa sobre todos os indícios ou apenas sobre os indícios decorrentes das conversas interceptadas entre Vara e Sócrates; e depois, porque nos casos a que o PGR se refere como exemplo paradigmático do argumento invocado (“na minha vida fartei-me de ver as minhas decisões alteradas pelos tribunais superiores e também frequentemente alterei as decisões dos tribunais inferiores”) as pessoas têm acesso a ambas as decisões e aos factos que as justificam; dito de outro modo: têm acesso ao processo e às sentenças proferidas por cada instância e podem a partir daí fazer o seu juízo. Podem juridicamente concordar ou não, mas os factos estão lá, podem ser consultados pelos interessados.
No caso em discussão não se passa nada disso: a gente apenas conhece os despachos de Aveiro e os despachos do PGR, mas não conhece os factos que levaram o PGR a proferir um despacho diametralmente oposto aos proferidos pelos magistrados de Aveiro. E como agora se conhecem outros factos, igualmente indiciários, a que o PGR não deu qualquer relevância, fica a dúvida se o juízo sobre a irrelevância daqueles indícios não teria sido precipitado.
E é partir destas considerações que com toda a propriedade se poderá dizer que a argumentação jurídica que tem sido desenvolvida por Sócrates, pelo Ministro da Justiça, por alguns deputados do PS e pelo PGR, além de não resolver toda a questão jurídica, deixa sem resposta a questão política que as decisões jurídicas (e os factos conhecidos) inequivocamente levantam. E contra isto de nada valem os argumentos de separação de poderes. Respondendo esquematicamente a esta última questão, que, pela sua complexidade político-filosófica, exigiria outros desenvolvimentos, sempre se dirá que, para além dos eventuais mecanismos jurídicos que a lei consagre para atender a situações deste tipo, quando as decisões de entidades situadas na mais alta hierarquia das magistraturas levantarem dúvidas muito fundadas sobre a sua verdadeira natureza, será legítimo esclarecer essas dúvidas mediante recurso ao órgão que tem a legitimidade política primária de velar pela salvaguarda do Estado de Direito.
Depois da publicação na sexta-feira passada pelo semanário Sol dos despachos do Procurador de Aveiro e do Juiz de investigação criminal, bem como de extractos de conversas entre arguidos do processo “Face Oculta”, ficou a saber-se, sem qualquer margem para dúvida, de que os magistrados que têm a seu cargo aquele processo consideraram que havia indícios da prática do crime de atentado contra o Estado de Direito, nomeadamente contra os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.
A esta conclusão chegaram aqueles dois magistrados com base nos documentos apreendidos durante a investigação, com base nas conversas interceptadas entre arguidos do processo ou entre arguidos e outras pessoas e também com base nas conversas interceptadas entre Armando Vara e José Sócrates.
Ao contrário do que parece inferir-se das palavras do Procurador Geral, as certidões extraídas por aqueles magistrados e remetidas ao Procurador Geral para investigação não teriam apenas por base as escutas entre Vara e Sócrates, mas todos os demais indícios recolhidos durante a investigação.
O Procurador Geral tem-se referido sempre às escutas entre Vara e Sócrates para defender a tese de que com base nelas não deveria haver lugar a qualquer investigação, primeiro porque não indiciam qualquer crime e depois porque foram declaradas nulas.
O argumento apresentado por esta ordem – e é esta a ordem que consta do seu despacho – é juridicamente incompreensível. Porque, pondo-se a questão da validade das escutas, a primeira coisa sobre que tem de se decidir é se elas são válidas ou não. Se não forem, já não haverá lugar a qualquer juízo sobre a hipotética existência de indícios decorrentes dessas escutas.
E aqui começa o erro, mesmo para quem entenda que a questão da validade das escutas constitui um problema que não pode ser iludido. Mas há mais: é que há outros indícios, além dos revelados por estas escutas, como se demonstra pela documentação que o Sol publicou na sexta-feira passada. E quanto a estes indícios o Procurador não pode dizer, ou deixar subentendido como deixou nas declarações de hoje, que isso é da competência do Juiz de Aveiro. Não é. Nem o Juiz de Aveiro nem o Procurador de Aveiro têm competência para iniciar e superintender numa investigação que tenha por investigado o Primeiro Ministro, que, como aqui já se explicou várias vezes, goza de foro especial.
Portanto, o que os documentos publicados na última sexta-feira trouxeram de novo foi a certeza de que há outros indícios da prática daquele crime, além dos que resultavam (segundo a opinião dos magistrados de Aveiro) das escutas das conversas entre Vara e Sócrates. Só que esta investigação não pode ser iniciada pelos magistrados de Aveiro. Os crimes praticados pelo Primeiro Ministro no exercício de funções são julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça e a instrução do respectivo processo cabe a um juiz da Secção Criminal daquele Tribunal.
Tendo por base estes factos, a argumentação do PGR, segundo a qual as decisões das entidades superiores prevalecem sobre as das inferiores, perde todo o sentido. Por duas razões muito simples: primeiro, porque o PGR não esclarece sem margem para dúvidas se a sua decisão versa sobre todos os indícios ou apenas sobre os indícios decorrentes das conversas interceptadas entre Vara e Sócrates; e depois, porque nos casos a que o PGR se refere como exemplo paradigmático do argumento invocado (“na minha vida fartei-me de ver as minhas decisões alteradas pelos tribunais superiores e também frequentemente alterei as decisões dos tribunais inferiores”) as pessoas têm acesso a ambas as decisões e aos factos que as justificam; dito de outro modo: têm acesso ao processo e às sentenças proferidas por cada instância e podem a partir daí fazer o seu juízo. Podem juridicamente concordar ou não, mas os factos estão lá, podem ser consultados pelos interessados.
No caso em discussão não se passa nada disso: a gente apenas conhece os despachos de Aveiro e os despachos do PGR, mas não conhece os factos que levaram o PGR a proferir um despacho diametralmente oposto aos proferidos pelos magistrados de Aveiro. E como agora se conhecem outros factos, igualmente indiciários, a que o PGR não deu qualquer relevância, fica a dúvida se o juízo sobre a irrelevância daqueles indícios não teria sido precipitado.
E é partir destas considerações que com toda a propriedade se poderá dizer que a argumentação jurídica que tem sido desenvolvida por Sócrates, pelo Ministro da Justiça, por alguns deputados do PS e pelo PGR, além de não resolver toda a questão jurídica, deixa sem resposta a questão política que as decisões jurídicas (e os factos conhecidos) inequivocamente levantam. E contra isto de nada valem os argumentos de separação de poderes. Respondendo esquematicamente a esta última questão, que, pela sua complexidade político-filosófica, exigiria outros desenvolvimentos, sempre se dirá que, para além dos eventuais mecanismos jurídicos que a lei consagre para atender a situações deste tipo, quando as decisões de entidades situadas na mais alta hierarquia das magistraturas levantarem dúvidas muito fundadas sobre a sua verdadeira natureza, será legítimo esclarecer essas dúvidas mediante recurso ao órgão que tem a legitimidade política primária de velar pela salvaguarda do Estado de Direito.
Branco é galinha o põe, mas sublinho uma questão que o CP coloca:
ResponderEliminarMesmo dando de barato que as escutas das conversas entre o Sócrates e o Vara, já apreciadas pelo PGR e pelo Presidente do STJ, eram nulas e/ou não indiciavam a prática de qualquer crime, a verdade é que aquilo que o SOL publicou nunca foi objecto de qualquer juizo de valor por parte de nemhuma autoridade judiciária.
São, portanto, NOVOS indícios que, atenta a sua gravidade, exigem que o PGR instaure processo-crime (inquérito) contra o Sócrates que, como o CP diz, corre termos no STJ.