quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

UMA DECISÃO INCOMPREENSÍVEL




AINDA A QUESTÃO DOS DESPACHOS DO PGR E PSTJ

Desde a primeira hora que venho aqui pugnando pela publicação dos despachos proferidos pelo PGR e pelo PSTJ sobre as escutas que acidentalmente envolveram o Primeiro Ministro e a propósito das quais foram extraídas certidões por os magistrados encarregados de dirigir a investigação do processo “Face Oculta” por, mal ou bem, terem detectado nelas indícios de crime.
Nunca aqui se disse que os portugueses tinham o direito de conhecer as escutas, embora se tenha dito que o PM, no seu próprio interesse, deveria ter-se disponibilizado para as tornar públicas ou para não levantar obstáculos à sua publicidade. Se o interesse que se pretende proteger é apenas o seu, enquanto cidadão, e o do seu interlocutor, igualmente como cidadão, parecia não haver qualquer obstáculo jurídico à publicidade das ditas, se aquele consentimento fosse dado por ambos.
Já sabemos que não foi. Sabemos que o PM não quer que as suas conversas sejam jornadas públicas, não por envolverem segredos de Estado, o que seria legítimo e independente da sua vontade, mas, pura e simplesmente, por serem privadas e como tal deverem continuar. À frente, pois!
Agora, o que não pode haver é justificação para as decisões judiciais que ordenaram o arquivamento de uma investigação ou que decidiram que ela não deveria ser feita não serem tornadas públicas. Não estudei o assunto juridicamente e desde já admito que pode haver alguma coisa que me esteja a escapar. Mas o que eu posso garantir, sem qualquer receio de errar, é que as justificações apresentadas pelo PGR para não dar a conhecer os seus despachos são infundadas.
Há alguma sentença, algum despacho, enfim, alguma decisão definitiva, seja ela de que natureza for, susceptível de produzir efeitos sem ser publicitada, nomeadamente nos casos em que é do interesse geral o seu conhecimento? Mais do que isso: a publicidade das decisões não tem apenas a ver com a sua eficácia, mas com a própria credibilidade da justiça. O que aconteceria, por exemplo, se as sentenças, mesmo que somente as proferidas em última instância, não pudessem ser conhecidas nos seus fundamentos e nas razões de facto e de direito que as justificam, e delas apenas se conhecesse por comunicação oral a decisão propriamente dita? Alguém acreditaria numa justiça destas? Algum Estado de direito seria compaginável com uma situação desta natureza?
Apenas certas decisões políticas (actos políticos, no sentido jurídico do termo) poderão não ser tornadas públicas, com base na famosa (e não menos odiosa) razão de Estado. Mas não é nada disso que aqui se passa, como muito bem se sabe. Aliás, os magistrados não praticam actos políticos, estejam ou não no exercício da função jurisdicional, mas apenas jurisdicionais ou, em certos casos, administrativos, se não actuarem no desempenho daquela função.
Portanto, a argumentação do PGR – de que os despachos contêm extractos das conversas interceptadas - não tem fundamento, porque muito mais grave é ou pode ser , para as pessoas envolvidas nos respectivos processos, o relato dos factos constantes das sentenças que os decidem, sejam elas absolutórias ou condenatórias, e nem por isso elas deixam de ser publicadas.
Apenas lamento que esta exigência, que aqui começamos por fazer, antes que alguém tenha falado nela, esteja agora a ser uma bandeira da direita.

11 comentários:

  1. Até me convencerem do contrário continuo na minha: os despachos do PGR não foram proferidos em nenhum processo-crime(inquérito), uma vez que entendeu nem sequer o dever abrir, mas sim num procedimento meramente aministrativo.
    Portanto, não estão abrangidos pelo segredo de justiça.
    VM

    ResponderEliminar
  2. Parece-me que o mais grave é a cada vez maior verosimilidade de o PGR ter mentido, pelo menos por omissão. Afinal, nada do que tem vindo a lume recentemente, e que é de grande gravidade política mesmo que porventura não jurídica, provém de escutas de conversas em que o PM participou. São conversas de figuras não protegidas pela tal competência exclusiva do PSTJ.

    ResponderEliminar
  3. Saiu-me calinada gramatical: verosimilhança, é claro

    ResponderEliminar
  4. VM será Vital Moreira, obviamente teu grande companheiro no grupo coimbrão de serviço cortesão ao engenheiro que nunca passou pelos Gerais? :-)

    ResponderEliminar
  5. E eu, que tinha um nome tão insinuinte, tenho agora que me sujeitar a coisas destas...

    Seja como for, não mudo. Aliás, mudar por mudar que mude ele, que já está habituado.
    VM

    ResponderEliminar
  6. Aos meus Amigos JVC E VM

    Começando pelo JVC: no terceiro comentário falta uma vírgula; de outro modo, também fico lá metido;
    Ao VM: grande ironia, como sempre, de primeira classe; ou não tenhas a grande escola das Repúblicas...
    Abraço a ambos
    CP

    ResponderEliminar
  7. E só agora me lembro: o JVC e o VM foram caloiros no mesmo ano; só não tenho é a certeza de o JVC ter sido dos "Corsários", embora certamente os tenha frequentado...A República do VM era outra, ficava cá mais para baixo, do outro lado da Av. Sá da Bandeira...
    CP

    ResponderEliminar
  8. Fomos caloiros no mesmo ano? Confesso que não me lembro dele nos Corsários. Ou será que está mais velho?

    Obrigado por teres respeitado a intimidade da minha vida privada.Como não tenho tanto pudor como o Primeiro Ministro, aqui fica o que guardaste para ti: Palácio da Loucura.

    Abraço
    VM

    ResponderEliminar
  9. Sem desprimor para a sagacidade do editor e da sua visível preocupação de rigor, algumas das suas observações enfermam de uma surpreendente falta dele.
    Na verdade, é de cabo de esquadra - ou inferior - a sua asserção de que o despacho do PGR (e, parece, o do PSTJ) deve ser tornado público por não estar coberto pelo segredo de justiça! O processo de inquérito é por definição um procedimento administrativo, sim, mas da competência do Ministério Público e que se objectiva na colheita de documentos e nas apreciações interlocutórias ou finais, emitidas por quem tenha legitimidade para tanto, sobre a sua suficiência indiciária de ilícitos criminais e, assim, justificar a instauração do procedimento criminal propriamente dito, por passar então a correr em tribunal criminal e se subordinar inteiramente ao julgamento de quem for arguido dos crimes indiciados. A intervenção do Juiz de Instrução é avulsa e obrigatória sempre que a investigação do MP e dos órgãos de policia criminal que o coadjuvam colida com as garantias fundamentais dos cidadãos definidas na CRP e na lei processual penal.
    Se o PGR examina material de escutas e desacompanha o Procurador no juízo perfunctório da probabilidade de envolvimento do PM na prática de actos redutíveis à autoria de um dado crime, teve de dar corpo às suas próprias considerações desqualificantes ou desincriminantes, fundamentando-as. Não vejo como possa ter-se desincumbido desse dever, que tão bem conhece pela qualidade de distinto Juiz Conselheiro que não perdeu, sem explicar como (des)qualifica a materialidade crítica, explicitando-a ou reenviando para o despacho que lhe submeteu a questão na óptica da competência própria para a direcção do inquérito de foro exclusivo. Logo aqui se vê o dislate de pretender a sua publicação. Mas o editor erra também quando pretende encontrar no acto do PGR uma nota de "caso julgado" que faria cessar a ratio do segredo! Surpreendente lapso este em quem maneja com tanta destreza o florete dos conceitos de direito, só mesmo de levar à conta de apreciável "oxidação". Mesmo irrecorrível a decisão do PGR foi de mera abstenção, por natureza cingida ao material indiciário sobre que assenta; ora daqui decorre com meridiana evidência que se ulteriores investigações da competência do Procurador de Aveiro fornecerem outro material que force o PGR a rever a sua posição, este não está inibido de o fazer pelo despacho em que antes se absteve.
    Isto mesmo põe a claro algo que os juristas deviam saber muito bem: é que o inquérito é uno até que se verifiquem factores de diferenciação e que todo ele está sujeito ao mesmo regime legal.

    ResponderEliminar
  10. Não sei se o último comentário é dirigido ao autor do blogue, ao comentador VM, ou a ambos.
    Agradeço muito o comentário e também o diagnóstico (ou, quem sabe, a sentença) de "apreciável oxidação" do autor do blogue ou de VM ou de ambos, fundamentado com os anti-oxidantes possíveis do comentador(ou sentenciador), mas, infelizmente, nenhum dos argumentos anti-oxidantes aduzidos pelo autor do comentário responde à questão fundamental colocada no texto.
    E, assim, a jurisprudência não se prestigia...
    JMCPinto

    ResponderEliminar
  11. O comentário de Jos parece partir dum pressuposto que, a crer no que se conhece, estará errado: o de que o PGR arquivou com os fundamentos que conhecemos, no despacho final, um processo de INQUÉRITO que visaria o PM.

    De facto, o que se tem escrito (e foi dito pelo próprio PGR) é que o Trib. Criminal de Aveiro lhe enviou certidões por entender que se indiciaria a prática de um crime pelo Primeiro Ministro.
    Esse juizo de valor do Trib. Criminal de Aveiro não "converte" a certidão ou certidões que extraiu e remeteu ao PGR em processo de inquérito, que aliás esse Tribunal não tinha, no caso concreto, competência para instaurar.

    Uma vez analisadas as certidões, o PGR entendeu que NÃO HAVIA SEQUER RAZÃO PARA ABRIR PROCESSO DE INQUÉRITO e ordenou o arquivamento das certidões.

    A ser assim, continuo na minha: o processo/dossier/conjunto de papeis e escutas que está na Procuradoria Geral da República é um procedimento MERAMENTE administrativo e não um processo de inquérito, tal como o define e regulamenta o Cód. Proc. Penal.
    VM

    ResponderEliminar