RESPOSTA AO ARTIGO DE COSTA ANDRADE
Não tenho qualquer pretensão de ensinar direito ao Doutor Costa Andrade, nem de nada me valeria essa pretensão baseada na minha simples convicção. Mas posso ter pretensão de demonstrar como a paixão clubista, porventura mais do que qualquer outra, pode distorcer a compreensão razoável das normas e perturbar a sua aplicação ao caso concreto.
Apenas a título de exemplo vou referir um episódio passado há oito dias num programa desportivo. Nesse programa estava presente como convidado Marcelo Rebelo de Sousa. Só por isso, ao fazer zapping, resolvi ficar. Marcelo Rebelo de Sousa diz que é do Braga. De quem Marcelo gosta, a gente suspeita, e de quem Marcelo não gosta, a gente sabe. E sabe-se também que o Braga está para Marcelo como o Belenenses para certos árbitros, ou, noutros tempos, a Académica para os que não queriam dar a conhecer as suas preferências clubistas.
Pois bem, a determinada altura, o programa pôs no ar uma intervenção do Presidente da Comissão Disciplinar da Liga, muita clara e insusceptível de duas interpretações. Pois nem cinco minutos bastaram para que Marcelo tivesse “deturpado” completamente aquilo que o “pobre homem” tinha dito.
Marcelo faz comentário político todas as semanas na televisão. Nunca ninguém o ouviu fazer semelhante coisa e não certamente apenas por ter dos seus ouvintes dominicais uma opinião bem mais favorável do que a que tem dos ouvintes do futebol. Não será apenas por isso, antes muito mais por a política lhe não despertar as mesmas paixões e a encarar ludicamente com um misto de perversidade e divertimento.
Pois bem, Costa Andrade também não é no Direito como hoje foi no futebol. Ele pega nas palavras (pouco sensatas) do Presidente da Comissão Disciplinar da Liga e com o princípio da proporcionalidade na mão vesgasteia-o até mais não poder. Depois chama causticamente a filosofia em seu auxílio para ridicularizar a qualificação dos seguranças privados como “agentes” fazendo tábua rasa do que diz a lei, ungido desse poder de que certos juristas se reclamam de dizer o que é direito independentemente do que digam as normas. Situação infelizmente muito corrente em democracia…mas pouco praticada em ditadura.
Costa Andrade não cita nem transcreve a norma que está na base de toda a polémica. Elabora sobre ela, ironiza, diz a quem, em seu entender, ela se aplica. Todavia, a norma existe. E é muito clara.
A Liga Portuguesa de Futebol tem um regulamento disciplinar. E como é hábito nestas coisas de disciplina o regulamento começa por definir o âmbito de certos conceitos nele usados, a saber: Comissão Disciplinar; Clubes; Dirigentes e Agentes.
E quanto aos agentes diz: “Os dirigentes e funcionários dos clubes, jogadores, treinadores, auxiliares-técnicos, árbitros e árbitros assistentes, observadores dos árbitros e delegados da Liga, médicos, massagistas e, em geral, todos os sujeitos que participem nas competições profissionais organizadas pela Liga ou que desenvolvam actividade, desempenhem funções ou exerçam cargos no âmbito dessas competições”.
E o problema que se põe é o de saber se os seguranças privados que os clubes têm ao seu serviço nos estádios são ou não, para efeitos do regulamento, considerados “agentes”. Se os seguranças fossem funcionários dos clubes, se os clubes tivessem o seu próprio corpo de seguranças, não haveria a menor dúvida de que seriam agentes nos termos da alínea d) do artigo 1.º do RDL.
E sendo, como são, empregados de uma empresa de segurança contratada pelo clube para o desempenho de funções no âmbito do seu objecto funcional, deixarão de o ser? Obviamente que não. Agentes são, nos termos do regulamento, “todos os sujeitos (…) que desenvolvam actividade ou desempenhem funções (…) no âmbito dessas competições”.
Por outro lado, os clubes são obrigados a manter a segurança nas instalações desportivas, sob pena de sanções disciplinares graves, de modo a dissuadir a ocorrência de incidentes relacionados com as competições que se realizam no seu âmbito.
Dizer que os “seguranças privados não integram o universo daqueles que contribuem para a densidade agónica própria da competição desportiva no contexto da sociedade moderna” e identificar o agente com “o interveniente no jogo” que “ mantém uma relação dinâmica de interacção, física ou simbólica, de cumplicidade ou de conflitualidade, com os outros significantes do jogo”, pode ser literariamente muito bonito (e é) mas não tem rigorosamente nada a ver com o que estamos a falar. E se tivéssemos que sublinhar o elemento agonístico como elemento determinante da qualificação de agente teríamos com toda a propriedade de aplicar o conceito ao público que, emocionalmente, às vezes até se envolve muito mais no jogo do que os próprios jogadores.
Portanto, o objectivo da lei nada tem a ver com as considerações, literariamente sedutoras do Doutor Costa Andrade, mas juridicamente irrelevantes.
E depois, a proporcionalidade, princípio com o qual Costa Andrade tanto esgrime, não é o único princípio relevante em direito disciplinar. A desproporcionalidade no plano da norma – já que é disso que se trata e não da sua aplicação - afere-se fundamentalmente pela coerência do sistema em que se integra e não por valorações ad hoc com base em juízos pessoais do aplicador do direito.
O RDL protege em primeira linha os árbitros, as entidades a eles ligadas e os demais agentes – o tal pessoal que não participa directamente na competição, nem desempenha uma função agonística - e somente depois trata dos jogadores, tanto nas relações destes com agentes acima referidos, como nas relações dos jogadores entre si. E é muito claro para quem lê e compreende o RDL que, no seu juízo e valoração, as infracções praticadas entre jogadores decorrentes de confrontos físicos – salvo quando delas resultar lesão de um jogador intencionalmente provocada, caso em que a suspensão, até ao prazo máximo de um ano, será pelo tempo correspondente à retoma da actividade pelo jogador lesionado – são punidas com sanções menos graves. E muito justamente. Aliás, como Costa Andrade muito bem sabe nem sequer na maior parte dos casos haverá, nestas situações, ilícito penal, contrariamente ao que acontece com os outros.
Finalmente, não parece que o RDL seja inconstitucional, no essencial da sua regulamentação punitiva. De qualquer modo, nunca seria ao Presidente da Comissão Disciplinar que competiria decidir da desaplicação das normas que Costa Andrade quase qualifica de inconstitucionais. O Presidente da Comissão cumpriu com imparcialidade, coerência, justiça e bom senso o seu dever.
E o problema que se põe é o de saber se os seguranças privados que os clubes têm ao seu serviço nos estádios são ou não, para efeitos do regulamento, considerados “agentes”. Se os seguranças fossem funcionários dos clubes, se os clubes tivessem o seu próprio corpo de seguranças, não haveria a menor dúvida de que seriam agentes nos termos da alínea d) do artigo 1.º do RDL.
E sendo, como são, empregados de uma empresa de segurança contratada pelo clube para o desempenho de funções no âmbito do seu objecto funcional, deixarão de o ser? Obviamente que não. Agentes são, nos termos do regulamento, “todos os sujeitos (…) que desenvolvam actividade ou desempenhem funções (…) no âmbito dessas competições”.
Por outro lado, os clubes são obrigados a manter a segurança nas instalações desportivas, sob pena de sanções disciplinares graves, de modo a dissuadir a ocorrência de incidentes relacionados com as competições que se realizam no seu âmbito.
Dizer que os “seguranças privados não integram o universo daqueles que contribuem para a densidade agónica própria da competição desportiva no contexto da sociedade moderna” e identificar o agente com “o interveniente no jogo” que “ mantém uma relação dinâmica de interacção, física ou simbólica, de cumplicidade ou de conflitualidade, com os outros significantes do jogo”, pode ser literariamente muito bonito (e é) mas não tem rigorosamente nada a ver com o que estamos a falar. E se tivéssemos que sublinhar o elemento agonístico como elemento determinante da qualificação de agente teríamos com toda a propriedade de aplicar o conceito ao público que, emocionalmente, às vezes até se envolve muito mais no jogo do que os próprios jogadores.
Portanto, o objectivo da lei nada tem a ver com as considerações, literariamente sedutoras do Doutor Costa Andrade, mas juridicamente irrelevantes.
E depois, a proporcionalidade, princípio com o qual Costa Andrade tanto esgrime, não é o único princípio relevante em direito disciplinar. A desproporcionalidade no plano da norma – já que é disso que se trata e não da sua aplicação - afere-se fundamentalmente pela coerência do sistema em que se integra e não por valorações ad hoc com base em juízos pessoais do aplicador do direito.
O RDL protege em primeira linha os árbitros, as entidades a eles ligadas e os demais agentes – o tal pessoal que não participa directamente na competição, nem desempenha uma função agonística - e somente depois trata dos jogadores, tanto nas relações destes com agentes acima referidos, como nas relações dos jogadores entre si. E é muito claro para quem lê e compreende o RDL que, no seu juízo e valoração, as infracções praticadas entre jogadores decorrentes de confrontos físicos – salvo quando delas resultar lesão de um jogador intencionalmente provocada, caso em que a suspensão, até ao prazo máximo de um ano, será pelo tempo correspondente à retoma da actividade pelo jogador lesionado – são punidas com sanções menos graves. E muito justamente. Aliás, como Costa Andrade muito bem sabe nem sequer na maior parte dos casos haverá, nestas situações, ilícito penal, contrariamente ao que acontece com os outros.
Finalmente, não parece que o RDL seja inconstitucional, no essencial da sua regulamentação punitiva. De qualquer modo, nunca seria ao Presidente da Comissão Disciplinar que competiria decidir da desaplicação das normas que Costa Andrade quase qualifica de inconstitucionais. O Presidente da Comissão cumpriu com imparcialidade, coerência, justiça e bom senso o seu dever.
Ora aqui temos CP nas suas sete quintas. Entre dois amores: o direito e o futebol...
ResponderEliminarVM
Subscrevo integralmente o que escreve o VM do 'Palácio da Loucura' (é que há mais do que um).
ResponderEliminarEu, obnubilado pelo meu portismo, digo ao Amigo CP que ele, obnubilado pelo seu benfiquismo, não consegue, vislumbrar que um corpo de segurança privada (mesmo integrando uma empresa), contratado pela equipa da casa, com pessoa ligada contratualmente a esse clube (trabalhador no centro de estágio do Seixal)não tem a independência nem a neutralidade, nem imparcialidade, atributos indispensáveis para serem exercidas funções de polícia.
Se era necessário proteger a ordem pública, tal deveria competir à PSP.Aliás, se o árbitro, por ex., tiver um problema dessa índole, não vai chamar o chefe dos'guarda-costas' particulares.Os chamados 'stewards' estão nos estádios para controlar as claques ... No túnel da Antas nunca ninguém se lembrou de considerar o 'guarda Abel' (fora das horas de serviço) como agente do jogo ...
Quando o jovem decisor (vaidoso) RC, ao aplicar a lei (tão displicentemente interpretada, sem abordar esta questão de fundo) a considera despropoprcionada na sanção, pode, na qualidade de decisor (função quase jurisdicional) invocar a inconstitucionalidade concreta. (Ou será que disse uma barbaridade ?).
Nâo gostaria de voltar ao tema da FUTEBOLTEIA ('p'ra este peditório já dei', como canta o J.M. BRANCO).
Esta questão de 'lana caprina' não deveria vir turvar os assuntos seriíssimos abordados na POLITEIA.
Um abraço.