GENTE QUE PENSA E QUE ESTIMULA A CRÍTICA
Os Prós e Contras de hoje marcaram um ponto relativamente a tudo o que tem sido feito na TV em matéria de discussão política. Quando a profundidade de análise atinge níveis semelhantes ao que hoje tiveram lugar, toda a discussão adquire um sentido completamente diferente daquele a que os telespectadores estão habituados.
Um dos aspectos que neste blogue tem sido recorrentemente invocado, sob vários nomes, a propósito de diversas análises, é ausência de alternativa à presente situação na consciência das pessoas. É que não basta que essa alternativa teoricamente exista. Ela só será verdadeiramente uma alternativa se cada um de nós, se cada pessoa, a interiorizar e, consequentemente, acreditar que ela é possível e viável. Isso deixou de existir há cerca de trinta anos e é esta falta que verdadeiramente está na origem do “terrorismo economicista” dos nossos dias. É esta falta que leva José Gil a afirmar que a política deixou de existir. Um pouco no mesmo sentido, aprofundando a natureza da actual crise financeira, pronunciou-se Eduardo Lourenço.
Do outro lado, igualmente com base num pensamento estruturado, três teses: a de Pires de Lima, que, embora sob roupagens diferentes das habituais, é uma tese tipicamente neoliberal. Ou seja, deixamos de ser competitivos, porque há quem produza a custos muito mais baixos, isso trouxe um grande desenvolvimento do comércio mundial, uma nova distribuição da riqueza e o nascimento de novos actores políticos em consequência da acumulação de grande parte daquela riqueza se situar nos países emergentes. A Europa, em consequência destas profundas alterações, deixou de ter condições para manter e muito menos desenvolver o paradigma social que nela se radicou principalmente a partir da segunda guerra mundial.
Para Diogo Lucena a globalização é uma simples consequência do progresso tecnológico, não se passando nas relações entre a política e a economia nada de substancialmente diferente do que tem acontecido ao longo da história. Por outro lado, também não concorda que se fala em empobrecimento do Ocidente e de Portugal em especial, já que ao longo destas duas, três últimas décadas, tem havido um gradual e significativo enriquecimento, embora mais moderado nos últimos anos, sem, contudo, deixar de ser enriquecimento.
Finalmente, Miguel Morgado defendeu uma tese que manifestamente não pôde ou não quis levar às suas naturais consequências, mas que eu tenderia a interpretar, tendo em conta o seu livro a “A aristocracia e os seus críticos”, editado pela Almedina, do modo que a seguir vou expor.
Morgado nega que haja qualquer crise ligada ao neoliberalismo ou que o neoliberalismo tenha tido por consequência o apagamento do Estado que os seus críticos por todo o lado vão propagandeando. Pelo contrário, afirma que os Estados nunca gastaram tanto em despesas sociais como agora e nunca tiveram tanta intervenção em todos os domínios da sociedade como actualmente. Para ele o que há de diferente relativamente a qualquer outra época histórica é a crise económica, qualquer crise económica, ter consequências estritamente ligadas ao tipo de regime político dominante nas sociedades ocidentais. Segundo Morgado, a democracia moderna tem três fontes de legitimação: o voto, o respeito pelos direitos humanos, e a constante promessa/expectativa de um nível de vida melhor ligado ao crescimento económico. Fica subentendido que a democracia, por força deste último factor de legitimação, potencia os efeitos da crise a ponto de poderem atingir uma natureza dramática. O problema do Ocidente anda assim, segundo Morgado, intimamente associado a um regime político que se tornou um problema a partir do momento em que se perdeu hegemonia económica.
Das três teses acima enunciadas esta é certamente a que merece um olhar mais atento. Embora os pressupostos fácticos de que Morgado parta não sejam completamente verdadeiros (como a afirmação de que historicamente as crises económicas não tinham consequências políticas) ou alguns deles estejam “literalmente” interpretados, sem entrar em consideração com dados sociológicos e políticos de relevante importância para a sua compreensão (como, por exemplo, acontece com a afirmação de que o Estado tem hoje mais despesas sociais) ou ainda por desatenderem a aspectos importantíssimos das modernas sociedades capitalistas, como as profundas desigualdades sociais geradas nos últimos trinta anos, não deixa de haver algo de inquietante na afirmação de que os efeitos da crise estão associados ou, mais do que isso, são potenciados pela natureza do regime político em que vivemos.
José Gil assumindo a gravidade da questão falou no conflito entre o conceito de democracia como “técnica de governação” e conceito de democracia “como princípio constitucional”. Desenvolvendo esta ideia, que Gil não teve oportunidade de esclarecer pelos naturais constrangimentos que o discurso oral improvisado sempre impõe ao filósofo, eu tenderia a dizer que a democracia no sentido em que ela é hoje vulgarmente entendida – e a que Gil chamou “técnica de governação” – mantém o “teoricamente soberano” sempre do lado de fora da decisão e, portanto, tende sempre a ser uma forma diminuída de gestão da coisa pública, da res publica.
Tal como os clássicos, talvez mais a partir de Roma do que propriamente de Atenas, tenderam a ver no “governo misto” a forma ideal de governo, e Montesquieu no “governo moderado”, mediante a presença permanente de uma divisão horizontal de poderes (que nada tem a ver com a divisão vertical de poderes, hoje consagrada nas constituições “democráticas” de todo o mundo), talvez também agora um passo no sentido da superação das crises esteja uma vez mais na política e não na economia. Por isso, eu também me inscrevo no número daqueles que acreditam que a superação do actual conceito de democracia poderia traduzir-se num salto civilizacional importante…não certamente no sentido de Miguel Morgado… ou este blogue se não chamasse Politeia!
Permita-me manifestar-lhe a mais viva concordância com a sua análise, que em geral muito aprecio.
ResponderEliminarjlsc