UM TRISTE EXEMPLO DA POLÍTICA PORTUGUESA
É difícil falar sobre as SCUTS sem simultaneamente referir a profunda desorientação dos partidos do Bloco Central. Já lá iremos. Antes disso convém recordar o que são as SCUTS.
SCUTS são um triste exemplo do que é a política portuguesa e da irresponsabilidade com que se governa em Portugal. Mais: da impunidade que acompanha essa irresponsabilidade.
As SCUTS foram apresentadas pelo autor da ideia como auto-estradas sem custo para o utilizador. A ideia foi “vendida” assim: com capital privado o Estado abrirá várias auto-estradas sem portagem nas zonas menos desenvolvidas do país. O pagamento de estas infra-estruturas far-se-á com o rendimento que elas próprias vão gerar.
Curiosamente, aqueles que vinte anos antes tinham sido os mais expeditos a nacionalizar, eram os mesmos que em fins dos anos noventa apareciam com a receita mágica para a construção de auto-estradas sem custos para o utilizador, nem para o erário público. Tudo assentava numa espécie de benemerência do capital privado ao serviço do desenvolvimento do país. No fundo, era o acto de contrição das nacionalizações de setenta. Nacionalizar para quê, se se pode alcançar o mesmo resultado mantendo intacto o capital privado?
Veio a saber-se alguns anos mais tarde que isto não passava de uma rematada intrujice. O Estado pagava e com “língua de palmo” essas infra-estruturas, que lhe ficavam aliás muitíssimo mais caras do que as que ele construía por conta própria. O Estado, além de assumir todos os riscos pela construção e financiamento da obra, garantia o capital investido e pagava principescamente a utilização dessas auto-estradas. Mais: à medida que os anos iam passando, os encargos iam aumentando cada vez mais. A ponto de se terem tornado insustentáveis.
Perante esta situação este mesmo Estado, governado pelo mesmo partido, em vez de renegociar soberanamente os contratos leoninos celebrados segundo o “padrão” da década de noventa, entendeu que a forma de se desonerar parcialmente (muito parcialmente, é bom que se saiba) daqueles encargos seria introduzir portagens em algumas SCUTS.
O princípio é desde logo discutível. Segundo esta solução, as tais auto-estradas sem custo para o utilizador passariam a ser pagas simultaneamente pelos contribuintes (todos os contribuintes) e por alguns utilizadores. Com base em distinções artificiais ou, até talvez seja melhor dizer, artificiosas – tão artificiosas como as que estão na origem da construção das SCUTS -, o Governo começou por escolher arbitrariamente as SCUTS em que se passaria a pagar portagens e aquelas em que não se pagaria… Mas não é tudo. Para além das justificações artificiosas, o Governo enredou-se numa outra trapalhada relativa ao modo de pagamento. E entretanto já foi gastando mais dinheiro em pretensas estruturas de controlo de circulação viária.
Em minoria no Parlamento, o Governo teve de ir ao encontro de uma proposta do PSD, que igualmente ninguém percebe. Porque, por um lado, parece assentar na ideia de que se pagará em todas as SCUTS e simultaneamente se dispensa de pagamento os residentes!
Se a proposta do Governo era tonta, própria de quem já perdeu a razão e de quem pura e simplesmente se dispensou de pensar, esta não o é menos. Que justificação pode existir para a isenção dos residentes? E qual o âmbito da isenção? O que é que isso significa? Trata-se de consagrar o princípio das “auto-estradas de proximidade”?
A proposta do PSD, que o PS parece aceitar com o mesmo estado de alma com que os náufragos aceitam qualquer socorro, não faz o menor sentido. Assenta numa discriminação insustentável por tratar o não residente como uma espécie de “estrangeiro” no sentido latino do termo.
Não há dúvida: esta gente perdeu completamente a razão. Todas estas soluções são inconstitucionais, se é que ainda existe Constituição.
A única solução aceitável que o governo poderia fazer passar era, como muitas vezes aqui foi sugerido, a de consagrar para todas as SCUTS sem excepções o princípio do utilizador pagador e simultaneamente manter a distinção entre as SCUTS e as auto-estradas com portagens, criando para as primeiras uma vinheta paga anualmente com direito a um número indeterminado de percursos. Para os estrangeiros ou para os utilizadores nacionais eventuais haveria vinhetas de um dia, de três dias e de uma semana, a preços diferentes.
É assim que se faz em muitos países da Europa.
Caro Doutor Correia Pinto,
ResponderEliminarjá sabe qual é a minha opinião acerca deste assunto.
Concordo com a avaliação que faz da proposta do PSD. É pior a emenda que o soneto. Discriminar os portugueses é inacreditável.
Post Scriptum:
ResponderEliminarSe o Terreiro do Paço / São Bento /Rato / São Caetano à Lapa (para mim, é tudo a mesma coisa) tivesse respeito pela Constituição, a questão das portagens nas SCUT nem se punha, pois não há verdadeiras alternativas a estas vias nas zonas onde elas passam.
Querem cortar nas despesas para cumprir os requisitos da UE, mas, em vez de cortar em despesas supérfluas do Estado (tais como as verbas gastas em pareceres cobradas pelos escritórios de advogados, salários e mordomias dos "boys") e fazer uma correcta avaliação do que tem de gastar por cada SCUT (em função do nº real de viaturas que passa em cada uma destas vias), vão cortar no que não devem, só para não afrontar os lobbies poderosos.
E eu que moro em Setúbal, tenho alternativa? Não, não tenho qualquer hipótese de ir para o trabalho sem pagar várias portagens. Esta questão foi gerida, desde o início, com um único objectivo, manter o rebanho no redil e, se possível atrair mais gado. O Cavaco quis fazer um agrado aos conterrâneos, depois, o Guterres não quis ficar atrás, depois, as geniais e milagrosas engenharias de Cravinho e Cia, tudo era possível, bastava para tanto dar vazão à infinita capacidade, criativa e criadora, da iniciativa privada (e que privada?, onde estava o risco?). E a tugada exultante do novo estatuto. Alguém quis saber do desprezo a que foi votada a via férrea? Não, isso não dá para mostrar os pópós, do IFADAP incluídos.
ResponderEliminarBom, a solução esboçada pelo autor do blog parece-me relativamente razoável.
Muito bem. Apenas faltou explicitar o nome do Sr. Eng.º João Cravinho, ilustre defensor do erário público de antanho...actualmente numa deriva pistoleira contra - veja-se lá..! - os que atentam contra a livre auto-determinação do Estado ao corromperem e se deixarem corromper...
ResponderEliminarJ. Cravinho provavelmente já poderia virar-se para algum "companheiro de estrada" de 68 e dizer-lhe: "Falhámos a vida, menino!"