SEU PROVÁVEL SIGNIFICADO
A imprensa em geral e a blogosfera, em grande número, saudaram o plano de austeridade alemão, anunciado no princípio desta semana por Ângela Merkel, como um acto de grande coragem, embora não seja fácil perceber onde está a coragem, quando a parte mais significativa das medidas incide, como sempre, sobre quem tem menos.
Mais importante do que adjectivar o plano de austeridade alemão, o que interessa é percebê-lo. E a essa tarefa, que se tenha tomado conhecimento, ainda ninguém se dedicou. Adiantam-se as explicações da praxe: a Alemanha está com um défice de 3,3%, admitindo-se que no fim do ano possa subir para 5,5% e a dívida pública em cerca de 72,2% do PIB. O plano tem, portanto, em vista pôr ordem nas contas públicas, diz-se!
Olhando à volta de imediato se percebe que há quem esteja muito pior. Mas não só. A Alemanha, além de ser o país que mais benefício tirou do euro, é também o único país que está a ganhar com a crise. Ganha quando o euro desce, como primeiro exportador europeu; ganha quando a crise da dívida aumenta dramaticamente o juro dos países mais débeis, porque os credores desses países são, em grande medida, os bancos alemães; mas ganha também porque nunca a Alemanha pagou tão pouco como agora para se financiar: há uma década os títulos de dívida, a dez anos, custavam 5% e há vinte, durante a reunificação, 10%. Agora, a Alemanha paga um pouco menos que 2,5%. Como este juro tem vindo a cair, o refinanciamento da dívida – aquele que se faz em cada ano - permite-lhe fazer poupanças bilionárias, ou seja, a dívida fica-lhe cada vez mais barata.
Como se sabe, as reformas introduzidas por Schröder e depois continuadas no governo de coligação baixaram consideravelmente a procura interna, embora tenham aumentado a competitividade da economia alemã, que passou a vender muito mais na Europa e a ter superavides correspondentes aos défices das economias dos países mais endividados.
Se a Alemanha já era a justo título acusada de ser a China da Europa, com as medidas de agora, que cortam no investimento e diminuem ainda mais a procura interna, mais o será, pois elas acabam por infligir um rude golpe na economia europeia no seu conjunto. De facto, todas as medidas agora anunciadas se reflectirão negativamente no crescimento e o emprego dos demais países europeus.
A Alemanha acaba, assim, dominando a Europa pela impositiva e pela negativa. Pela impositiva quando ordena aos demais as medidas que eles têm de tomar e pela negativa quando, actuando unilateralmente sobre a sua própria economia, produz resultados negativos em cadeia em todos os demais.
É claro que o excesso de liquidez existente na Alemanha e a sua própria actividade exportadora (um terço das suas exportações são para a EU) também lhe trazem problemas e a fazem correr sérios riscos na presente situação. A Alemanha é hoje a grande credora de uma dívida pouco segura e a sua actividade exportadora também sofrerá consequências se quem compra não tiver dinheiro para pagar ou se, pura e simplesmente, deixar de comprar. Enfim, consequências que no seu conjunto aparentemente apontariam para uma política diferente. Daí a dificuldade em compreender esta.
Para compreender o que se passa, nunca, em qualquer análise, se deve desprezar o factor ideológico, por mais estranho que isso possa parecer, nomeadamente em épocas como a actual marcada por uma falsa desideologização. A crença de que as finanças públicas equilibradas promovem o crescimento tem muita mais força do que se supõe, apesar de Alemanha ser na Europa o país que mais ganha com os desequilíbrios alheios e certamente aquele cuja dívida pública é mais interna do que externa.
Mas não será só isso. Na Europa, contrariamente ao que se passou na América, os Estados “despejaram” muito dinheiro nos bancos sem receber nada em troca e acumularam grandes défices com essas operações de resgate, além de terem suportado algumas das consequências próprias da crise uma vez desencadeada (menos receitas, mais despesas, principalmente em programas sociais e de apoio às empresas). Este plano de austeridade alemão visa assim absorver esse défice provocado pela crise. O Estado encaixa o prejuízo gerado pelos bancos fazendo-o pagar pelos contribuintes. O objectivo é absorvê-lo o mais rapidamente possível para evitar outras despesas a ele associadas, embora se não livre dos efeitos colaterais de tal medida.
Finalmente, é crível que na Alemanha já se tenha começado a pensar seriamente numa época pós euro. Não é crível que a decisão já esteja tomada, mas é certamente uma hipótese com a qual a Alemanha trabalha como tendo um grau de probabilidade elevado. E nada melhor então do que preparar o regresso ao marco, nas melhores condições financeiras possíveis.
Há a sensação de que a aventura europeia está a chegar ao fim na Alemanha…
A imprensa em geral e a blogosfera, em grande número, saudaram o plano de austeridade alemão, anunciado no princípio desta semana por Ângela Merkel, como um acto de grande coragem, embora não seja fácil perceber onde está a coragem, quando a parte mais significativa das medidas incide, como sempre, sobre quem tem menos.
Mais importante do que adjectivar o plano de austeridade alemão, o que interessa é percebê-lo. E a essa tarefa, que se tenha tomado conhecimento, ainda ninguém se dedicou. Adiantam-se as explicações da praxe: a Alemanha está com um défice de 3,3%, admitindo-se que no fim do ano possa subir para 5,5% e a dívida pública em cerca de 72,2% do PIB. O plano tem, portanto, em vista pôr ordem nas contas públicas, diz-se!
Olhando à volta de imediato se percebe que há quem esteja muito pior. Mas não só. A Alemanha, além de ser o país que mais benefício tirou do euro, é também o único país que está a ganhar com a crise. Ganha quando o euro desce, como primeiro exportador europeu; ganha quando a crise da dívida aumenta dramaticamente o juro dos países mais débeis, porque os credores desses países são, em grande medida, os bancos alemães; mas ganha também porque nunca a Alemanha pagou tão pouco como agora para se financiar: há uma década os títulos de dívida, a dez anos, custavam 5% e há vinte, durante a reunificação, 10%. Agora, a Alemanha paga um pouco menos que 2,5%. Como este juro tem vindo a cair, o refinanciamento da dívida – aquele que se faz em cada ano - permite-lhe fazer poupanças bilionárias, ou seja, a dívida fica-lhe cada vez mais barata.
Como se sabe, as reformas introduzidas por Schröder e depois continuadas no governo de coligação baixaram consideravelmente a procura interna, embora tenham aumentado a competitividade da economia alemã, que passou a vender muito mais na Europa e a ter superavides correspondentes aos défices das economias dos países mais endividados.
Se a Alemanha já era a justo título acusada de ser a China da Europa, com as medidas de agora, que cortam no investimento e diminuem ainda mais a procura interna, mais o será, pois elas acabam por infligir um rude golpe na economia europeia no seu conjunto. De facto, todas as medidas agora anunciadas se reflectirão negativamente no crescimento e o emprego dos demais países europeus.
A Alemanha acaba, assim, dominando a Europa pela impositiva e pela negativa. Pela impositiva quando ordena aos demais as medidas que eles têm de tomar e pela negativa quando, actuando unilateralmente sobre a sua própria economia, produz resultados negativos em cadeia em todos os demais.
É claro que o excesso de liquidez existente na Alemanha e a sua própria actividade exportadora (um terço das suas exportações são para a EU) também lhe trazem problemas e a fazem correr sérios riscos na presente situação. A Alemanha é hoje a grande credora de uma dívida pouco segura e a sua actividade exportadora também sofrerá consequências se quem compra não tiver dinheiro para pagar ou se, pura e simplesmente, deixar de comprar. Enfim, consequências que no seu conjunto aparentemente apontariam para uma política diferente. Daí a dificuldade em compreender esta.
Para compreender o que se passa, nunca, em qualquer análise, se deve desprezar o factor ideológico, por mais estranho que isso possa parecer, nomeadamente em épocas como a actual marcada por uma falsa desideologização. A crença de que as finanças públicas equilibradas promovem o crescimento tem muita mais força do que se supõe, apesar de Alemanha ser na Europa o país que mais ganha com os desequilíbrios alheios e certamente aquele cuja dívida pública é mais interna do que externa.
Mas não será só isso. Na Europa, contrariamente ao que se passou na América, os Estados “despejaram” muito dinheiro nos bancos sem receber nada em troca e acumularam grandes défices com essas operações de resgate, além de terem suportado algumas das consequências próprias da crise uma vez desencadeada (menos receitas, mais despesas, principalmente em programas sociais e de apoio às empresas). Este plano de austeridade alemão visa assim absorver esse défice provocado pela crise. O Estado encaixa o prejuízo gerado pelos bancos fazendo-o pagar pelos contribuintes. O objectivo é absorvê-lo o mais rapidamente possível para evitar outras despesas a ele associadas, embora se não livre dos efeitos colaterais de tal medida.
Finalmente, é crível que na Alemanha já se tenha começado a pensar seriamente numa época pós euro. Não é crível que a decisão já esteja tomada, mas é certamente uma hipótese com a qual a Alemanha trabalha como tendo um grau de probabilidade elevado. E nada melhor então do que preparar o regresso ao marco, nas melhores condições financeiras possíveis.
Há a sensação de que a aventura europeia está a chegar ao fim na Alemanha…
Caro amigo JMCorreia-Pinto,
ResponderEliminarAcabei de fazer link de 2 textos :)
Obrigado.
Um grande abraço.