sábado, 10 de julho de 2010

CONSEQUÊNCIAS DA SENTENÇA DO TRIBUNAL EUROPEU



NERVOSISMO EM ESPANHA

Enquanto os espanhóis exultam com a final do campeonato do Mundo alcançado por uma equipa que joga à Barcelona e tem nas suas fileiras sete jogadores da equipa catalã e os holandeses vão dizendo que o futebol catalão não passa de um erzatz mediterrânico do futebol holandês, os jornais espanhóis ainda têm tempo e espaço para tratarem da sentença do Tribunal de Justiça Europeu que se pronunciou sobra a golden share do Estado Português na PT. E o nervosismo não poderia ser maior.
El País, por exemplo, dedica ao caso uma página inteira e um editorial, com o título bem sugestivo ”Acción de hojalata”. Apesar da tradição da Espanha nesta matéria ser a que se conhece e do que se sabe sobre o que se tem passado com a generalidade dos países que detêm direitos especiais em empresas privatizadas, dir-se-ia que a Espanha está fazendo um esforço final para inviabilizar os efeitos da decisão do Governo português, usando todo o tipo de argumentação ao seu alcance para desmoralizar qualquer tentativa de interpretação contemporizadora da sentença.
A verdade é que a sentença é meramente declarativa, não tem efeitos retroactivos e permite “encalhar” por muito tempo o negócio da Telefonica.
Os dois aspectos mais relevantes que a sentença levanta são ambos de natureza política e já aqui foram abordados no tratamento desta questão.
O primeiro diz respeito à atitude do Governo relativamente a outras empresas cujo interesse estratégico é indiscutível. A tranquilidade com que o Governo avança para a sua privatização ou para a venda do que resta nelas da participação do Estado é incompreensível. O Ministro das Finanças respondeu a estas questões com a tranquilidade de quem está a vender um bem relativamente despiciendo. E sabe-se que nem sequer existe relativamente a qualquer das privatizações programadas um interesse económico que as justifique. Propondo-se actuar desta forma relativamente a empresas que envolvem interesses estratégicos mais importantes do que aqueles que agora estão em causa, a argumentação do Estado no caso da PT perde peso interna e externamente.
O segundo respeita à própria atitude do Tribunal. Pelo que tem vindo a público – transcrições de partes da sentença –, o Tribunal permite-se interpretar, ele próprio, o interesse nacional português e a natureza estratégica para o país da participação da PT na VIVO.
Antes de prosseguir convém dizer, para que não haja qualquer espécie de dúvida, que todas estas decisões são políticas – e não jurídicas, como disse Durão Barroso. Para o confirmar basta atentar no entusiasmo com a Comissão Europeia e as instituições comunitárias em geral, tribunal incluído, aplaudiram as privatizações pioneiras, na era Thatcher, das chamadas empresas prestadoras de serviço público, sem curarem de avaliar o valor jurídico das cláusulas introduzidas nesses processos de privatização destinadas a permitir o controlo político-económico das empresas privatizadas. O importante era privatizar. Somente quando o movimento começou a consolidar-se é que surgiram, primeiro, as dúvidas sobre a validade jurídica das ditas cláusulas, e, mais tarde, as exigências para a sua eliminação.
Depois (voltando ao caso português), o tribunal mostra-se muito sensível ao facto de a golden share dificultar o investimento na empresa e prejudicar os actuais accionistas, mas está-se completamente nas tintas (dentro da lógica com que discorre) para o facto de esses mesmos accionistas dentro dessa mesma lógica também já terem comprado as suas participações sociais por um preço inferior ao seu real valor, exactamente por haver uma golden share no processo de privatização que, obviamente, desvalorizava aquelas participações.
Finalmente, a novidade é um tribunal estrangeiro – digo bem, estrangeiro – permitir-se interpretar o interesse nacional português e a natureza estratégica ou não da participação em questão. No direito interno, não obstante todos os progressos (mais teóricos, do que práticos) havidos no controlo jurisdicional dos actos do Executivo, continua vedado aos tribunais pronunciar-se sobre os chamados actos de governo ou, se não sendo o caso, sobre o conteúdo do exercício do poder discricionário.
Estes factos tendem a demonstrar a natureza profundamente defeituosa e imperfeita da construção europeia, na medida em que por via dela se estabelecem relações desiguais e sem correspectividade de direitos e obrigações entre os Estados nacionais (principalmente, os mais fracos) e os órgãos comunitários, além da natureza profundamente anti-democrática dos seus fundamentos e desenvolvimentos.
Por todas estas razões, exactamente por a UE não ser um Estado – uma federação -, ao Estado português basta-lhe demonstrar, como aqui se já disse, que os Estatutos da PT são legais e que a lei em que eles se fundamentam é constitucional.

5 comentários:

  1. Excelente, como seria de esperar!... e muito útil para efeitos de claro esclarecimento no contexto da floresta de sombras que é a especulação interessada :)
    Abraço.

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  2. Comparar a sensibilidade de infraestruturas como a ANA, Aguas, Ren etc com a PT é descabido face às mudanças tecnológicas sofridas pelas telecomunicações. Quando essa comparação é feita com um mero negócio noutro estado soberano, perde qualquer razoabilidade e, por isso, parece-me que têm alguma razão o que acusam o Governo de querer oportunisticamente cavalgar uma onde de histeria nacionaleira.

    LG

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  3. LG,

    a sensibilidade da PT não se mede como mediu, mas no facto de, nomeadamente, ser a dona de toda uma infraestrutura de cabos que é estratégica para o país.

    Quem lhes vendeu essa rede?

    Curiosamente, um governo PSD, que, curiosamente, tinha Ferreira Leite como Ministra das Finanças, e Durão Barroso como PM.

    Gostava de ver essa infraestrutura em mãos estrangeiras? Eu não.

    Quantos países têm semelhantes estruturas em mãos estrangeiras? Que eu saiba, nenhum! Nem mesmo em África se assiste a isso!

    Quem é oportunista neste caso? Os neoliberais, como Ricardo Salgado, que, na distância de 1 mês, passam de louvar a "golden share" a odiar esse mesmo instrumento, sendo que, ultimamente, tem dado sinais de que voltou à posição de partida. É conforme a oportunidade, ou seja, conforme lhe dá jeito ...

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  4. A Jorge Almeida

    Eu tenho poucas condições para ajuizar das questões técnicas, é mais pelo que vou ouvindo, ainda que seja notório que o sistema de comunicações deixou de estar tão absolutamente dependente de uma única infra-estrutura. O que eu condeno é a política errática. Num momento querem fazer-nos crer que a privatização opera milagres para logo a seguir se acharem "surpreendidos" pela falta de patriotismo dos capitalistas -neoliberais dizem- a quem entregaram as empresas. Neste caso em concreto o problema que invoca -sensibilidade das infraestruturas- nem está em causa como sabe. O que tem a ver com isso com negócio no Brasil?
    O "oportunismo" dos Salgados & Cª não me surpreende, irrita-me, sim, o ar de donzela ofendida que o governo quer transmitir e os dividendos políticos que pretende arrebanhar. Nem estou contra a utilização dos tais direitos especiais, é que mais se faz por aí fora. Os capitalistas em causa não têm qq legitimidade nem legalidade para se queixarem; beneficiaram dessa mesma "golden share" e apoiaram-nas enquanto lhes interessou. Para mim a desfaçatez e trampolineirice do governo está especialmente evidente nesta campanha que decorre em paralelo com a declaração de privatizar a REN e outras,prometendo, antecipadamente, que não sujeitará essas empresas a qq direito especial, se bem entendi. Então não andam a gozar com o Zé? LG

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