A PROPÓSITO DE UM ESCLARECIMENTO DE RIBEIRO DE MENESES
Li no DN de 26/10/10 uma carta de Ribeiro de Meneses, respondendo a um artigo de Fernanda Câncio, no qual esta se insurge contra o facto de autor de "Salazar: Uma Biografia Política" ter qualificado o ditador português como “democrata-cristão”.
Ribeiro de Meneses na dita carta, da qual infelizmente não consigo fazer link, defende-se afirmando que a “citação se refere a um primeiro período da carreira de Salazar, que era membro do Centro Católico Português: partido que se definia como democrata-cristão e que como tal era tido pela igreja católica e por outros partidos europeus semelhantes” E conclui dizendo que “neste período a democracia cristã virou mais à direita ainda, devido à revolução russa e que Salazar acompanhou essa viragem. É claro que depois da II Guerra Mundial a democracia cristã mudou de rumo e que Salazar não a acompanhou”.
Ribeiro de Meneses na dita carta, da qual infelizmente não consigo fazer link, defende-se afirmando que a “citação se refere a um primeiro período da carreira de Salazar, que era membro do Centro Católico Português: partido que se definia como democrata-cristão e que como tal era tido pela igreja católica e por outros partidos europeus semelhantes” E conclui dizendo que “neste período a democracia cristã virou mais à direita ainda, devido à revolução russa e que Salazar acompanhou essa viragem. É claro que depois da II Guerra Mundial a democracia cristã mudou de rumo e que Salazar não a acompanhou”.
A explicação é pior do que a afirmação, por duas razões, tão sucintamente expressas quanto possível, apesar de o tema merecer largos e mais profundos desenvolvimentos.
Em primeiro lugar, o A, na obra acima citada, insiste em qualificar Salazar como democrata-cristão depois da sua entrada para o governo, quer durante o período da Ditadura Nacional, quer posteriormente à aprovação da Constituição de 33, e não apenas quando era membro do CCP. Quando Meneses biografa Salazar na época do fascismo italiano e do nazismo alemão, digamos, em termos gerais, na década de 30, um dos argumentos que recorrente usa para distanciar o ditador de Santa Comba Dão dos ditadores italiano e alemão é o de que Salazar é democrata-cristão. Mas diz mais: quando defende o afastamento ideológico de Salazar relativamente a Hitler, além daquele argumento, usa outro muito mais controverso: o de que Salazar, além de democrata-cristão, era um defensor do estado de direito!
Em primeiro lugar, o A, na obra acima citada, insiste em qualificar Salazar como democrata-cristão depois da sua entrada para o governo, quer durante o período da Ditadura Nacional, quer posteriormente à aprovação da Constituição de 33, e não apenas quando era membro do CCP. Quando Meneses biografa Salazar na época do fascismo italiano e do nazismo alemão, digamos, em termos gerais, na década de 30, um dos argumentos que recorrente usa para distanciar o ditador de Santa Comba Dão dos ditadores italiano e alemão é o de que Salazar é democrata-cristão. Mas diz mais: quando defende o afastamento ideológico de Salazar relativamente a Hitler, além daquele argumento, usa outro muito mais controverso: o de que Salazar, além de democrata-cristão, era um defensor do estado de direito!
Portanto, não é verdade que o A tenha muito contextualizadamente qualificado Salazar como democrata-cristão. Definiu-o assim tendo em conta a sua praxis política como governante.
Em segundo lugar, creio que o A está muito mal informado sobre o movimento democrata-cristão na Europa, desde que o conceito foi utilizado pela primeira vez até hoje.
Deixando agora de parte a evocação que o bispo de Lyon terá feito em 1971 na Assembleia Legislativa (mais no sentido de fraternidade cristã do que propriamente num sentido de acção política organizada), parece não haver dúvida de que o conceito só começa muito mais tarde, em meados do século XIX, a ser usado por um catolicismo de índole liberal, que vê na democracia o fundamento do poder, e procura por meio dela pôr em prática uma doutrina social da Igreja.
Esta ideia não era à época acolhida pela Igreja oficial, ainda muito ligada ao ancien regime, à monarquia e à origem divina do poder. Só muito mais tarde com Leão XIII, na Rerum Novarum, e depois com a Inter Sollicitudines, é que a Igreja aceita a República e advoga a intervenção social dos seus membros na vida comunitária. Mas é ainda o próprio Leão XIII que vem, cerca de dez anos depois, opor a democracia cristã à democracia social, voltando a aproximar-se daqueles que, dentro da Igreja, se mantinham mais ligados às posições tradicionais.
Interessaria também acrescentar que esta intervenção político-social dos católicos foi depois desautorizada, se não mesmo condenada, por Pio X (1910) numa célebre carta dirigida ao episcopado francês.
Um pouco mais tarde, durante e depois da Grande Guerra, Bento XV, nas suas acções em prol da paz, tenta aproximar os cristãos dos Estados beligerantes em nome da doutrina e dos valores da Igreja, sendo por esta altura que começam verdadeiramente a surgir os partidos políticos de inspiração cristã. Também é por esta altura que aparecem Konrad Adenauer, De Gasperi e Robert Schuman, os quais, de resto, mantêm contactos entre si.
O combate da democracia cristã europeia desta época é um combate pela paz. E é também verdade que os líderes da democracia cristã entre as duas guerras, não obstante a posição sempre muito ambígua da Igreja de Roma, encontram como ponto comum da sua acção a recusa de todos os totalitarismos.
Da Segunda Guerra Mundial para a frente, a história da democracia cristã é mais conhecida, bem como o seu papel à frente de muitos governos europeus, sendo apenas de sublinhar que, no plano dos princípios, a Igreja Católica jamais ousou contestar a partir dessa data a origem democrática do poder, apesar de ter convivido intimamente com as ditaduras peninsulares…
Portanto, e para terminar, que a conversa já vai longa, Salazar nunca foi um democrata cristão, nem nunca aderiu aos ideais da democracia cristã, nem antes nem depois da sua entrada para o governo. Apesar da relativa heterogeneidade do pensamento político cristão, sempre houve na matriz do movimento alguns princípios que Salazar nunca respeitou: a natureza democrática do poder, a solidariedade social apoiada em políticas sociais distributivas, enfim, a liberdade.
A única coisa que Salazar concedeu, já na década de 20, foi pôr a questão do regime entre parênteses e lutar pelos direitos da Igreja na República: mas os direitos da Igreja pelos quais Salazar lutava, nada tinham a ver com os ideais da democracia cristã, que, como se percebe pela exposição antecedente, sempre foi durante o século dezanove, nos primórdios do século XX, durante a Primeira Guerra e entre as duas guerras, apesar - insisto - da sua relativa heterogeneidade, um movimento circunscrito aos sectores mais progressistas da Igreja.
Obviamente, que Salazar não era um ditador igual a Hitler, nem a Mussolini, não obstante as simpatias que por eles nutria. Salazar era um autocrata atrasado e retrógrado que sempre teve como única preocupação política a conservação do poder, para, por seu intermédio, orientar, condicionar e dirigir a sociedade atrasada que nos legou . Tudo o resto era instrumental!
Em segundo lugar, creio que o A está muito mal informado sobre o movimento democrata-cristão na Europa, desde que o conceito foi utilizado pela primeira vez até hoje.
Deixando agora de parte a evocação que o bispo de Lyon terá feito em 1971 na Assembleia Legislativa (mais no sentido de fraternidade cristã do que propriamente num sentido de acção política organizada), parece não haver dúvida de que o conceito só começa muito mais tarde, em meados do século XIX, a ser usado por um catolicismo de índole liberal, que vê na democracia o fundamento do poder, e procura por meio dela pôr em prática uma doutrina social da Igreja.
Esta ideia não era à época acolhida pela Igreja oficial, ainda muito ligada ao ancien regime, à monarquia e à origem divina do poder. Só muito mais tarde com Leão XIII, na Rerum Novarum, e depois com a Inter Sollicitudines, é que a Igreja aceita a República e advoga a intervenção social dos seus membros na vida comunitária. Mas é ainda o próprio Leão XIII que vem, cerca de dez anos depois, opor a democracia cristã à democracia social, voltando a aproximar-se daqueles que, dentro da Igreja, se mantinham mais ligados às posições tradicionais.
Interessaria também acrescentar que esta intervenção político-social dos católicos foi depois desautorizada, se não mesmo condenada, por Pio X (1910) numa célebre carta dirigida ao episcopado francês.
Um pouco mais tarde, durante e depois da Grande Guerra, Bento XV, nas suas acções em prol da paz, tenta aproximar os cristãos dos Estados beligerantes em nome da doutrina e dos valores da Igreja, sendo por esta altura que começam verdadeiramente a surgir os partidos políticos de inspiração cristã. Também é por esta altura que aparecem Konrad Adenauer, De Gasperi e Robert Schuman, os quais, de resto, mantêm contactos entre si.
O combate da democracia cristã europeia desta época é um combate pela paz. E é também verdade que os líderes da democracia cristã entre as duas guerras, não obstante a posição sempre muito ambígua da Igreja de Roma, encontram como ponto comum da sua acção a recusa de todos os totalitarismos.
Da Segunda Guerra Mundial para a frente, a história da democracia cristã é mais conhecida, bem como o seu papel à frente de muitos governos europeus, sendo apenas de sublinhar que, no plano dos princípios, a Igreja Católica jamais ousou contestar a partir dessa data a origem democrática do poder, apesar de ter convivido intimamente com as ditaduras peninsulares…
Portanto, e para terminar, que a conversa já vai longa, Salazar nunca foi um democrata cristão, nem nunca aderiu aos ideais da democracia cristã, nem antes nem depois da sua entrada para o governo. Apesar da relativa heterogeneidade do pensamento político cristão, sempre houve na matriz do movimento alguns princípios que Salazar nunca respeitou: a natureza democrática do poder, a solidariedade social apoiada em políticas sociais distributivas, enfim, a liberdade.
A única coisa que Salazar concedeu, já na década de 20, foi pôr a questão do regime entre parênteses e lutar pelos direitos da Igreja na República: mas os direitos da Igreja pelos quais Salazar lutava, nada tinham a ver com os ideais da democracia cristã, que, como se percebe pela exposição antecedente, sempre foi durante o século dezanove, nos primórdios do século XX, durante a Primeira Guerra e entre as duas guerras, apesar - insisto - da sua relativa heterogeneidade, um movimento circunscrito aos sectores mais progressistas da Igreja.
Obviamente, que Salazar não era um ditador igual a Hitler, nem a Mussolini, não obstante as simpatias que por eles nutria. Salazar era um autocrata atrasado e retrógrado que sempre teve como única preocupação política a conservação do poder, para, por seu intermédio, orientar, condicionar e dirigir a sociedade atrasada que nos legou . Tudo o resto era instrumental!
4 comentários:
acredita mesmo naquilo que escreve?
É pior, não é?
concordo plenamente.
"(...) sempre houve na matriz do movimento alguns princípios que Salazar nunca respeitou: (...) a solidariedade social apoiada em políticas sociais distributivas, enfim, a liberdade (...)"
(...) Será a partir de 1926, com a implantação do Estado Novo, que o problema da habitação das classes insolventes é novamente reconsiderado (...) A partir de 1933, com o Decreto-Lei n.° 23 05 , o Estado terá uma intervenção directa na construção de casas económicas, que foram sendo construídas um pouco por todo o país.
As casas económicas serão promovidas pelo Estado, em colaboração com as câmaras municipais, os corpos administrativos e os organismos corporativos. Para tal foram criados os serviços de construção de casas económicas junto do Ministério das Obras Públicas e a Repartição das Casas Económicas, no Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
A intervenção do Estado neste programa habitacional consistiu fundamentalmente na concessão de facilidades na aquisição de terrenos, isenção de impostos e empréstimos com taxas de juro baixas, amortizáveis a longo prazo.
(Fátima Loureiro de Matos (1994), Os bairros sociais no espaço urbano do Porto: 1901-1956, pp. 686 e 687)
Pinto
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