O QUE SE PASSA?
Não é muito fácil perceber com clareza o que se está a passar.
No plano dos princípios, o que o PSD quer fazer com o orçamento, a gente compreende: basta a ler o seu projecto de revisão constitucional para imediatamente se perceber que o PSD quer em matéria de despesa pública e de receita.
E também se sabe, pela prática destes anos e pela proposta de orçamento apresentada no Parlamento, o que o PS quer. Quer o que lá está. Ou seja, o que o preocupa não é tanto o resultado, que tem por indiscutível, mas o modo como a ele se chega.
Logo, há uma grande aproximação entre os pontos de vista dos dois partidos. Tão grande que parece que a diferença que os separa do acordo anda pelos quatrocentos e tal milhões de euros num orçamento de mais de 70 mil milhões.
À primeira vista, esta divergência por maior que seja o seu ”peso ideológico” – e não o terá – não justifica aos olhos do cidadão comum, minimamente informado, uma razão para ruptura. Tem de haver outras razões. E é normal que se pense em jogada política, no sentido pejorativo do termo. Uma ou mais, quem sabe, independentes umas das outras.
Eduardo Catroga, negociador do PSD, depois de ter insistido que interveio na negociação como técnico e independente – embora toda a gente pergunte como é possível negociar tecnicamente o instrumento político mais importante da sessão legislativa (mas isto será assunto para outros desenvolvimentos) – foi o primeiro a lançar a suspeita sobre a “jogada política”, quando deu a entender, ou praticamente o afirmou, que a negociação com Teixeira dos Santos estava quase fechada, mas que tudo se alterou depois de uma longa (tão longa, que E. Catroga até abandonou o local das negociações) conversa com Sócrates.
Assim, a primeira tese é a de que Sócrates não quer o acordo, não se importando de arriscar um “chumbo” do orçamento. Ou então, é um jogador nato, e aposta na hipótese de obrigar o PSD a vergar-se à sua vontade. Mas não é muito provável que nesta fase Passos Coelho possa recuar, sob pena de perder completamente a face.
Como Sócrates e Silva Pereira já disseram que o Governo sem orçamento se demitirá, e não sendo crível que Sócrates queira ficar em gestão até que possa haver novas eleições, o “chumbo” do orçamento obrigaria Cavaco a nomear outro Primeiro Ministro, mesmo antes das eleições presidenciais.
E então aqui entra em jogo a hipótese de outra “jogada”. O pressuposto é muito simples: é muito fácil, em qualquer negociação, arranjar um pretexto para a inviabilizar. Só a título de exemplo: Mário Soares, nos governos que dirigiu, principalmente nos dois primeiros, boicotou todas as negociações com Angola e Moçambique, apesar de algumas delas versarem sobre temas amplamente consensuais.
No lado do PSD, se há personalidades que se têm amplamente batido pela aprovação do orçamento, outras há que frequentemente têm dito que a não aprovação do orçamento “não seria o fim do mundo”, ou seja, que não seria grave. Ou seja ainda, que preferem esse resultado a um orçamento com o qual não concordam. Curiosamente, Cavaco também já deu a entender que o assunto não é tão grave como o pintam. Não disse por estas palavras, mas foi isto o que ele quis dizer. E não será difícil igualmente adiantar que Cavaco, se mandasse, aprovaria outro orçamento, ou dizendo de modo mais correcto: se mandasse, teria outro governo para executar o orçamento aprovado dentro dos limites impostos pelo directório que governa a UE.
Na actual conjuntura, tendo em conta o clima de medo propositadamente criado, Cavaco teria todas as condições, por maiores que fossem os nossos protestos, para nomear um governo dirigido por uma pessoa da sua confiança até à realização de eleições. Eleitoralmente não perderia nada. Pelo contrário, ganharia, porque em Portugal os que falam de presidencialismo, desde a Sra Campos Ferreira até muitos outros comentadores, intelectuais, inclusive, confundem presidencialismo com caudilhismo. De facto, o presidencialismo está longe, muito longe, de atribuir tantos poderes ao presidente como um semi-presidencialismo deturpado. E é isso que estão pedindo a Cavaco. E Cavaco já ontem entreabriu a porta quando disse que, no próximo mandato, iria ter uma “magistratura activa”!
Bem, mas há uma terceira hipótese. Que é a Passos Coelho querer demonstrar a Cavaco que é ele e não o PR que manda no PSD. Esta hipótese pressupõe que alguém foi enganado.
Não é muito fácil perceber com clareza o que se está a passar.
No plano dos princípios, o que o PSD quer fazer com o orçamento, a gente compreende: basta a ler o seu projecto de revisão constitucional para imediatamente se perceber que o PSD quer em matéria de despesa pública e de receita.
E também se sabe, pela prática destes anos e pela proposta de orçamento apresentada no Parlamento, o que o PS quer. Quer o que lá está. Ou seja, o que o preocupa não é tanto o resultado, que tem por indiscutível, mas o modo como a ele se chega.
Logo, há uma grande aproximação entre os pontos de vista dos dois partidos. Tão grande que parece que a diferença que os separa do acordo anda pelos quatrocentos e tal milhões de euros num orçamento de mais de 70 mil milhões.
À primeira vista, esta divergência por maior que seja o seu ”peso ideológico” – e não o terá – não justifica aos olhos do cidadão comum, minimamente informado, uma razão para ruptura. Tem de haver outras razões. E é normal que se pense em jogada política, no sentido pejorativo do termo. Uma ou mais, quem sabe, independentes umas das outras.
Eduardo Catroga, negociador do PSD, depois de ter insistido que interveio na negociação como técnico e independente – embora toda a gente pergunte como é possível negociar tecnicamente o instrumento político mais importante da sessão legislativa (mas isto será assunto para outros desenvolvimentos) – foi o primeiro a lançar a suspeita sobre a “jogada política”, quando deu a entender, ou praticamente o afirmou, que a negociação com Teixeira dos Santos estava quase fechada, mas que tudo se alterou depois de uma longa (tão longa, que E. Catroga até abandonou o local das negociações) conversa com Sócrates.
Assim, a primeira tese é a de que Sócrates não quer o acordo, não se importando de arriscar um “chumbo” do orçamento. Ou então, é um jogador nato, e aposta na hipótese de obrigar o PSD a vergar-se à sua vontade. Mas não é muito provável que nesta fase Passos Coelho possa recuar, sob pena de perder completamente a face.
Como Sócrates e Silva Pereira já disseram que o Governo sem orçamento se demitirá, e não sendo crível que Sócrates queira ficar em gestão até que possa haver novas eleições, o “chumbo” do orçamento obrigaria Cavaco a nomear outro Primeiro Ministro, mesmo antes das eleições presidenciais.
E então aqui entra em jogo a hipótese de outra “jogada”. O pressuposto é muito simples: é muito fácil, em qualquer negociação, arranjar um pretexto para a inviabilizar. Só a título de exemplo: Mário Soares, nos governos que dirigiu, principalmente nos dois primeiros, boicotou todas as negociações com Angola e Moçambique, apesar de algumas delas versarem sobre temas amplamente consensuais.
No lado do PSD, se há personalidades que se têm amplamente batido pela aprovação do orçamento, outras há que frequentemente têm dito que a não aprovação do orçamento “não seria o fim do mundo”, ou seja, que não seria grave. Ou seja ainda, que preferem esse resultado a um orçamento com o qual não concordam. Curiosamente, Cavaco também já deu a entender que o assunto não é tão grave como o pintam. Não disse por estas palavras, mas foi isto o que ele quis dizer. E não será difícil igualmente adiantar que Cavaco, se mandasse, aprovaria outro orçamento, ou dizendo de modo mais correcto: se mandasse, teria outro governo para executar o orçamento aprovado dentro dos limites impostos pelo directório que governa a UE.
Na actual conjuntura, tendo em conta o clima de medo propositadamente criado, Cavaco teria todas as condições, por maiores que fossem os nossos protestos, para nomear um governo dirigido por uma pessoa da sua confiança até à realização de eleições. Eleitoralmente não perderia nada. Pelo contrário, ganharia, porque em Portugal os que falam de presidencialismo, desde a Sra Campos Ferreira até muitos outros comentadores, intelectuais, inclusive, confundem presidencialismo com caudilhismo. De facto, o presidencialismo está longe, muito longe, de atribuir tantos poderes ao presidente como um semi-presidencialismo deturpado. E é isso que estão pedindo a Cavaco. E Cavaco já ontem entreabriu a porta quando disse que, no próximo mandato, iria ter uma “magistratura activa”!
Bem, mas há uma terceira hipótese. Que é a Passos Coelho querer demonstrar a Cavaco que é ele e não o PR que manda no PSD. Esta hipótese pressupõe que alguém foi enganado.
Depois, ao colocar à disposição do público as proposta que foram rejeitadas – se as vier a colocar, como prometeu – o PSD conta dar um passo importante para responsabilizar Sócrates pelo sucedido. Como até agora o PSD tem estado sob a pressão de ser o responsável pelas consequências da não aprovação do orçamento, poderá agora passar ao ataque se conseguir convencer a opinião pública de que afinal é o PS que não quer negociar.
Vantagens? Imputar a Sócrates tudo o que de grave possa suceder até à realização de eleições. Apesar de o que está em jogo para o PSD não ser apenas a vitória eleitoral, mas uma vitória por maioria absoluta, nem que fosse com a colaboração de Portas, esta jogada posta em prática a uma tão longa distância sempre seria muito arriscada.
Por isso é que não é muito fácil perceber o que se passa. O mais provável é que se trate de mais um episódio de uma luta inconsequente pelo poder entre dois partidos que tanto têm prejudicado o país, mas aos quais, incompreensível e infelizmente, a maioria dos portugueses continua a dar o seu voto.
Vantagens? Imputar a Sócrates tudo o que de grave possa suceder até à realização de eleições. Apesar de o que está em jogo para o PSD não ser apenas a vitória eleitoral, mas uma vitória por maioria absoluta, nem que fosse com a colaboração de Portas, esta jogada posta em prática a uma tão longa distância sempre seria muito arriscada.
Por isso é que não é muito fácil perceber o que se passa. O mais provável é que se trate de mais um episódio de uma luta inconsequente pelo poder entre dois partidos que tanto têm prejudicado o país, mas aos quais, incompreensível e infelizmente, a maioria dos portugueses continua a dar o seu voto.
No blog de que sou participante (www.ponteeuropa.blogspot.com)e no qual uso as iniciais "ahp" aventei uma outra hipótese explicativa, que vou tentar copiar para aqui. Ei-la:
ResponderEliminarQuarta-feira, Outubro 27, 2010
COMÉDIA EM TRÊS ATOS
1º ATO
O PSD, tendo decidido secretamente viabilizar o Orçamento, abstendo-se, finge que vai inviabilizá-lo, rompendo estrepitosamente as negociações com o PS.
2º ATO
Perante a situação aparentemente dramática assim criada, o Presidente Cavaco reúne de emergência o Conselho de Estado e em seguida faz um apelo dramático ao PSD para que viabilize o Orçamento.
3º ATO
O PSD, tal como já tinha decidido, viabiliza o Orçamento, mas fingindo que o faz por causa do apelo do Presidente Cavaco.
EPÍLOGO
O candidato presidencial Cavaco aparece assim perante o eleitorado como o Salvador da Pátria.
posted by ahp @ 10:02 PM 7 comments
Os dois primeiros atos da comédia (melhor seria chamar-lhe tragicomédia, pois está a causar prejuízos incalculáveis ao País) já se consumaram. Continuo a pensar que se lhes vai seguir o 3º.
ResponderEliminarO cenário de horta pinto tem um senão: duvido muito de que PPC esteja interessado em subordinar-se de tal forma a Cavaco. Pelo contrário, o entendimento JS-PPC pode ser é a sua convergência em barrar o caminho a uma maior intervenção de Cavaco, talvez iminente depois do anúncio precipitado da rotura das negociações.
ResponderEliminarTambém alinho, como se depreende do que tenho escrito, na interpretação de JVC.
ResponderEliminarA política está cada vez mais cheia de encenações...e quanto mais "técnicos" eles são, mais "fitas" fazem.
Obrigado a ambos pelos comentários
Falta acrescentar que o Salvador da Pátria jogou nos dois tabuleiros. O que não ganha de imediato em "magistratura activa" é daqui a três meses eleitoralmente compensado.
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