A EUROPA E A CRISE
Começando pelo princípio: a crise financeira rebentou na América, mas ela tem a sua causa no capital financeiro e especulativo, qualquer que seja a sua nacionalidade, melhor dizendo, qualquer que seja o território nacional em que actue.
Esta crise pôs a nu outras crises, igualmente da responsabilidade dos bancos, em todos os países europeus - nuns mais do que noutros -, sinteticamente reconduzidas à crise da dívida.
Por um lado, o profundo desequilíbrio entre países sujeitos às mesmas regras dentro de um espaço económico comum fez com que os menos desenvolvidos e menos competitivos tivessem de refugiar-se preferentemente em actividades que ficavam a coberto da concorrência dos mais fortes; por outro lado, a ausência de uma forte oposição laboral, muito favorecida pelo fim da Guerra Fria e, principalmente, das condições em que esta terminou, levou a que se acentuasse, progressivamente, a desigual distribuição dos rendimentos, entre o trabalho e o capital, a ponto de se ter regredido para situações que só têm paralelo com o que se passava há mais de um século.
Estas duas situações levaram, por imposição do próprio sistema, a um colossal endividamento privado. Endividamento dos que se financiam junto dos bancos para poderem actuar nas tais áreas menos sujeitas à concorrência; endividamento também dos consumidores em geral para, face às expectativas e às falsas necessidades geradas pelo sistema, poderem colmatar, pela via do crédito, a falta de rendimento de que os novos critérios de distribuição os privara.
Simultaneamente, sobre estes endividamentos, os bancos, actuando à rédea solta, foram especulando, de todas as formas e feitios, em operações de altíssimo risco.
Quando os pagamentos cessaram – um dia teriam fatalmente de cessar – rebentou a crise. Para acudir à dita, os bancos centrais, ou sejam, os Estados, transferiram biliões de dólares e de euros para os bancos em crise (umas vezes dados, pura e simplesmente, outras, a custo zero ou quase), além de os próprios Estados terem assumido gigantescas dívidas privadas para evitar a falência do sistema bancário.
A crise económica, gerada pela crise financeira, levou, por outro lado, a que os Estados se endividassem ainda mais com despesas sociais e programas de estímulo de toda a ordem (à indústria, à agricultura, aos serviços, enfim, a toda a economia), dinheiro que os Estados, mesmo os que tinham superavides, tiveram que pedir emprestado àqueles mesmos bancos que antes haviam salvado da falência. Com a diferença de que agora, tais empréstimos eram contraídos a preços do “mercado”, sendo o “mercado” uma entidade aparentemente abstracta que impõe condições variáveis em função do devedor!
Como é que a Europa “resistiu” a esta crise? A Europa, como tal, não existiu. Cada Estado foi fazendo o que lhe parecia adequado segundo os seus padrões de governação (ora nacionalizando os bancos falidos e transferindo para a dívida pública a respectiva dívida privada, ora pedindo dinheiro emprestado para com programas de estímulo acudir à economia em crise, tentando relançá-la).
Estas medidas não foram coordenadas, cada Estado actuou por si, a ponto de os efeitos de algumas delas se terem repercutido em países diferentes daqueles para os quais foram postas em prática. Se tivesse havido coordenação, se tivesse havido um verdadeiro governo económico preocupado com a obtenção de resultados solidários nas diversas partes do todo, as consequências teriam sido outras e a Europa estaria certamente numa situação muito diferente da que agora se encontra.
Mas já houve “Europa”, quando se tratou de salvar os bancos. Aí o Banco Central Europeu (BCE) pôs e continua a pôr à disposição dos bancos centenas de milhares de milhões de euros. Quando se trata de Estados, a música, porém, é outra.
Como acima se disse, esta crise financeira pôs a descoberto e potenciou todas as crises larvares ou ocultas existentes no sistema. E uma delas é a crise do euro, fundamentalmente resultante da criação de uma moeda única em economias muito diferentes, com níveis diversos de desenvolvimento e de competitividade, “regulada” por um conjunto de injunções completamente desligadas da realidade económica de cada país e entregando, no mais, a sorte futura da moeda ao livre jogo do mercado.
O resultado ficou à vista com aquilo a que se chama impropriamente a “crise grega”, e depois com as “crises” portuguesa, espanhola, irlandesa e outras. Estas economias para pagar as dívidas resultantes dos factores atrás expostos tiveram, e têm, de recorrer ao mercado de capitais, que se torna tanto mais exigente e mais caro, quanto maiores são as dificuldades de quem pede.
Mais uma vez, não houve qualquer “Europa”, uma Europa que solidariamente se preocupasse com as partes do todo como se do próprio todo se tratasse. O que houve foi a extrema preocupação de reembolsar rapidamente os credores e de impor, em prazos curtíssimos, medidas restritíssimas que levarão as respectivas economias à recessão, e milhões de cidadãos europeus ao desemprego e à fome!
Medidas contras as quais, mais tarde ou mais cedo, os povos se revoltarão, porque elas são, na sua essência, impossíveis de cumprir e ditadas pela agiota preocupação de satisfazer os poderes dominantes na União Europeia, os verdadeiros beneficiários desta situação.
Não é apenas Paul Krugman, esse perigoso “esquerdista”, ao serviço de uma indecifrável União Soviética, que o diz. Dizem-no todos os economistas sensatos. Nourriel Roubini, o homem que antecipou a crise financeira diz: “A obsessão do BCE com a inflação é um desastre para a Europa”, o qual acrescenta ainda que, o facto de Portugal, no próximo ano, ter de se financiar com 40 mil milhões de euros para pagar os seus compromissos, ou seja, quase um quarto de toda a riqueza produzida, o colocará numa situação inimaginável.
Mas também Carmen Reinhart, cubana de origem, hoje universitária, depois de ter passado por Wall Street e pelo FMI, que diz: “A Alemanha está jogando com a deflação de forma muito perigosa. Os seus erros condenam a Europa a graves problemas: complicam a situação europeia, sem crescimento nem inflação, e com uma combinação de dívida pública e privada como nunca antes se viu nesta escala”.
Christina Romer, catedrática da Universidade da Califórnia (Berkley), ex-presidente do conselho de assessores económicos de Obama, referindo-se aos Estados Unidos e à Europa, também diz: “Este não é o momento para reduzir o défice”.
Todos estes, e outros, economistas coincidem em que a situação dos países afectados pela chamada “crise do euro” é muito grave e mais grave ainda se tornou em consequência das imposições da Alemanha. Todos eles são também de opinião que a “realidade” acabará por impor-se e que tais países, a manter-se esta política, vão entrar em ruptura de pagamentos e terão de reestruturar as suas dívidas. Por outro lado, igualmente consideram que as actuais políticas, a continuarem, gerarão uma recessão por muitos anos.
Só mesmo a selvajaria neoliberal, como a de Robert Lucas, Prémio Nobel da Economia, em 2005, opina em sentido oposto ou seja, no sentido da liquidação do estado social, da diminuição de impostos para os ricos e dos cortes salariais como remédio para a saída da crise.
Assim, só mesmo por precoce cegueira intelectual ou típico deslumbramento pequeno-burguês, de quem identifica como seus os interesses do patrão, se pode admitir que haja hoje quem, entre nós, lidando de perto com estas matérias, afirme que a defesa do euro (de situações como a da crise grega) passa pela correcção pontual dos tratados (que a Alemanha quer fazer), ou ainda que tal revisão deva fazer-se o mais rapidamente possível, isto é, nas costas do povo, ou, pior que tudo, tenha o desplante de afirmar que o Tratado de Lisboa soube resistir galhardamente aos efeitos devastadores da crise financeira ou ainda que a UE passou com êxito o teste da mais dura provação da sua história! Esta mentalidade que identifica como seus os interesses dos suseranos e que confunde “governo económico da União” com os diktats alemães é um triste exemplo do Portugal que temos hoje. De um Portugal a que muito rapidamente temos de pôr termo!
Esta crise pôs a nu outras crises, igualmente da responsabilidade dos bancos, em todos os países europeus - nuns mais do que noutros -, sinteticamente reconduzidas à crise da dívida.
Por um lado, o profundo desequilíbrio entre países sujeitos às mesmas regras dentro de um espaço económico comum fez com que os menos desenvolvidos e menos competitivos tivessem de refugiar-se preferentemente em actividades que ficavam a coberto da concorrência dos mais fortes; por outro lado, a ausência de uma forte oposição laboral, muito favorecida pelo fim da Guerra Fria e, principalmente, das condições em que esta terminou, levou a que se acentuasse, progressivamente, a desigual distribuição dos rendimentos, entre o trabalho e o capital, a ponto de se ter regredido para situações que só têm paralelo com o que se passava há mais de um século.
Estas duas situações levaram, por imposição do próprio sistema, a um colossal endividamento privado. Endividamento dos que se financiam junto dos bancos para poderem actuar nas tais áreas menos sujeitas à concorrência; endividamento também dos consumidores em geral para, face às expectativas e às falsas necessidades geradas pelo sistema, poderem colmatar, pela via do crédito, a falta de rendimento de que os novos critérios de distribuição os privara.
Simultaneamente, sobre estes endividamentos, os bancos, actuando à rédea solta, foram especulando, de todas as formas e feitios, em operações de altíssimo risco.
Quando os pagamentos cessaram – um dia teriam fatalmente de cessar – rebentou a crise. Para acudir à dita, os bancos centrais, ou sejam, os Estados, transferiram biliões de dólares e de euros para os bancos em crise (umas vezes dados, pura e simplesmente, outras, a custo zero ou quase), além de os próprios Estados terem assumido gigantescas dívidas privadas para evitar a falência do sistema bancário.
A crise económica, gerada pela crise financeira, levou, por outro lado, a que os Estados se endividassem ainda mais com despesas sociais e programas de estímulo de toda a ordem (à indústria, à agricultura, aos serviços, enfim, a toda a economia), dinheiro que os Estados, mesmo os que tinham superavides, tiveram que pedir emprestado àqueles mesmos bancos que antes haviam salvado da falência. Com a diferença de que agora, tais empréstimos eram contraídos a preços do “mercado”, sendo o “mercado” uma entidade aparentemente abstracta que impõe condições variáveis em função do devedor!
Como é que a Europa “resistiu” a esta crise? A Europa, como tal, não existiu. Cada Estado foi fazendo o que lhe parecia adequado segundo os seus padrões de governação (ora nacionalizando os bancos falidos e transferindo para a dívida pública a respectiva dívida privada, ora pedindo dinheiro emprestado para com programas de estímulo acudir à economia em crise, tentando relançá-la).
Estas medidas não foram coordenadas, cada Estado actuou por si, a ponto de os efeitos de algumas delas se terem repercutido em países diferentes daqueles para os quais foram postas em prática. Se tivesse havido coordenação, se tivesse havido um verdadeiro governo económico preocupado com a obtenção de resultados solidários nas diversas partes do todo, as consequências teriam sido outras e a Europa estaria certamente numa situação muito diferente da que agora se encontra.
Mas já houve “Europa”, quando se tratou de salvar os bancos. Aí o Banco Central Europeu (BCE) pôs e continua a pôr à disposição dos bancos centenas de milhares de milhões de euros. Quando se trata de Estados, a música, porém, é outra.
Como acima se disse, esta crise financeira pôs a descoberto e potenciou todas as crises larvares ou ocultas existentes no sistema. E uma delas é a crise do euro, fundamentalmente resultante da criação de uma moeda única em economias muito diferentes, com níveis diversos de desenvolvimento e de competitividade, “regulada” por um conjunto de injunções completamente desligadas da realidade económica de cada país e entregando, no mais, a sorte futura da moeda ao livre jogo do mercado.
O resultado ficou à vista com aquilo a que se chama impropriamente a “crise grega”, e depois com as “crises” portuguesa, espanhola, irlandesa e outras. Estas economias para pagar as dívidas resultantes dos factores atrás expostos tiveram, e têm, de recorrer ao mercado de capitais, que se torna tanto mais exigente e mais caro, quanto maiores são as dificuldades de quem pede.
Mais uma vez, não houve qualquer “Europa”, uma Europa que solidariamente se preocupasse com as partes do todo como se do próprio todo se tratasse. O que houve foi a extrema preocupação de reembolsar rapidamente os credores e de impor, em prazos curtíssimos, medidas restritíssimas que levarão as respectivas economias à recessão, e milhões de cidadãos europeus ao desemprego e à fome!
Medidas contras as quais, mais tarde ou mais cedo, os povos se revoltarão, porque elas são, na sua essência, impossíveis de cumprir e ditadas pela agiota preocupação de satisfazer os poderes dominantes na União Europeia, os verdadeiros beneficiários desta situação.
Não é apenas Paul Krugman, esse perigoso “esquerdista”, ao serviço de uma indecifrável União Soviética, que o diz. Dizem-no todos os economistas sensatos. Nourriel Roubini, o homem que antecipou a crise financeira diz: “A obsessão do BCE com a inflação é um desastre para a Europa”, o qual acrescenta ainda que, o facto de Portugal, no próximo ano, ter de se financiar com 40 mil milhões de euros para pagar os seus compromissos, ou seja, quase um quarto de toda a riqueza produzida, o colocará numa situação inimaginável.
Mas também Carmen Reinhart, cubana de origem, hoje universitária, depois de ter passado por Wall Street e pelo FMI, que diz: “A Alemanha está jogando com a deflação de forma muito perigosa. Os seus erros condenam a Europa a graves problemas: complicam a situação europeia, sem crescimento nem inflação, e com uma combinação de dívida pública e privada como nunca antes se viu nesta escala”.
Christina Romer, catedrática da Universidade da Califórnia (Berkley), ex-presidente do conselho de assessores económicos de Obama, referindo-se aos Estados Unidos e à Europa, também diz: “Este não é o momento para reduzir o défice”.
Todos estes, e outros, economistas coincidem em que a situação dos países afectados pela chamada “crise do euro” é muito grave e mais grave ainda se tornou em consequência das imposições da Alemanha. Todos eles são também de opinião que a “realidade” acabará por impor-se e que tais países, a manter-se esta política, vão entrar em ruptura de pagamentos e terão de reestruturar as suas dívidas. Por outro lado, igualmente consideram que as actuais políticas, a continuarem, gerarão uma recessão por muitos anos.
Só mesmo a selvajaria neoliberal, como a de Robert Lucas, Prémio Nobel da Economia, em 2005, opina em sentido oposto ou seja, no sentido da liquidação do estado social, da diminuição de impostos para os ricos e dos cortes salariais como remédio para a saída da crise.
Assim, só mesmo por precoce cegueira intelectual ou típico deslumbramento pequeno-burguês, de quem identifica como seus os interesses do patrão, se pode admitir que haja hoje quem, entre nós, lidando de perto com estas matérias, afirme que a defesa do euro (de situações como a da crise grega) passa pela correcção pontual dos tratados (que a Alemanha quer fazer), ou ainda que tal revisão deva fazer-se o mais rapidamente possível, isto é, nas costas do povo, ou, pior que tudo, tenha o desplante de afirmar que o Tratado de Lisboa soube resistir galhardamente aos efeitos devastadores da crise financeira ou ainda que a UE passou com êxito o teste da mais dura provação da sua história! Esta mentalidade que identifica como seus os interesses dos suseranos e que confunde “governo económico da União” com os diktats alemães é um triste exemplo do Portugal que temos hoje. De um Portugal a que muito rapidamente temos de pôr termo!
À 3ª feira tenho uma dificuldade acrecida em ler o PÚBLICO. O último parágrafo deste post torna-me menos penosa a leitura do de hoje porque, como já sei o que o homem diz, nem olho para a fotografia.
ResponderEliminarV
"Je dirais même plus": torna-me muito menos penosa a leitura do jornal de hoje. Mas compreendamos: essa escrita semanal é obrigação de um dia na vida de um deputado europeu. Este episódio ridículo do diário vai-se-lhe colar à pela até à morte.
ResponderEliminarPara quê falar em jornais "pobres de espírito" (como o Público) quando temos as análises do Dr. Correia Pinto?
ResponderEliminarÉ pena que não tenha o mesmo nº de leitores que tem o Público, mas há de lá chegar!
Fora de tópico:
ResponderEliminarPortugal, Espanha, Argentina e Brasil assinaram acordo de "extradição simplificada":
http://www.correiodominho.com/noticias.php?id=37560
Estou baralhado. Afinal o V que aqui comenta não é o VM? Também chamado Ivan Denisovitch?
ResponderEliminarJVC
ResponderEliminarIvan Denisovich só há um. Ele e mais nenhum. Nada de confusões.
V
gostei muito do blog, comentários bem pertinentes..
ResponderEliminartenho um tb. www.esteticaderodoviaria.blogspot.com