quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

AS AMEAÇAS E AS PRENDAS


RESISTIRÁ A JUSTIÇA?

Correm nestes dias no Campus da Justiça, em Lisboa, processos muito conhecidos do grande público, que constituem para o povo anónimo, e de certo modo também para a opinião que se publica, uma espécie de “prova de fogo” para a justiça portuguesa.
Entre outros que poderiam ser citados, estão o “Caso dos submarinos” e a “Face Oculta”.
No primeiro, o Juiz Carlos Alexandre decidiu pronunciar os dez arguidos do processo por “burla qualificada” e “falsificação de documentos”.
Entre os arguidos estão responsáveis ou representantes da empresa Ferrostaal, grande multinacional alemã, que integra o consórcio que vendeu os submarinos a Portugal. Apesar de a Ferrostaal estar sob investigação em vários países, inclusive na Alemanha, sempre pelo mesmo motivo – corrupção -, esta será a primeira vez que gente sua vai a julgamento fora da Alemanha.
No caso português, tanto quanto se percebe pela leitura dos jornais – e percebe-se muito pouco, porque sempre que o assunto é um pouquinho mais complicado os nossos jornalistas são incapazes de o explicar, obviamente porque não o entenderam – este processo poderá ser a ponta de um iceberg que anda para aí à deriva desde há sete anos, na esperança de “derreter-se” antes de ser avistado e investigado.
Mas percebe-se que no caso estão metidos aqueles nossos pequenos “Catões” sempre muito preocupados com o “vigaristazeco” que “saca” um rendimento social de inserção, apesar de ter outros rendimentos ou com o “ladrãozeco” que numa rua menos iluminada dá um “esticão” na carteira da senhora indefesa!
Tão grave ou mais grave são, todavia, as ameaças que se depreendem das palavras do Juiz que decretou a pronúncia. Podem resultar de uma interpretação das alegações do advogado da Ferrostaal, mas podem também ter outra origem.
Só o Juiz o poderá dizer, mas se tivessem outra origem não seria para admirar. Basta ter presente os recentes documentos dados a conhecer pela WikiLeaks para se perceber que não falta nesses grandes “Estados democráticos”, sempre prontos a dar lições de democracia aos pobres ou aos que com eles não alinham a cem por cento, quem use todos os meios necessários para pressionar a Justiça, inclusive para impedi-la de julgar. E se isso também estivesse a acontecer aqui, seria normal. Anormal e nobre apenas seria a conduta do Juiz que resiste a pressões.
Às pressões a que o Governo Português não sabe ou não quer resistir quando lhe exigem o embaratecimento dos despedimentos, ou a imposição de medidas drásticas para a redução do défice, utilizando a chantagem dos juros, e, simultaneamente, esses mesmos Estados acham perfeitamente normal o esbanjamento de recursos públicos na compra de submarinos ou outro material de guerra por eles vendido!
No processo “Face Oculta”, a questão que ultimamente tem ocupado a atenção da opinião pública é o corrupio de importantes personalidades chamadas pela defesa a depor sobre a honorabilidade de alguns dos arguidos.
Ao contrário do que porventura crê a defesa, a excessiva publicidade feita à volta dos nomes das personalidades chamadas a depor apenas serve para descredibilizar a política e os políticos (defende-se todos uns aos outros, é o que se ouve) e pode agravar ainda mais a situação da Justiça, se a futura decisão, independentemente da sua justeza, for absolutória ou ficar muito aquém da convicção já formada pela dita opinião pública com base naquilo que ouviu ou veio a público.
Dir-se-á que a Justiça é a que se faz nos tribunais e não na praça pública – e é verdade, e assim deveria ser – mas no ponto em que as coisas já estão a publicidade destes movimentos da defesa só serve para piorar ainda mais a situação.
Situação que aliás foi agravada por algumas declarações prestadas à saída do tribunal por algumas personalidades e advogados de defesa, a avaliar pelas reacções praticamente unânimes que suscitaram nos sites dos jornais on line em que foram publicadas.
De facto, é de uma total imprudência a afirmação de que não é valor das prendas (dentro de certos limites, evidentemente), mas a honorabilidade de quem as recebe, que dita o seu significado e efeitos. Há nesta afirmação uma arrogância moral não muito diferente de outras que ouvimos durante a campanha eleitoral e que, por isso, não pode deixar de ser combatida para bem de todos, inclusive de quem a profere.
Pois se o que está em causa é exactamente a honorabilidade de quem é suspeito, é evidente que não pode ser a honorabilidade do visado a servir de critério aferidor da natureza da sua conduta. É essa a razão que leva alguns países e organizações internacionais a seguir um critério puramente objectivo de avaliação do sentido das prendas, proibindo a sua aceitação acima de certo montante (aliás, baixíssimo, como acontece nos USA e na Comissão Europeia, por exemplo).

2 comentários:

  1. Que pena me fez Jorge Sampaio! Devia ter entrado calado e saído calado, sem qualquer comentário aos jornalistas. Mas também é verdade que ele nunca consegue fechar a boca, nem sequer falar comedidamente.

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  2. Globalmente, certo e certeiro o comentário.
    -Especialmente certo: ""Estados democráticos”, sempre prontos a dar lições...."
    - Discutível: "esses mesmos Estados acham perfeitamente normal o esbanjamento de recursos..." demasiado utópico.

    Quanto às prendas/ofertas (muito discutível a ideia expressa por J.ampaio), grande parte da corrupção por esta via é grandemente facilitada pelo laxismo fiscal que nem sequer as regras taxativas sobre a matéria verifica.

    LG

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