FIM OU RESISTÊNCIA?
A julgar pelo que se tem visto noutras paragens o longo discurso que Kadhafi acaba de pronunciar assemelha-se ao estertor de uma longa ditadura. Lembra o discurso de Ceausescu, e mais recentemente o de Mubarack. Mas é cedo para tirar conclusões.
Kadhafi discorreu largamente sobre a sua biografia, sobre a revolução que permitiu entregar ao povo as riquezas do país, referiu-se à luta travada contra os americanos, ingleses e franceses, lembrou ao Ocidente o ataque do Yeltsin à Duma, falou igualmente de Tiananmen, recordou os ataques de Bush depois do 11 de Setembro, apelou vezes sem conta aos comités populares para que saíssem à rua em defesa da revolução, enumerou as penas consagradas na lei Líbia para os crimes de sedição, traição à Pátria, e insistiu muito no perigo islamista, perguntando aos líbios se queriam transformar a sua terra num novo Iraque ou Afeganistão.
A referência constante aos comités populares e ausência de referências às forças de segurança e às forças armadas faz supor que não é com estas que Kadhafi conta para defender o regime.
O discurso não foi, portanto, de apaziguamento. Pelo contrário, Kadhafi prometeu lutar pela revolução “até à última gota de sangue”. Identificou os jovens manifestantes com drogados, ao serviço de poderes estranhos aos interesses da Líbia, manipulados por potências estrangeiras.
Sublinhou que a situação da Líbia é muito diferente da da Tunísia e da do Egipto, explicou que não se demitiria, porque quem exerce o poder é o povo, cabendo-lhe a ele apenas a defesa da revolução: o guia.
Sem conhecer a situação na Líbia, principalmente do ponto de vista da distribuição da riqueza e das expectativas dos jovens, é difícil opinar sobre os efeitos do discurso na sociedade líbia. Para quem está de fora parece um discurso de resistência, sem perspectivas nem concessões. O discurso, todavia, não é exclusivamente destinado aos líbios. É também um discurso para o Ocidente. Daí que tenha brandido a ameaça do “perigo islâmico” e que tenha também lembrado as reacções ocidentais relativamente a certos acontecimentos repressivos, como quem pede agora a mesma compreensão para o que possa vir a contecer.
Numa palavra: o discurso, com excepção do tom inflamado com que foi proferido, não anda muito longe do que ontem foi dito pelo seu filho. A ideia mestra é a mesma.
O agravamento da situação na Líbia vai obrigar a Europa, mais do que os Estados Unidos, a tomar medidas com que não contava. Até aqui a Europa entregou a sua “segurança” aos ditadores e aproveitou a “estabilidade” por eles proporcionada para realizar excelentes negócios. Em troca fez que deu alguma liberdade de comércio ao Mediterrâneo, embora na realidade lhe tenha dado muito pouco ou quase nada: a possibilidade de exportar para a União Europeia alguns produtos agrícolas, sempre com muita resistência dos países do sul, principais prejudicados pela concorrência árabe. A partir de agora, se quiser realmente contribuir para o desenvolvimento desses países vai ter que transferir muita tecnologia e capital, o que, tendo em conta o modo como se organiza economicamente o norte, parece uma tarefa impossível.
Certamente que ninguém previa esta “aceleração” da História, mas desde há muito várias vozes, no interior da União Europeia, quase todas fora das suas instituições, iam alertando sobre a necessidade de olhar para o Mediterrâneo de outra maneira. Vozes que ninguém ouvia, ou que, quando eram escutadas, era apenas para atender a aspectos parcelares e superficiais da questão, como a emigração. Cada um estava interessado em tratar dos seus negócios, fossem eles graúdos ou miúdos, deixando que as coisas fossem correndo por si. O que não admira, porque é assim que o capitalismo, no essencial, actua.
A julgar pelo que se tem visto noutras paragens o longo discurso que Kadhafi acaba de pronunciar assemelha-se ao estertor de uma longa ditadura. Lembra o discurso de Ceausescu, e mais recentemente o de Mubarack. Mas é cedo para tirar conclusões.
Kadhafi discorreu largamente sobre a sua biografia, sobre a revolução que permitiu entregar ao povo as riquezas do país, referiu-se à luta travada contra os americanos, ingleses e franceses, lembrou ao Ocidente o ataque do Yeltsin à Duma, falou igualmente de Tiananmen, recordou os ataques de Bush depois do 11 de Setembro, apelou vezes sem conta aos comités populares para que saíssem à rua em defesa da revolução, enumerou as penas consagradas na lei Líbia para os crimes de sedição, traição à Pátria, e insistiu muito no perigo islamista, perguntando aos líbios se queriam transformar a sua terra num novo Iraque ou Afeganistão.
A referência constante aos comités populares e ausência de referências às forças de segurança e às forças armadas faz supor que não é com estas que Kadhafi conta para defender o regime.
O discurso não foi, portanto, de apaziguamento. Pelo contrário, Kadhafi prometeu lutar pela revolução “até à última gota de sangue”. Identificou os jovens manifestantes com drogados, ao serviço de poderes estranhos aos interesses da Líbia, manipulados por potências estrangeiras.
Sublinhou que a situação da Líbia é muito diferente da da Tunísia e da do Egipto, explicou que não se demitiria, porque quem exerce o poder é o povo, cabendo-lhe a ele apenas a defesa da revolução: o guia.
Sem conhecer a situação na Líbia, principalmente do ponto de vista da distribuição da riqueza e das expectativas dos jovens, é difícil opinar sobre os efeitos do discurso na sociedade líbia. Para quem está de fora parece um discurso de resistência, sem perspectivas nem concessões. O discurso, todavia, não é exclusivamente destinado aos líbios. É também um discurso para o Ocidente. Daí que tenha brandido a ameaça do “perigo islâmico” e que tenha também lembrado as reacções ocidentais relativamente a certos acontecimentos repressivos, como quem pede agora a mesma compreensão para o que possa vir a contecer.
Numa palavra: o discurso, com excepção do tom inflamado com que foi proferido, não anda muito longe do que ontem foi dito pelo seu filho. A ideia mestra é a mesma.
O agravamento da situação na Líbia vai obrigar a Europa, mais do que os Estados Unidos, a tomar medidas com que não contava. Até aqui a Europa entregou a sua “segurança” aos ditadores e aproveitou a “estabilidade” por eles proporcionada para realizar excelentes negócios. Em troca fez que deu alguma liberdade de comércio ao Mediterrâneo, embora na realidade lhe tenha dado muito pouco ou quase nada: a possibilidade de exportar para a União Europeia alguns produtos agrícolas, sempre com muita resistência dos países do sul, principais prejudicados pela concorrência árabe. A partir de agora, se quiser realmente contribuir para o desenvolvimento desses países vai ter que transferir muita tecnologia e capital, o que, tendo em conta o modo como se organiza economicamente o norte, parece uma tarefa impossível.
Certamente que ninguém previa esta “aceleração” da História, mas desde há muito várias vozes, no interior da União Europeia, quase todas fora das suas instituições, iam alertando sobre a necessidade de olhar para o Mediterrâneo de outra maneira. Vozes que ninguém ouvia, ou que, quando eram escutadas, era apenas para atender a aspectos parcelares e superficiais da questão, como a emigração. Cada um estava interessado em tratar dos seus negócios, fossem eles graúdos ou miúdos, deixando que as coisas fossem correndo por si. O que não admira, porque é assim que o capitalismo, no essencial, actua.
1 comentário:
Doutor Correia Pinto, permita-me dizer-lhe que as "revoluções" incentivadas de fora nunca deram grande resultado.
A verdadeira revolução é a que é promovida de dentro para fora.
Nunca poderia ser a União Europeia, os EUA, a China, ou outra potência estrangeira, a promover uma mudança de poder nesses países. Das vezes que isso foi tentado no passado, chamou-se, e com razão, um mero golpe de estado de modo a pôr no poder gente de acordo com os interesses dos homens de negócios que têm sede nos nossos países. Chama a isso "revolução"?
Tenho para mim que devemos ajudar esses países, de modo a haver mais pluralidade e transparência de processos.
Não sei se não era mau se houvesse um fórum onde se definisse o que é a (ou melhor, o mínimo que deve haver para se considerar) democracia: No meu entender, tem de ter, no mínimo, liberdade de expressão, liberdade de associação, igualdade de sexos, igualdade de raças, liberdade religiosa. Chamar democracia a algum regime político que não tenha alguma destas premissas é um abuso!
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