OUTRO PONTO DE VISTA
A moção de censura anunciada pelo Bloco de Esquerda no último debate quinzenal tem dominado, desde então, a cena política portuguesa. Poucos são os que a aplaudem, muitos os que a criticam.
As críticas surgem de todos os lados. Do lado da direita, que, não tendo a certeza de, apoiando-a, vir a ganhar as eleições subsequentes, a qualifica como “frete ao Governo”ou “moção espectáculo”. Do lado do PS, que acusa o Bloco de querer entregar o governo à direita. Do lado da esquerda, que a qualifica de oportunista e incoerente.
Perante tantas críticas, Louçã e mais uns poucos defendem-se como podem, embora não acrescentem nada de muito novo relativamente àquilo que já se tinha ouvido antes.
Salvo o devido respeito, parece que a questão não tem sido bem posta. A moção de censura, qualquer moção de censura, visa derrubar o governo em funções, provocar eleições na esperança de o governo derrubado ser substituído por outro, saído das eleições. É um típico mecanismo da luta parlamentar. E a luta parlamentar, por definição, não provoca grandes alterações. O status quo tende a manter-se, com algumas diferenças de pouca importância.
Quer isto dizer que não há evolução pela via eleitoral parlamentar? Não. Quer antes dizer que a evolução que se regista na via parlamentar começa sempre muito antes, fora do Parlamento. Quando chega ao Parlamento ela já está relativamente consolidada por acção dos meios que hegemonizam o poder ideológico, não sendo, por isso, de estranhar que a mudança gradual operada no Parlamento atinja por igual os partidos que se revezam no poder, não obstante as diferenças puramente retóricas que na aparência mantêm.
No presente momento histórico está patente aos olhos de qualquer observador que os elementos fundadores da “democracia ocidental”: soberania popular, representação, autonomia da decisão, respeito pelos direitos constitutivos da democracia, compatibilização da liberdade com preocupações de justiça social, enfim, os tais "elementos fundadores" em permanente evolução com vista à constituição de sociedades mais harmónicas e participadas foram completamente capturados pela plutocracia.
Hoje não é apenas a soberania nacional que se apaga para dar lugar à submissão a poderes vindos de fora, é também a soberania popular que se esbate ou quase desaparece no contexto de uma bem urdida mistificação democrática que tende, com a ajuda de procedimentos aparentemente legitimadores, a fazer crer que ela continua presente (sem na realidade estar) na maior parte dos domínios da vida política. Daí à ineficácia da representação, ao desrespeito pelos direitos, mesmo os consagrados constitucionalmente, à negação da autonomia das decisões vai uma pequena distância que diariamente vai sendo encurtada com pequenos ou grandes passos.
A moção de censura cria a ilusão de que há, no quadro parlamentar, uma via de solução para estes problemas - os graves problemas resultantes da captura da democracia pelo capital plutocrático. E não há.
Mas isso não significa que não haja soluções. De facto, a situação que actualmente se vive em muitas democracias ocidentais, tanto na Europa, como na América, não pode ser encarada como uma fatalidade. Ela tem causas.
Esta substituição da democracia pela plutocracia resulta de um longo movimento iniciado com Thatcher e Reagan, no início da década de oitenta do século passado, e que depois se foi consolidando, cada vez com mais intensidade, até se instalar como força política dominante e hegemónica. A desregulamentação dos sectores da actividade económica; a privatização de quase todos os sectores de actividade, inclusive os serviços públicos essenciais; o desmantelamento do Estado social; a destruição de qualquer modelo de “engenharia social”, por via de um ataque sem tréguas contra qualquer ideia de solidariedade inspirado numa filosofia ferozmente individualista que diaboliza a simples existência de direitos sociais, laborais ou culturais ; a luta e destruição do Estado intervencionista, reconduzindo-o a um papel de polícia garante da propriedade e, em última instância, da liberdade (do proprietário); finalmente, a substituição da actividade produtiva, como actividade económica dominante, pelo capital financeiro, são alguns dos momentos mais marcantes desta transformação que alterou completamente a natureza dos sistemas políticos em que antes vivíamos.
No entanto, estas causas podem ser alteradas para que outras consequências se produzem. O que não pode é supor-se que elas são alteráveis dentro do quadro que as criou. E aqui é que bate o ponto: quem continuar a pensar que pode produzir novas consequências dentro do quadro que gerou a actual situação está a alimentar ilusões que apenas servem para garantir mais consistência ao “status quo”.
Esta a crítica contundente à moção de censura, nomeadamente num tempo em que não faltam campos de batalha para lutar contra as propostas de consolidação da captura da democracia pela plutocracia de que é exemplo mais recente o “Pacto germano-francês para a competitividade”, a que o Governo, o PSD e o CDS se preparam para dar o seu acordo.
A luta contra este estado de coisas, tanto em Portugal como nas demais partes do mundo que sofrem consequências semelhantes, tende a ser travada por novos actores, mais instruídos, mais cultos, mais informados, que cada vez aceitam menos a marginalização de que são vítimas.
E, certamente, eles não acreditam que seja com “moções de censura” que se lá vá!
A moção de censura anunciada pelo Bloco de Esquerda no último debate quinzenal tem dominado, desde então, a cena política portuguesa. Poucos são os que a aplaudem, muitos os que a criticam.
As críticas surgem de todos os lados. Do lado da direita, que, não tendo a certeza de, apoiando-a, vir a ganhar as eleições subsequentes, a qualifica como “frete ao Governo”ou “moção espectáculo”. Do lado do PS, que acusa o Bloco de querer entregar o governo à direita. Do lado da esquerda, que a qualifica de oportunista e incoerente.
Perante tantas críticas, Louçã e mais uns poucos defendem-se como podem, embora não acrescentem nada de muito novo relativamente àquilo que já se tinha ouvido antes.
Salvo o devido respeito, parece que a questão não tem sido bem posta. A moção de censura, qualquer moção de censura, visa derrubar o governo em funções, provocar eleições na esperança de o governo derrubado ser substituído por outro, saído das eleições. É um típico mecanismo da luta parlamentar. E a luta parlamentar, por definição, não provoca grandes alterações. O status quo tende a manter-se, com algumas diferenças de pouca importância.
Quer isto dizer que não há evolução pela via eleitoral parlamentar? Não. Quer antes dizer que a evolução que se regista na via parlamentar começa sempre muito antes, fora do Parlamento. Quando chega ao Parlamento ela já está relativamente consolidada por acção dos meios que hegemonizam o poder ideológico, não sendo, por isso, de estranhar que a mudança gradual operada no Parlamento atinja por igual os partidos que se revezam no poder, não obstante as diferenças puramente retóricas que na aparência mantêm.
No presente momento histórico está patente aos olhos de qualquer observador que os elementos fundadores da “democracia ocidental”: soberania popular, representação, autonomia da decisão, respeito pelos direitos constitutivos da democracia, compatibilização da liberdade com preocupações de justiça social, enfim, os tais "elementos fundadores" em permanente evolução com vista à constituição de sociedades mais harmónicas e participadas foram completamente capturados pela plutocracia.
Hoje não é apenas a soberania nacional que se apaga para dar lugar à submissão a poderes vindos de fora, é também a soberania popular que se esbate ou quase desaparece no contexto de uma bem urdida mistificação democrática que tende, com a ajuda de procedimentos aparentemente legitimadores, a fazer crer que ela continua presente (sem na realidade estar) na maior parte dos domínios da vida política. Daí à ineficácia da representação, ao desrespeito pelos direitos, mesmo os consagrados constitucionalmente, à negação da autonomia das decisões vai uma pequena distância que diariamente vai sendo encurtada com pequenos ou grandes passos.
A moção de censura cria a ilusão de que há, no quadro parlamentar, uma via de solução para estes problemas - os graves problemas resultantes da captura da democracia pelo capital plutocrático. E não há.
Mas isso não significa que não haja soluções. De facto, a situação que actualmente se vive em muitas democracias ocidentais, tanto na Europa, como na América, não pode ser encarada como uma fatalidade. Ela tem causas.
Esta substituição da democracia pela plutocracia resulta de um longo movimento iniciado com Thatcher e Reagan, no início da década de oitenta do século passado, e que depois se foi consolidando, cada vez com mais intensidade, até se instalar como força política dominante e hegemónica. A desregulamentação dos sectores da actividade económica; a privatização de quase todos os sectores de actividade, inclusive os serviços públicos essenciais; o desmantelamento do Estado social; a destruição de qualquer modelo de “engenharia social”, por via de um ataque sem tréguas contra qualquer ideia de solidariedade inspirado numa filosofia ferozmente individualista que diaboliza a simples existência de direitos sociais, laborais ou culturais ; a luta e destruição do Estado intervencionista, reconduzindo-o a um papel de polícia garante da propriedade e, em última instância, da liberdade (do proprietário); finalmente, a substituição da actividade produtiva, como actividade económica dominante, pelo capital financeiro, são alguns dos momentos mais marcantes desta transformação que alterou completamente a natureza dos sistemas políticos em que antes vivíamos.
No entanto, estas causas podem ser alteradas para que outras consequências se produzem. O que não pode é supor-se que elas são alteráveis dentro do quadro que as criou. E aqui é que bate o ponto: quem continuar a pensar que pode produzir novas consequências dentro do quadro que gerou a actual situação está a alimentar ilusões que apenas servem para garantir mais consistência ao “status quo”.
Esta a crítica contundente à moção de censura, nomeadamente num tempo em que não faltam campos de batalha para lutar contra as propostas de consolidação da captura da democracia pela plutocracia de que é exemplo mais recente o “Pacto germano-francês para a competitividade”, a que o Governo, o PSD e o CDS se preparam para dar o seu acordo.
A luta contra este estado de coisas, tanto em Portugal como nas demais partes do mundo que sofrem consequências semelhantes, tende a ser travada por novos actores, mais instruídos, mais cultos, mais informados, que cada vez aceitam menos a marginalização de que são vítimas.
E, certamente, eles não acreditam que seja com “moções de censura” que se lá vá!
Tudo certo, meu caro. Não é no Parlamento, tem de ser en la calle, mas não creio que a moção de censura, que me parece inoportuna, tenha tão nefastas consequências.
ResponderEliminarDando a volta à argumentação, um defensor da moção até se poderia dizer que ela teria o mérito de demonstrar a ineficácia da luta parlamentar.
V
Esta é uma moção de censura dentro do sistema, porventura , no limite, mas "dentro dele".
ResponderEliminarA análise é profunda, clarividente.
Quanto ao poder do parlamento, o modo como se aceitam as coisas e como tudo vai resvalando não só no mundo capitalista, mas também cá dentro, veja-se a resolução da Assembleia da república 14/2011 hoje publicada, onde está patente a submissão e onde se mostra como é solicitada a revisão das taxas exigidas pelas ARH sobre os recursos hídricos e de como as ARH vivem dessas taxas e de como as suas mordomias são pagas.
Esta mania do PSD só fazer moçöes de censura quando as sondagens lhe convém... mostra bem que näo se importam com as medidas do (des)Governo PS, aliás, eles apoiam-nas, mas como sabem que o povo näo gosta, preferem que sejam "os outros" a fazer o trabalho sujo.
ResponderEliminarHipócritas!
Ao passar esta moçäo de censura fará com que o PS, para garantir os tachos governativos, tenha de dar um ministério ao BE, que será o entrave REAL ao fim do Estado Social. Ou entäo, faz o Bloco Central de interesses com o PSD, porque nesta altura já näo têm vergonha nenhuma, e assumem a sua direitice...
Sem que esteja em desacordo, no essencial, com o JMCP, acho que se deve ter presente que a figura parlamentar de moção de censura é um instrumento de afirmação de posição política de crítica. A boçalidade da nossa comunicação social é que a transformou em instrumento de apenas derrube do governo.
ResponderEliminarIsto não quer dizer que eu concorde com esta moção, mas pelas razões que o CP aponta, não pelas patetices que por aí se escrevem.
A latere. Se eu fosse ministro da educação superior, a minha primeira medida era revogar todos os cursos de comunicação social. Jornalistas devem ser licenciados em letras, história, sociologia, economia, mesmo ciências, tudo o que for cultura, o resto aprende-se na tarimba.
Cem por cento de acordo com o que diz JCV sobre jornalismo.
ResponderEliminarCP