REVIVER O PASSADO EM TRIPOLI
Forças imperialistas e do velho colonialismo matam civis na Líbia em nome da defesa dos “direitos humanos”.
Os “fins humanitários” ou a “defesa da democracia” têm sido, finda a Guerra Fria, os expedientes de que o imperialismo se tem servido para ocupar áreas geográficas estratégicas que, mesmo não sendo verdadeiramente dominadas por potências inimigas, também não estão sob o seu completo controlo: um controlo sem reticências, nem surpresas.
Como aqui frequentemente se tem dito a invocação de fins humanitários, ou sendo mais rigoroso, a intervenção bélica em defesa de um direito, apesar de frequentemente invocado antes e depois da Carta das Nações Unidas, nunca colheu o consenso da comunidade internacional no sentido verdadeiro e próprio do termo, não tendo, por isso, nenhuma norma com esse conteúdo sido formada no direito internacional.
O neo-conservadorismo americano, com uma longa tradição teórica em matéria de relações internacionais, julgou a questão suficientemente amadurecida quando advogou e praticou o fim do multilateralismo e passou a defender coligações geometricamente variáveis consoante o imposto pela defesa dos interesses em presença, os quais, desde que pertencessem ao catálogo, eram por si só suficientes para justificar uma intervenção condizente com o fim em vista.
O pressuposto é conhecido: o modo como um Estado actua no plano internacional depende do modo como ele se comporta internamente. Se, por exemplo, não respeita os princípios democráticos e os direitos humanos, essa questão deixa de ser apenas um assunto interno para passar a ser também uma questão de natureza internacional, porque o modo como um Estado actua internamente molda o seu comportamento na campo internacional.
Forças imperialistas e do velho colonialismo matam civis na Líbia em nome da defesa dos “direitos humanos”.
Os “fins humanitários” ou a “defesa da democracia” têm sido, finda a Guerra Fria, os expedientes de que o imperialismo se tem servido para ocupar áreas geográficas estratégicas que, mesmo não sendo verdadeiramente dominadas por potências inimigas, também não estão sob o seu completo controlo: um controlo sem reticências, nem surpresas.
Como aqui frequentemente se tem dito a invocação de fins humanitários, ou sendo mais rigoroso, a intervenção bélica em defesa de um direito, apesar de frequentemente invocado antes e depois da Carta das Nações Unidas, nunca colheu o consenso da comunidade internacional no sentido verdadeiro e próprio do termo, não tendo, por isso, nenhuma norma com esse conteúdo sido formada no direito internacional.
O neo-conservadorismo americano, com uma longa tradição teórica em matéria de relações internacionais, julgou a questão suficientemente amadurecida quando advogou e praticou o fim do multilateralismo e passou a defender coligações geometricamente variáveis consoante o imposto pela defesa dos interesses em presença, os quais, desde que pertencessem ao catálogo, eram por si só suficientes para justificar uma intervenção condizente com o fim em vista.
O pressuposto é conhecido: o modo como um Estado actua no plano internacional depende do modo como ele se comporta internamente. Se, por exemplo, não respeita os princípios democráticos e os direitos humanos, essa questão deixa de ser apenas um assunto interno para passar a ser também uma questão de natureza internacional, porque o modo como um Estado actua internamente molda o seu comportamento na campo internacional.
E como há países, entre os quais obviamente se conta os Estados Unidos, para os quais a defesa da democracia e dos direitos humanos constituem elementos basilares da sua política externa, na medida em que somente pelo respeito de tais princípios e direitos se assegura a paz mundial, então esses países, em coligação com os que defendem os idênticos princípios, acham-se no direito de intervir militarmente para garantir a paz e proporcionar aos nacionais desses países os tais bens inestimáveis que a intervenção tem em vista alcançar.
Bush actuou ao abrigo deste pressuposto no Iraque, como antes dele já Clinton o tinha feito na Jugoslávia. O império britânico e mais tarde Mussolini e Hitler nunca foram tão cínicos quando actuaram em defesa de um "direito", quase sempre “com fins humanitários”. Foram apenas mentirosos, às vezes até mentirosos excessivamente vulgares.
Obama e a sua estimável Secretária de Estado, acompanhados por aquele a quem o filho de Kadhafi chamou “palhaço”, além, como sempre, dos britânicos, conseguiram, em defesa destes mesmos princípios advogados pela doutrina neo-conservadora, aquilo que nem Bush, nem Clinton tinham antes logrado alcançar: uma resolução do Conselho de Segurança “legitimando” a intervenção.
A este respeito interessa também dizer que, no rigor dos princípios, as deliberações do Conselho de Segurança, segundo a Carta das Nações Unidas, para serem vinculativas exigem uma maioria relativa e uma unanimidade restrita. Maioria relativa dos membros permanentes e não permanentes que em cada momento o compõem e unanimidade restrita dos cinco membros com direito de veto. A abstenção equivaleria, portanto, a um veto. Porém, desde muito cedo, parece ter-se criado dentro da ONU uma norma consuetudinária que ab-rogou aquele entendimento – que é inequivocamente o que decorre da Carta – e o substituiu por um outro segundo o qual somente o voto contra de um dos membros permanentes é impeditivo da vinculação da respectiva deliberação. Tudo isto, porque a União Soviética, aquando da Guerra da Coreia, abandonou a sessão sem participar na votação, tendo desde então a abstenção sido equiparada a um voto não impeditivo da vinculatividade.
E foi o que desta vez se passou: a Rússia e a China “lavaram as mãos”, para ficarem de bem com “Deus” e com o “Diabo”. Por um lado, as potências que queriam agredir a Líbia passam a ter a sua acção denominada como “intervenção” sancionada pela ONU; e, por outro, perante os líbios e o povo árabe, bem como junto dos simpatizantes em geral da não intervenção, a Rússia e a China ficam livres, como já estão a fazer, de criticar o modo como a intervenção está a ser feita e vai continuar a ser feita.
No plano estritamente jurídico esta deliberação é prenhe de consequências. Se, por um lado, ela legitima a intervenção independentemente do modo como se venha a concretizar, ela também não deixará de no futuro ser invocada como precedente justificador de comportamentos semelhantes, principalmente naqueles casos em que antecipadamente se preveja não ser possível alcançar o mesmo resultado através de processos idênticos ao agora usado.
Ou seja, do ponto de vista da paz mundial, a China e a Rússia prestaram um mau serviço à comunidade internacional e deram um contributo muito positivo às teses neo- conservadoras, em última instância, ao desmantelamento progressivo do multilateralismo, apesar de na aparência se ter passado o contrário.
Do ponto de vista político, a agressão em curso é desastrosa. Desastre que a presença na dita coligação de Marrocos, Qatar, Emiratos Árabes Unidos, Jordânia e Iraque só agrava. Ela terá consequências funestas para o futuro relacionamento entre o Ocidente e os árabes e os muçulmanos em geral. Como é muito difícil admitir que haja tanta gente estúpida à frente dos governos das “potências coligadas”, a interpretação que parece mais plausível é a de que o Ocidente – que, segundo Amado, sempre muito bem informado, estava alarmado com o que se estava a passar na margem sul do Mediterrâneo, por antever, nomeadamente para a Europa, o mais grave acontecimento ocorrido depois da II Guerra Mundial – quer acabar com o processo de democratização em curso naqueles países. Quer que tudo se passe de acordo com a sua orientação e segundo o seu controlo.
Aparentemente este resultado vai ser alcançado, como parece que está a acontecer, mas tudo não passará de uma aparência. A “segunda volta”, quando vier, vai ter uma natureza completamente diferente da primeira.
Para terminar, apenas mais uma nota: um outro facto que não pode deixar de ser devidamente ponderado, embora esteja em linha com posições anteriores, é a abstenção da Alemanha. Talvez à luz deste voto na ONU se compreenda melhor a sua política económica na União Europeia…
Bush actuou ao abrigo deste pressuposto no Iraque, como antes dele já Clinton o tinha feito na Jugoslávia. O império britânico e mais tarde Mussolini e Hitler nunca foram tão cínicos quando actuaram em defesa de um "direito", quase sempre “com fins humanitários”. Foram apenas mentirosos, às vezes até mentirosos excessivamente vulgares.
Obama e a sua estimável Secretária de Estado, acompanhados por aquele a quem o filho de Kadhafi chamou “palhaço”, além, como sempre, dos britânicos, conseguiram, em defesa destes mesmos princípios advogados pela doutrina neo-conservadora, aquilo que nem Bush, nem Clinton tinham antes logrado alcançar: uma resolução do Conselho de Segurança “legitimando” a intervenção.
A este respeito interessa também dizer que, no rigor dos princípios, as deliberações do Conselho de Segurança, segundo a Carta das Nações Unidas, para serem vinculativas exigem uma maioria relativa e uma unanimidade restrita. Maioria relativa dos membros permanentes e não permanentes que em cada momento o compõem e unanimidade restrita dos cinco membros com direito de veto. A abstenção equivaleria, portanto, a um veto. Porém, desde muito cedo, parece ter-se criado dentro da ONU uma norma consuetudinária que ab-rogou aquele entendimento – que é inequivocamente o que decorre da Carta – e o substituiu por um outro segundo o qual somente o voto contra de um dos membros permanentes é impeditivo da vinculação da respectiva deliberação. Tudo isto, porque a União Soviética, aquando da Guerra da Coreia, abandonou a sessão sem participar na votação, tendo desde então a abstenção sido equiparada a um voto não impeditivo da vinculatividade.
E foi o que desta vez se passou: a Rússia e a China “lavaram as mãos”, para ficarem de bem com “Deus” e com o “Diabo”. Por um lado, as potências que queriam agredir a Líbia passam a ter a sua acção denominada como “intervenção” sancionada pela ONU; e, por outro, perante os líbios e o povo árabe, bem como junto dos simpatizantes em geral da não intervenção, a Rússia e a China ficam livres, como já estão a fazer, de criticar o modo como a intervenção está a ser feita e vai continuar a ser feita.
No plano estritamente jurídico esta deliberação é prenhe de consequências. Se, por um lado, ela legitima a intervenção independentemente do modo como se venha a concretizar, ela também não deixará de no futuro ser invocada como precedente justificador de comportamentos semelhantes, principalmente naqueles casos em que antecipadamente se preveja não ser possível alcançar o mesmo resultado através de processos idênticos ao agora usado.
Ou seja, do ponto de vista da paz mundial, a China e a Rússia prestaram um mau serviço à comunidade internacional e deram um contributo muito positivo às teses neo- conservadoras, em última instância, ao desmantelamento progressivo do multilateralismo, apesar de na aparência se ter passado o contrário.
Do ponto de vista político, a agressão em curso é desastrosa. Desastre que a presença na dita coligação de Marrocos, Qatar, Emiratos Árabes Unidos, Jordânia e Iraque só agrava. Ela terá consequências funestas para o futuro relacionamento entre o Ocidente e os árabes e os muçulmanos em geral. Como é muito difícil admitir que haja tanta gente estúpida à frente dos governos das “potências coligadas”, a interpretação que parece mais plausível é a de que o Ocidente – que, segundo Amado, sempre muito bem informado, estava alarmado com o que se estava a passar na margem sul do Mediterrâneo, por antever, nomeadamente para a Europa, o mais grave acontecimento ocorrido depois da II Guerra Mundial – quer acabar com o processo de democratização em curso naqueles países. Quer que tudo se passe de acordo com a sua orientação e segundo o seu controlo.
Aparentemente este resultado vai ser alcançado, como parece que está a acontecer, mas tudo não passará de uma aparência. A “segunda volta”, quando vier, vai ter uma natureza completamente diferente da primeira.
Para terminar, apenas mais uma nota: um outro facto que não pode deixar de ser devidamente ponderado, embora esteja em linha com posições anteriores, é a abstenção da Alemanha. Talvez à luz deste voto na ONU se compreenda melhor a sua política económica na União Europeia…
Caro JMCorreia-Pinto,
ResponderEliminarFaço link...
Grande abraço.
A isso os ingleses chamam "fucking for virginity"...
ResponderEliminarO mais inacreditável é ainda haver pessoas crédulas a ponto de acreditarem nos proclamados propósito humanistas dos forças imperialistas. A natureza destas forças aparece hoje documentada numa série de fotografias tiradas à tropa civilizadora no Afeganistão apesar de, pelo menos aí, estarem a levar uma coça, se bem que não nutra qualquer simpatia pela outra parte.
ResponderEliminarNG