SOBRESSALTO CÍVICO?
É um discurso rasca, porque é um discurso fraco. É um discurso em que ninguém sai a ganhar. Em que o principal perdedor é o seu autor. E quando um acto que praticamos tem o efeito tendencialmente oposto ao que pretendíamos alcançar manda a inteligência que seja imediatamente repensado o que fizemos.
À medida que o tempo passa e se relêem algumas passagens do discurso de Cavaco Silva na tomada de posse do seu segundo mandato cresce a indignação junto de largos sectores da sociedade portuguesa pela atitude assumida pelo Presidente da República num dos momentos mais críticos da história contemporânea de Portugal.
Cavaco fez uma análise limitada da situação existente: limitada pelos instrumentos de análise que utilizou e limitada também por ter feito um uso sectário e de facção desses parcos instrumentos.
Cavaco desuniu no pior sentido do termo: desuniu porque foi faccioso; porque lançou os emocionalmente portugueses uns contra os outros quando eles mais do que nunca careciam de estabilidade emocional para no confronto sereno e lúcido das suas divergências encontrarem linhas de rumo do futuro.
Cavaco desprezou elementos determinantes na presente situação que nenhum homem de média instrução teria postergado. E fá-lo mais uma vez por sectarismo e por limitação intelectual (a limitação intelectual não decorre apenas da nossa própria limitação mas também do desprezo pelas capacidades e aptidões alheias).
A crise financeira internacional que desencadeou todas as crises por que o mundo agora passa e pelas quais vai continuar a passar por tempo ainda indeterminado não é considerada no discurso de Cavaco. Melhor: é considerada como um não elemento da presente situação. Cavaco assim o entende, como se tem visto por anteriores intervenções, por considerar natural e normal que os “mercados” ajam sem limitações nem regulamentações no “comércio” dos produtos financeiros. Esta visão facciosa da compreensão dos factos tende a imputar as responsabilidades não àqueles que promovem os negócios e jogam com a sorte da economia mundial com base em virtuais, mas muitíssimos lucrativos, produtos financeiros, mas aos que não resistem às facilidades da conjuntura e tentam tirar também partido e proveito da respectiva situação.
Mas é também por limitação intelectual que Cavaco, no seu profundo provincianismo, tenta fazer passar a ideia da crise como um produto português. Um produto que teria sido evitado se se tivesse seguido os seus sábios conselhos. Nesta outra perspectiva Cavaco apela ao entendimento simplista do homem inculto, que na estreiteza da sua compreensão, não está devidamente capacitado para abarcar a complexidade do mundo actual.
Mas o discurso é também, como já foi dito noutro post, demagógico, perigosamente demagógico. Quando Cavaco fala em “sobressalto cívico” ou tenta cavalgar o anunciado protesto da “Geração à rasca”, o que pretende realmente o Presidente da República? O recurso a meios não institucionais por apelo directo daquele que tem por missão assegurar o regular funcionamento das instituições constituirá para a generalidade das pessoas algo de difícil compreensão. Mas mesmo que se entenda legítimo tal apelo, nomeadamente em contextos que o possam justificar, sobra sempre a imensa e perigosa dúvida sobre o conteúdo e sentido desse apelo.
Sem palavras que o explicitem, sem gestos inequívocos que o tornem imediatamente compreensível, a tentação de qualquer intérprete é entendê-lo a partir da personalidade conhecida de quem o faz. E de Cavaco, em matéria de “sobressalto cívico” ou de luta juvenil, conhece-se muito pouco e o pouco que se conhece não é muito recomendável.
De facto, não há notícia de qualquer participação do jovem Cavaco nas lutas estudantis do seu tempo, contra a ditadura e a guerra colonial. A manifestação mais conhecida foi aquela que agora veio a público durante a campanha eleitoral através da publicação de uma fotocópia de uma ficha que entregou na PIDE, segundo o próprio para consulta de documentos reservados.
E depois durante a vida política conhecida, o grande “sobressalto cívico” por que todos passámos durante os dez anos de governação cavaquista, com dinheiro a rodos vindo de Bruxelas, foi aquilo que em Espanha, na mesma altura, ficou conhecido como a “cultura del pelotazo”.
Fortunas que se faziam quase da noite para o dia, o começo de uma grande promiscuidade entre a política e os negócios, enfim o fim de uma época e o começo de uma outra bem diferente da anterior.
Onde está o “sobressalto cívico” de um orçamento que Cavaco, por intermédio dos seus amigos políticos, em grande medida também impôs? Onde estão as propostas de Cavaco que contrariem a política recessiva imposta pela ortodoxia neoliberal de Bruxelas?
Se Cavaco quer algo que vá muito para além disto ou muito diferente disto, então vai ter de o explicar muito claramente. Mas aí resta sempre uma dúvida e sobra uma certeza: está Cavaco disponível para se demitir do cargo que ocupa e recandidatar-se de seguida como líder partidário para, pelo voto, voltar a governar o país? É que fora deste contexto Cavaco não vai ter qualquer hipótese de o fazer, salvo subversão completa das instituições. Só que nesse caso haverá mais actores …
É um discurso rasca, porque é um discurso fraco. É um discurso em que ninguém sai a ganhar. Em que o principal perdedor é o seu autor. E quando um acto que praticamos tem o efeito tendencialmente oposto ao que pretendíamos alcançar manda a inteligência que seja imediatamente repensado o que fizemos.
À medida que o tempo passa e se relêem algumas passagens do discurso de Cavaco Silva na tomada de posse do seu segundo mandato cresce a indignação junto de largos sectores da sociedade portuguesa pela atitude assumida pelo Presidente da República num dos momentos mais críticos da história contemporânea de Portugal.
Cavaco fez uma análise limitada da situação existente: limitada pelos instrumentos de análise que utilizou e limitada também por ter feito um uso sectário e de facção desses parcos instrumentos.
Cavaco desuniu no pior sentido do termo: desuniu porque foi faccioso; porque lançou os emocionalmente portugueses uns contra os outros quando eles mais do que nunca careciam de estabilidade emocional para no confronto sereno e lúcido das suas divergências encontrarem linhas de rumo do futuro.
Cavaco desprezou elementos determinantes na presente situação que nenhum homem de média instrução teria postergado. E fá-lo mais uma vez por sectarismo e por limitação intelectual (a limitação intelectual não decorre apenas da nossa própria limitação mas também do desprezo pelas capacidades e aptidões alheias).
A crise financeira internacional que desencadeou todas as crises por que o mundo agora passa e pelas quais vai continuar a passar por tempo ainda indeterminado não é considerada no discurso de Cavaco. Melhor: é considerada como um não elemento da presente situação. Cavaco assim o entende, como se tem visto por anteriores intervenções, por considerar natural e normal que os “mercados” ajam sem limitações nem regulamentações no “comércio” dos produtos financeiros. Esta visão facciosa da compreensão dos factos tende a imputar as responsabilidades não àqueles que promovem os negócios e jogam com a sorte da economia mundial com base em virtuais, mas muitíssimos lucrativos, produtos financeiros, mas aos que não resistem às facilidades da conjuntura e tentam tirar também partido e proveito da respectiva situação.
Mas é também por limitação intelectual que Cavaco, no seu profundo provincianismo, tenta fazer passar a ideia da crise como um produto português. Um produto que teria sido evitado se se tivesse seguido os seus sábios conselhos. Nesta outra perspectiva Cavaco apela ao entendimento simplista do homem inculto, que na estreiteza da sua compreensão, não está devidamente capacitado para abarcar a complexidade do mundo actual.
Mas o discurso é também, como já foi dito noutro post, demagógico, perigosamente demagógico. Quando Cavaco fala em “sobressalto cívico” ou tenta cavalgar o anunciado protesto da “Geração à rasca”, o que pretende realmente o Presidente da República? O recurso a meios não institucionais por apelo directo daquele que tem por missão assegurar o regular funcionamento das instituições constituirá para a generalidade das pessoas algo de difícil compreensão. Mas mesmo que se entenda legítimo tal apelo, nomeadamente em contextos que o possam justificar, sobra sempre a imensa e perigosa dúvida sobre o conteúdo e sentido desse apelo.
Sem palavras que o explicitem, sem gestos inequívocos que o tornem imediatamente compreensível, a tentação de qualquer intérprete é entendê-lo a partir da personalidade conhecida de quem o faz. E de Cavaco, em matéria de “sobressalto cívico” ou de luta juvenil, conhece-se muito pouco e o pouco que se conhece não é muito recomendável.
De facto, não há notícia de qualquer participação do jovem Cavaco nas lutas estudantis do seu tempo, contra a ditadura e a guerra colonial. A manifestação mais conhecida foi aquela que agora veio a público durante a campanha eleitoral através da publicação de uma fotocópia de uma ficha que entregou na PIDE, segundo o próprio para consulta de documentos reservados.
E depois durante a vida política conhecida, o grande “sobressalto cívico” por que todos passámos durante os dez anos de governação cavaquista, com dinheiro a rodos vindo de Bruxelas, foi aquilo que em Espanha, na mesma altura, ficou conhecido como a “cultura del pelotazo”.
Fortunas que se faziam quase da noite para o dia, o começo de uma grande promiscuidade entre a política e os negócios, enfim o fim de uma época e o começo de uma outra bem diferente da anterior.
Onde está o “sobressalto cívico” de um orçamento que Cavaco, por intermédio dos seus amigos políticos, em grande medida também impôs? Onde estão as propostas de Cavaco que contrariem a política recessiva imposta pela ortodoxia neoliberal de Bruxelas?
Se Cavaco quer algo que vá muito para além disto ou muito diferente disto, então vai ter de o explicar muito claramente. Mas aí resta sempre uma dúvida e sobra uma certeza: está Cavaco disponível para se demitir do cargo que ocupa e recandidatar-se de seguida como líder partidário para, pelo voto, voltar a governar o país? É que fora deste contexto Cavaco não vai ter qualquer hipótese de o fazer, salvo subversão completa das instituições. Só que nesse caso haverá mais actores …
Caro JMCPinto...
ResponderEliminar... e agora? Este é o melhor texto que li sobre a matéria e, sinceramente!, gostaria de o ter escrito!... Por isso, senti-me obrigada a alterar a ordem dos anteriores links para que este constasse no sítio certo!
Espero que me perdoe a ousadia! :)
Abraço.
Perante a realidade dos factos, é difícil fazer ou dizer seja ou o que for, sem levantar inúmeras questões.
ResponderEliminarSeja o Cavaco Presidente ou não, diga ele o que disser, ou ficar calado, nada altera o rumo dos acontecimentos. O problema reside nos Portugueses, só isso. Tudo o resto não existe, ou se existe, então procurem na Alemanha, porque Bruxelas é só um ponto geográfico no contexto. Afinal quem financia? Toda a conjuntura económica que se viveu em Portugal desde meados dos anos 80 e toda a década seguinte é de pura imbecilidade e maus costumes - tudo muito à "moda" Portuguesa - leia-se a história.
Aqui, pode-se considerar Cavaco e Sócrates intragáveis, estaremos de acordo, eventualmente não serão os mais capazes no contexto, mas mesmo tendo à disposição os melhores para governar Portugal, seria sempre necessário mudar, acima de tudo a mentalidade dos Portugueses, a começar por mim e por si. Um abraço.
Joao Oliveira
e se, nos dois terços do discurso rasca do Venerando...
ResponderEliminarJSocrates se tivesse levantado
dirigido ao pulpito presidencial...
e perante o seu teor anti-tudo o que as normas e o bom senso indiciam
apresentasse pura e simplemente a demissão do governo....
Que aconteceria a seguir,
que imagem e custos, Portugal teria que suportar à cause dum ego doente, rancoroso, mal formado,
incompatibilizado com os intresses maiores do país???
abraço
Brilhante!
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