sexta-feira, 8 de abril de 2011

CONVERGÊNCIA E ALTERNATIVA


ESTÁ NA HORA


Está na hora de a Esquerda se unir e propor um caminho diferente para Portugal.

Nem a União da Esquerda, nem o novo caminho para Portugal são fáceis de alcançar e de trilhar. Mas não há alternativa. Os caminhos que foram seguidos pela democracia constitucional posterior a Abril estão esgotados. É preciso encetar outros.

A recente conjuntura portuguesa marcada pela chamada crise da dívida – um epifenómeno de males muito mais profundos – proporciona essa possibilidade.

O encontro que hoje teve lugar na Assembleia da República entre o PCP e o BE tem que constituir o primeiro passo para uma política de convergência nacional em torno de objectivos comuns, exequíveis e compreensíveis pela generalidade do povo português, que deveriam ter a sua expressão prática numa aliança pré-eleitoral potenciadora do eleitorado de esquerda.

Nessa Convergência, além das forças orgânicas, PCP, BE e PEV, tem igualmente que participar a múltipla Esquerda Independente que, não se revendo completamente naqueles partidos ou não aceitando filiações partidárias, converge com eles na busca de um caminho alternativo alicerçado em políticas e desígnios radicalmente diferentes dos que Portugal tem seguido nestas últimas três décadas.

Começando pela superfície das coisas: os “programas de ajuda e resgate” proporcionados pela União Europeia, com a colaboração do FMI, não têm a menor possibilidade, por maior que seja a austeridade imposta a Portugal, e por mais drástico que seja o ajuste orçamental proposto, de relançar o país na senda do crescimento e do progresso. Não há crescimento com políticas recessivas, nem há nesses programas nenhuma saída para a espiral de endividamento que os seus pressupostos necessariamente impõem.

O que se está passando com a crise da dívida dos países periféricos, mais não é, no fundo, do que o reflexo da grande crise europeia originada pela forte participação na vida económica mundial dos países emergentes. A Estratégia de Lisboa, que visava tornar a União Europeia no espaço económico mais competitivo à escala mundial, não passa hoje de uma miragem, de uma ilusão, que os factos se encarregaram de evidenciar e desmentir.

Posta perante a concorrência dos grandes países emergentes, que passa por salários mais baixos do que os europeus, por menos protecção social e ambiental, mas também pelo conhecimento e, nalguns casos, pelos extraordinários recursos naturais de que são dotados, a Europa, antes de mais nada por imposição do seu próprio capital deslocado em busca de margens de lucros muito mais altas e também por força das doutrinas monetaristas que exigem uma taxa de inflação permanentemente baixa, abriu-se, como inevitavelmente teria de acontecer, aos produtos daqueles países.

As economias mais fortes, mais competitivas e que continuam a dominar as grandes franjas do comércio mundial, resistiram parcialmente ao embate e “empurraram” a parte restante das perdas para os países periféricos, compensando, assim, com o aumento das suas exportações para estes, em mercadorias e capitais, os prejuízos sofridos pela emergência dos novos grandes países na economia internacional. Se é certo que tais perdas podem ser conjunturalmente atenuadas pela excessiva valorização da moeda nalguns desses países, como acontece actualmente com o real, a verdade é que não vai ser por essa via, aleatória e, em larga medida, incontrolável, que o capital procurará resistir ao impacto dos novos tempos. Não vai ser, nem está a ser.

O que o capital está fazendo em cada país europeu é “empurrar” a crise para o trabalho, ou seja, tornando mais competitivo o produto final, a partir de reduções progressivas, mas permanentes, dos custos laborais em todas as suas componentes: salários, saúde, educação, habitação, segurança social e demais conquistas sociais das últimas seis décadas, nomeadamente pela via da extrema flexibilização e precariedade da relação laboral.

E estes efeitos que existem por todo a Europa fazem-se sentir tanto mais fortemente quanto mais fraco é economicamente o país em questão, que é vítima da acção conjugada de dois factores que, embora tendo o mesmo denominador comum, o atingem dramaticamente ao mesmo tempo: os efeitos da periferia já acima referidos, em que o capital dos mais fortes “empurra” a crise para os mais fracos, e a voragem do capital na busca incessante de lucros à custa do embaratecimento do trabalho genericamente considerado.

Perante este quadro, poderia supor-se que, uma certa convergência e acção concertada entre países periféricos, constituiria um primeiro passo para a criação de uma diferente correlação de forças capaz, senão de alterar, pelo menos, de atenuar o rumo das coisas.

Neste blogue, fez-se de certa forma a defesa desta alternativa, mal a crise grega se desencadeou.

Entretanto, o tempo, factores idiossincráticos, a própria lógica de funcionamento do capital, o sistema de dependência hegemónica em que estão inseridos demonstraram que tal hipótese não tem qualquer viabilidade e corria ainda o risco de se transformar ela própria numa simples manobra de diversão que apenas atrasaria a busca de uma verdadeira alternativa.

Por outro lado, a maior proximidade com a Espanha que, em tempos de crise, alguns sempre têm defendido, é desmentida pela história e pela radical separação entre os dois países ibéricos, por muito que outra seja, em certas épocas, a retórica dominante. E há razões para isso: como dizem os bascos, e com razão, não há nada mais parecido com um espanhol de direita do que um espanhol de esquerda.

Os espanhóis e os seus governantes, chamem-se eles González, Aznar ou Zapatero, para citar apenas os mais recentes, continuam a ter na “cabeça” o Carlos V e o Filipe II, que ainda hoje são a matriz da sua política externa na Europa e na América Latina.

Não há identidade possível a partir daqueles pressupostos, agora, como nunca houve no passado.

Acreditar que a Europa pode mudar também não é uma boa ideia. A Europa é a que existe, não há outra Europa. A única diferença relativamente à Europa doutrora, imperial, dominadora e colonialista, é a de a actual estar a viver o estertor da sua própria grandeza. Mas isso não lhe altera a natureza, pelo contrário, agrava-lhe os defeitos.

É, porém, óbvio que Portugal está na Europa. A Europa é a nossa incontornável fatalidade geográfica. E Portugal sempre soube viver com isso. Mas nunca se hipotecou como hoje a uma visão quase exclusivamente europeísta da sua existência. Buscou e alcançou outros equilíbrios. A sul e no mar. E é isso que Portugal tem de fazer hoje: tem de quebrar esta sua relação desequilibrada com a Europa, que arruína a sua existência, põe em causa a sua dignidade e constitui, pela perda permanente da sua auto-estima, pela vulgarização da subserviência, o caminho mais curto para o seu desaparecimento como nação milenária.

Há outras vias e a Esquerda deve buscá-las!


ADITAMENTO

Desta vez até vou usar a primeira pessoa do singular, coisa raríssima neste blogue. Mas como não me sentir honrado se a análise que aqui foi feita da crise na sua relação entre o centro e a periferia é completamente confirmada por este brilhante texto de Paul Krugman?

Mas é claro que esta análise político-económica da crise serve apenas para confirmar a tese de que a Europa não é via, a não ser para os devotos da via-sacra.

Será que não percebem? Será que há um tempo político de percepção dos fenómenos político-sociais muito diferente do tempo normal de intelecção da realidade circundante?

11 comentários:

António J.Campos disse...

Concordo em absoluto com o que delineou neste seu post, mas temo que as 'esquerdas' não consigam encontrar os pontos essenciais de convergência que possam efectivamente constituir uma alternativa consistente. Estou a pensar na evolução recente da Islândia que poderia ser um grande ponto de referência.

Rogério G.V. Pereira disse...

Texto enxuto, análise lúcida. Alguns pontos em que não convergimos não alteram o meu apreço... Tomar os espanhóis como um todo (vejamos o que acontecerá com as tendências separatistas)e a história como um referencial, sem dinâmica nem dialéctica, podem ser pontos discutíveis (mas a reflectir) das ideias que exprime.

Porque pensa fora do quadrado, o meu obrigado

Anónimo disse...

Se A esquerda se comportar como uma esquerda moderada.."A Lula" o meu voto e sem divida para a esquerda unida.

Anónimo disse...

Concordo. Falata apenas definir a via a seguir: a cubana ou a norte-coreana?

Anónimo disse...

Gostei muito do último comentário. A inteligência e sua falta não são muito comuns. O mais vulgar é o meio-termo. A falta de inteligência, pela sua singularidade, é sempre muito apreciável.
Votos de boa continuação...

Anónimo disse...

O autor tem ideias, maioritariamnete acertadas. No entanto, parece nutrir uma especial simpatia pelos nacionalismos, nomeadamente os independentismos espanhóis. Para além dos resultados a que têm conduzido em várias partes do mundo (cáucaso, balcãs etc e o que aí virá)é interessante acompanhar muito da argumentária dos bascos e também catalães relativamente à Andaluzia, por exemplo, "Alimentam preguiça a ciganada" e outros mimos nossos conhecidos provebnientes de outras paragens. Os portugueses (ou portuguesistas) têm um problema do foro psicanalítico com a Espanha mas também com o Brasil. Custa-lhes a compreender a irrelevância do rectângulo face ao peso que a Espanha ainda tem no seu antigo império. Pois eu sou dos que pensam que haveria a ganhar com uma integração, não necessariamente estatal, do espaço peninsular.Há a ilusão do "interland" basileiro e africano! Se os espanhois em parte nos ignoram, os brasileiros tentam mostar que nada têm a ver com os portugueses.

Anónimo disse...

Ao Sr ANONOMO com o devido respeito vou ter que lhe
dizer que a intelegencia pode ou pode nao ser avaliada apenas por uma intelegencia "anonima"Com as minhas
modestas opineoes so penso expresar do melhor o que sei. Foi o que me ensinaram na escola de Ciencisas Politicas, com o BA e MA e tambem na escola de direito neste Pais. E para alem de membro do Internacional bar e ainda do ABA and NBA. E mesmo, quando pratico o direito humano, so sei que muitas vezes nao sei nada.E peco aos teoricos uma ajuda.Falta me sempre saber tudo aquilo que o Sr" anonimo" me esconde!

Anónimo disse...

A via a seguir pode nao ser nem Cuba nem Norte Coreia, mas sempre que numa sociedade o Poder esteja dividido em 50% ao povo e os outros 50% aos escolhidos pelo Povo poderemos encontrar uma sociedade mais justa. Esta provado que este sistema esta falhado. E o Povo ja "em todo o Mundo" nos esta a provar que a modanca e necssaria. A revolcao Mundial esta para vir. Isto e ate onde a minha intelegencia pode chegar.Os meus respeitos por si.Sr Anonimo.

JM Correia Pinto disse...

Sobre a simpatia do Autor pelos nacionalismos. De forma alguma. pelo contrário, muito internacionalista. Mas uma coisa é ser internacionalista, outra é não atender ao que se passa. E o que se passa quase por todo lado é um acérrimo nacionalismo: a defesa dos interesses nacionais a qualquer preço. Em terra alheia, se necessário, invocando os "direitos do homem"; em casa, violando-os escandalosamente.
E quanto mais fraco e frágil é o oponente, mais o nacionalismo dos grandes se exacerba.
Quanto à Espanha: nenhuma simpatia pela vocação hegemónica de Castela. Mas Castela não passa hoje de uma metáfora. Com excepção dos bascos e de muitos catalães tudo é Castela em Espanha.
E, claro, quem pode concordar com a política anti-democrática da Espanha no País Basco? Ainda não é como a da Israel, mas já tem muitas semelhanças

Anónimo disse...

Prezado Correia Pinto,
Pegando na ideia que expos sobre os nacionalismos espanhois e a posicao de Portugal neste contexto, parece-me que se a Espanha vier a evoluir para uma Confederacao de Estados, Portugal nao podera devera ficar de fora sob pena de aprofundar ainda mais a sua posicao quase ultraperiferica
Jorge Lopes

Anónimo disse...

Ainda sobre os nacionalismos

Concordo com o comentário do autor ao comentário talvez um pouco atabalhoado, que eu fiz, com um senão: eu, se fosse espanhol, fecharia os olhos aos eventuais atropelos da lei pelo Estado espanhol. Para lá da independência de um estado que nunca existiu, perpassa muito de "nazismo" na "ideologia" independentista, pode crer. Aquilo de que se possa acusar o Estado não justifica a extorsão e o assassínio de pessoas comuns como prática política. No resto, concordo em 99%, incluindo o "post" que afixou a seguir

NG