quarta-feira, 8 de junho de 2011

MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, SEMPRE UMA GRANDE DIFICULDADE




E DESTA VEZ, COMO SERÁ?

Em todos os grandes países, e também nos pequenos, constitui uma honra, uma grande honra, desempenhar o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros. E compreende-se porquê. É muito por via da sua acção que se defendem no exterior os interesses nacionais. Como alguém dizia, a política externa mais não é do que a defesa do interesse nacional na ordem externa. É por isso que nos Estados Unidos, na Rússia, na China, no Brasil, mas também em França, na Alemanha, em Espanha e em tantos outros países a escolha da pessoa encarregada de exercer a função é rodeada das maiores cautelas e em muitos deles exige-se quase uma espécie de homologação consensual dos representantes do povo.

Em Portugal, depois do vinte e cinco de Abril todas estas exigências foram irresponsavelmente aligeiradas. Não assim, como se sabe, no tempo da ditadura. Salazar exerceu ele próprio a função nos períodos mais críticos da sua governação e nos demais casos as pessoas escolhidas, sem excepção, não suscitavam as menores reservas quanto ao seu empenhamento na defesa do interesse nacional tal como o governo da época o definia.

Não interesse agora fazer qualquer juízo de valor sobre o modo de definição do interesse nacional, nem tão-pouco qualquer avaliação dos resultados da defesa desse interesse. O que importa é sublinhar a fidelidade à defesa desse interesse, sem tergiversações, nem concessões ou simpatias pela defesa de interesses alheios.

Na ditadura salazarista são conhecidos, ao nível de embaixador, os dois casos de relativo desalinhamento ou de incumprimento das instruções recebidas bem como as consequências que lhes estão ligadas. E nem sequer se pode supor que tais comportamentos mais não foram do que tentativas corajosas -  aliás uma delas nada tem de corajoso -  de erguer uma voz diferente contra a ditadura, já que não foram essas as motivações para os comportamentos “dissidentes”, nem tão-pouco se deve afirmar que os comportamentos “alinhados” tinham como verdadeira razão de ser o constrangimento ditatorial que a todos exigia uma obediência sem reservas.

Embora esse constrangimento evidentemente existisse, a verdade é que ao nível a que estamos a tratar, que é de pares do regime, ele tinha pouco significado. Esse problema punha-se a outros níveis de subordinação funcional de que o caso de Aristides Souza Mendes, qualquer que tenha sido a sua verdadeira dimensão, é porventura o mais significativo

Infelizmente, com a democracia passou haver uma interpretação muito lata do desempenho das funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros e, pior do que isso, muito autónoma. Até ao fim da Guerra Fria exigia-se (como não podia deixar de ser) que o responsável pelo cargo fosse um indefectível defensor do “mundo livre”, do “ocidente” e, por extensão, um “atlantista”. Esta focalização do Ministro na defesa de amplos interesses genéricos que pela sua magnitude e natureza tendem a tornar difuso e secundário o interesse nacional – tanto mais secundário quanto mais pequeno for o país em questão – fez com que o “bom ministro” fosse aquele que mais estima merecia dos seus homólogos, exactamente por estes o considerarem com a capacidade geoestratégica de entender o que realmente era importante para a defesa do interesse comum (sempre definido em função dos interesses dos mais fortes) e ficarem por essa razão dispensados de ter de aturar a defesa das minudências da política nacional que esses mesmos ministros teoricamente representavam.

Com o fim da Guerra Fria esta tendência não se esbateu necessariamente em todos os casos, antes tendeu a manter-se e a ver associada a ela uma outra não menos gravosa no seio da União Europeia que levou a um alinhamento acrítico com as posições dos grandes Estados, numa atitude muito típica de um diplomacia que vê na ausência de conflitos dentro do grupo em que se insere o caminho mais eficaz para obtenção de hipotéticas vantagens que de outro modo lhe seriam negadas. Assim como que uma espécie de dádiva concedida por simpartia a quem sabe viver sem levantar problemas.

Portugal sofre hoje as consequências desta atitude que tem sido recorrente na sua diplomacia mais recente, com excepção dos – poucos, muito poucos - que ousaram desafiar a linha política dominante para defender uma real aproximação de Portugal com as ex-colónias, nomeadamente Angola.

E se é grave, muito grave, que um Ministro dos Negócios Estrangeiros seja considerado pelos representantes de outro país como um grande amigo desse país, uma espécie de fiel intérprete dos seus interesses, não é menos grave que o Ministro seja alguém relativamente ao qual recaiam dúvidas sobre a sua real liberdade de acção face a outro ou outros países em virtude de factos anteriormente ocorridos e ainda não judicialmente esclarecidos, nomeadamente quando alguns dos principais problemas com que o país se defronta vão ter necessariamente de passar por negociações difíceis com o tal ou tais países.

3 comentários:

  1. Com este enquadramento fazem muito sentido as criticas de Ana Gomes.

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  2. Em Portugal, e não só, para ser MNE é primeira condição a certificação "Nato Ready". O resto ninguém quer saber o que anda a fazer, daí ser sempre o ministro com mais cotação (por aparecer com frequência ao lado dos grandes, será?) no "barómetros". Veja-se o atual titular, mais americanófilo que os americanos.
    LG

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  3. Há dois nomes, individuais, de pessoas concretas, que fal(t)am no postal.
    Um é: Luís Amado. O outro, Paulo Portas.
    Sobre este último falou (e falou muito bem) Ana Gomes, ontem, 7.6.2011.
    Sobre o primeiro, basta apenas recordar o conteúdo de vários documentos revelados há meses pela WikiLeaks. Que o des-velam como ministro dos americanos, não ministro dos portugueses...

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