terça-feira, 19 de julho de 2011

DA CRISE DO EURO À CRISE DAS PROPOSTAS

A PROPÓSITO DAS "REIVINDICAÇÕES" DE CAVACO

1 - Cavaco agora até já acha que o euro deveria ser desvalorizado e Cadilhe também é de opinião que o nosso problema não pode ser resolvido apenas internamente. Já Assis, fiel a uma certa concepção de Europa que os factos diariamente desmentem, advoga um euro forte…que é disso que a Europa precisa: uma moeda forte!

Um pouco por todo o lado, principalmente nos sectores mais à direita, começa a fazer-se a crítica, para já muito incipiente, à zona euro, embora as coisas sejam ditas com aquele ar de quem está a revelar uma verdade que ninguém antes tinha alcançado.

De Duque a Cavaco, passando por Cantigas, este ainda reticente, está em preparação um novo discurso: nós fizemos, ou estamos dispostos a fazer, tudo o que nos foi exigido. E, todavia, estamos pior do que quando começámos. Logo, a culpa não é nossa. E como só eles (os grandes) têm poder para alterar o rumo das coisas, a responsabilidade deve ser-lhes imputada e não a nós.

Dito assim ou de outro modo, a direita começa a perceber que a situação não tem saída. Ou seja, vai gradualmente oficializando um discurso diametralmente oposto àquele que a levou ao poder. Já o PS, a avaliar pelo que diz Assis, continua muito ligado a uma ideia idílica de Europa e de moeda comum como algo que encerra em si virtudes que só não podem conjunturalmente concretizar-se por falta de liderança política e por a dita moeda estar a ser vítima de ataques traiçoeiros para os quais ainda não foi ainda encontrada a resposta adequada.

Nem sequer o facto de o discurso de Cavaco ter sofrido uma rotação de 180 graus (apenas comparável à de Macário nas portagens) alerta Assis para a ingenuidade de muitas das posições que defende. É quase sempre assim: Assis fala muito, mas nem sempre pensa em conformidade.

2 – A reivindicação de Cavaco, de um euro mais fraco, merece ser analisada, principalmente por vir de um político com provas dadas. Ou seja, de um político que tem sabido manter-se no poder há décadas. Apesar de ser nitidamente uma declaração de natureza política, a análise que dela se fizer terá de envolver alguns juízos de política económica e monetária.

Poder desvalorizar a moeda ou ter uma moeda artificialmente mais baixa que a real cotação do mercado pode trazer, como se sabe, algumas vantagens imediatas. Em princípio, ganha-se competitividade no mercado internacional e por isso vende-se mais; em contra-partida compra-se menos, porque os produtos estrangeiros ficam mais caros. Recebe-se mais e gasta-se menos. Teoricamente, ganha-se dos dois lados, embora haja, para qualquer país, um conjunto de bens que, tendo de ser adquiridos no estrangeiro, ficam tanto mais caros quanto menos valor tiver a moeda do país que os compra.

Quando se fala, a propósito de um “país intervencionado”, nos constrangimentos da zona euro, e se refere, a título de exemplo, a impossibilidade de esse país poder utilizar a desvalorização da moeda como arma para aumentar as exportações, relançando, por via delas, o crescimento, está-se a fazer um juízo pouco claro na medida em que se homogeneíza realidades distintas. Por um lado, pressupõe-se que o país em questão tem uma moeda própria; e, por outro, desvaloriza-se completamente o facto de essa moeda ser comum a vários outros países, todos eles integrados num grande espaço económico, onde pessoas, mercadorias e capitais podem circular livremente.

Daqui resulta, que nestas condições, a desvalorização da moeda comum pode não ter os mesmos efeitos para todos: uns podem tirar disso vantagem e outros, desvantagens. Tudo depende do destino das exportações de cada país e da natureza e quantidade de bens que adquirem fora daquele espaço.

Se, por exemplo, um país tem a maioria das suas exportações de bens e serviços direccionadas para a zona económica a que pertence, e, por outro lado, importa, em dólares, a maioria, ou parte significativa, dos bens imprescindíveis de países exteriores àquela zona, a desvalorização do euro só seria vantajosa, se o que perde nas importações, fosse mais que compensado pelo aumento das suas vendas para fora da zona euro. Nas demais hipóteses, a desvalorização do euro prejudicá-lo-ia.

No caso de Portugal, como a maior parte das suas exportações tem como destino a zona euro, a desvalorização do euro só seria vantajosa se ela se traduzisse num aumento substancial das exportações para fora da zona euro e, simultaneamente, houvesse uma queda das importações (ou o correspondente a importações) exteriores à zona euro, umas e outras susceptíveis de compensar o que se iria pagar a mais pelas importações imprescindíveis provenientes do exterior da zona euro, como, por exemplo, as relativas a cereais e bens energéticos.

Não se sabe se a reivindicação de Cavaco tem por base uma simples intuição política, e desse pressuposto se partiu, ou se pretende ser mais do que isso. Se não for esse o caso, mas antes se tratar de uma “tirada económica do Mestre de Finanças”, então há todas as razões para não a levar a sério, já que o mais provável é que o seu autor não tenha entrado em linha de conta com os múltiplos factores relevantes para o efeito em vista.


3 comentários:

  1. Bom-dia, caro JMCorreia Pinto,
    Fiz link deste e de outro dos seus post's.
    Obrigado.
    Abraço.

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  2. Obrigado, Ana Paula.
    Quanto ao "livro", nada. Se até Setembro o não encontrar, encontrá-lo-ei na Augusto Gil.
    Abraço
    CP

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  3. Sinceramente, não sei onde estudaram e o quê estes economistas da treta.
    Desvalorizar o euro para quê? Em que é que isso ajudaria o nosso país? Quais os destinos privilegiados das nossas exportações?

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