A IMPLOSÃO E A EXPLOSÃO
Para os reaccionários de todos os matizes e racistas empedernidos, o que se passou na Inglaterra tem uma explicação muito simples: bandos de criminosos malcriados, a quem tudo tem sido consentido, ociosamente criados à custa da sociedade que só lhes concede direitos e nada lhes exige em troca, cometem ao menor pretexto a violência gratuita, a destruição e a vandalização generalizada, atingindo pessoas e bens, com completo desprezo pelas mais elementares regras de convivência social.
E, todavia, há fortes razões para supor que os acontecimentos de Inglaterra são uma espécie de prelúdio ou talvez um sinal de futuras convulsões típicas de um sistema que tende para a implosão. Um sistema que tende a rebentar por dentro.
E isso não é uma boa coisa: nada pior do que a implosão de um sistema injusto, irracional, gerador das maiores desigualdades em sociedades de grande prosperidade. A implosão tende a ser aproveitada pelas mesmas forças que a provocaram. A reconstrução tende a fazer-se sob a égide dos que dominaram o sistema implodido.
Não é disso o que nós precisamos. Como o sistema não é reformável, nem sequer nas suas manifestações mais irracionais, o que ele precisa é de ser “explodido”, que é, sociologicamente falando, algo de muito diferente da “implosão”. “Explosão” é, neste sentido, sinónimo de “Revolução”, como algo que implica a rejeição das bases fundamentais do sistema e sua substituição por uma coisa completamente diferente.
De facto, a globalização neoliberal levou, como toda a gente sabe, a uma nova distribuição dos rendimentos: primeiro, à escala mundial; e depois, à escala nacional.
No plano mundial, não obstante as enormes dificuldades experimentadas pelos países menos desenvolvidos na sua penosa adaptação às exigências do liberalismo económico, houve um considerável acréscimo do rendimento dos grandes países da Ásia, da América e até da África que acabou por se reflectir nas condições de vida das respectivas populações. E dentre estes resistiram tanto melhor às crises (como a crise asiática de 1998 e a financeira de 2007) aqueles que mais obstáculos levantaram à liberalização de capitais e que mais distanciados se mantiveram dos ditames do FMI.
Já no plano nacional dos chamados países desenvolvidos, não obstante o crescimento verificado, embora a um ritmo mais baixo do que vinha sendo hábito, assistiu-se primeiramente à quebra de alguns dos vectores fundamentais do “pacto social” que desde o fim da Segunda Guerra Mundial tinha progressivamente presidido à distribuição do rendimento entre o capital e o trabalho e, numa segunda fase – que é a que estamos agora a viver –, a uma tentativa já coroada de êxito em algumas vertentes de destruição do estado social e a sua gradual substituição por uma política minimalista de assistencialismo aos excluídos, desempregados e reformados de rendimento inferior ao salário mínimo.
Esta brutal desigualdade na distribuição dos rendimentos, iniciada há quase trinta anos, primeiro através da desregulamentação de praticamente todos os sectores da economia, logo depois seguida pelas inevitáveis consequências dela resultantes (desemprego, abaixamento dos salários reais, etc.), foi “compensada” no interesse do próprio sistema por aquilo a que cinicamente os neoliberais chamam a “democratização” do crédito.
O crédito barato gerado pelos enormes excedentes angariados pelo capital das economias mais competitivas foi durante mais de duas décadas constituindo o sucedâneo indispensável para que uma sociedade consumista fosse alimentando o sistema à revelia dos rendimentos reais distribuídos à generalidade dos consumidores – assalariados e trabalhadores por conta doutrem. O resultado está à vista: endividamento generalizado dos países europeus e dos Estados Unidos.
Pois bem, percebe-se que os amotinados de Inglaterra são “filhos legítimos” da sociedade de consumo, não apenas vítimas de uma distribuição cada vez mais desigual dos rendimentos, tanto dos directos como dos indirectos, mas principalmente excluídos do emprego, do crédito e do consumo que diariamente polui as suas mentes com propostas de compra de tudo e mais alguma coisa a que de modo algum podem aceder na proporção das falsas necessidades criadas pelo marketing. Como se viu, o que eles querem é “plasmas”, telefones da última geração, computadores, roupa de marca, etc.
E o que nós precisamos é de quem esteja disposto a lutar pela mudança do sistema ...
Há muito de verdade no que disse, mas será ser reaccionário lamentar que aqueles que foram pilhados e destruidos sejam aqueles mesmos que o seriam num ataque terrorista? Não foi isso que aconteceu? E nada mais?
ResponderEliminarOs bandos que vagueiam pales ruas das cidades inglesas são a imagem da degradação a que o sistema capitalista conduz vastas camadas da população. Como diz o autor o que aqueles rufias querem é tão só fazer figura de "mauzões" e, de caminho, abarbatar toda a quinquilharia que o marketing insidiosamente lhes faz desejar. Parece estranha, mas talvez o não seja, toda a encenação de candura com que a polícia tratou a questão, porque, digo eu, nunca a "rebelião" pôs em causa nada de significativo para o reino e sua magestade.
ResponderEliminarlg
Brixton, 1981, Los Angeles, 1992, Paris, 2005, e agora Londres, 2011,
ResponderEliminarforam pequenos rombos no casco da nau capitalista que já mete água por todos os lados. Parecem ser, na verdade, "uma espécie de prelúdio de futuras convulsões" dum sistema económico moribundo (na verdade até se podem considerar pequenas convulsões, face ao que se poderá avizinhar, quando os que lutam por causas e os indignados se enfurecerem).
O actual capitalismo neoliberal não está bem, nem se recomenda.
A rumar desta forma, a nau irá naufragar. É uma questão de tempo.
Adoro intelectuais!
ResponderEliminarHá algumas décadas que a intelectualidade nos governa, se governa, se alimenta e alimenta a comunicação social dos mais variados sectores, emite, transmite, infunde, difunde, contrapõe, sobrepõe, impõe, induz, conduz, opina, discrimina, rejeita ou exclui, em nome de valores e princípios cujo prometido resultado de leite e mel ainda não entendi quando chegará.
Também eu – que na cabeça de quem, porventura, me começou a ler, já tenho um embrionário epíteto – sempre ouvi e li com a maior atenção e respeito, muito de tudo quanto a intelectualidade tem vindo a produzir ao longos das últimas décadas. E continuarei a fazê-lo.
Sempre peroraram sobre princípios democráticos, encheram a boca de povo e em nome do povo; contra capital e capitalismo; pró democracia; contra ditaduras; pró direitos disto e daquilo; aqui d’el rei sobre isto e aquilo que se tentasse intrometer na vida das pessoas, mesmo que fosse para perceber como podiam vender cabritos se cabras não tinham, etc., etc..
Todavia, continuam vivendo no sistema e comportando-se com as suas regras. E embora eu entenda que ninguém tem a obrigação de ser sempre, e em tudo, coerente, às vezes pergunto-me se não serão eles uma parte essencial desse mesmo sistema, que deles se alimenta, numa espécie de associação simbiótica, mutuamente vantajosa, tipo líquen.
Afinal em que ficamos? Que tipo de sistema queremos? A democracia com que tantos encheram e continuam enchendo a boca já não serve? Ou só agora é que não serve? E quanto aos valores que a enformam? Não valem? Quais os que valem então? Não se vive a democracia em Inglaterra? Não são os ingleses que livremente escolhem quem os governa e qual o regime que querem ter?
No caso da rebelião de Inglaterra que, não tendo sido protagonizada por “bandos de criminosos malcriados, a quem tudo tem sido consentido, ociosamente criados à custa da sociedade que só lhes concede direitos …”, certamente só pode o ter sido por indivíduos altamente politizados e plenamente conscientes do seu papel na sociedade e dos malefícios que o sistema comporta – o que, diga-se, não deixa de ser notável para a sua média de idades – falta explicar, de forma que os menos dotados entendam, não apenas quais foram os erros, mas, acima de tudo, como corrigi-los num contexto democrático. Ou será que o contexto democrático e os seus valores, não servem?
As falsas necessidades, criadas pelas acções de marketing através da comunicação social, … pois é… como impedir? Censura? E não me venham falar em auto-regulação porque isso não passa de uma invenção por inventar. Faz-me lembrar uma outra auto-regulação, a dos mercados. Tretas!
Sou parte do sistema e não gosto dele. Mas talvez porque não sou intelectual, tenho muita dificuldade em entender todos quantos incessantemente procuram uma forma de adocicar, relevar, explicar condescendentemente, quiçá admitir como inevitáveis, actos como estes a que assistimos em Inglaterra.
Imagino que esta rapaziada viva muito mal em Londres e nas outras cidades. Que passem fome, frio, chuva, gelo, neve, e que não tenham acesso à cultura, à leitura, à informação, à instrução…. Adorava saber quantos deles não têm PlayStation e telemóveis de última geração.
E, já agora, se souberem a causa pela qual militam aqueles meliantes, eu adorava saber.
Digam-me, por isso, como fazer? Que medidas adoptar para prevenir? Que modelo de sociedade preconizam? É que nós estamos na fila.
De bom grado militarei nessa causa. Esta está perdida.
Eu até nem gosto de jogar PlayStation…
JR
Carissimo,
ResponderEliminarFiz link.
Obrigado.
Um abraço.
É com alguma satisfação que leio este texto, porque não deixava de me incomodar o facto de eu próprio estar a resistir a uma espécie de discurso formato da Esquerda sobre este problema e foi exactamente neste sentido que também escrevi.
ResponderEliminarRectifico: Queria escrever "...discurso formatado".
ResponderEliminarPlenamente de acordo.
ResponderEliminarUm abraço
O social-fascismo e o neosocial-fascismo (a que muitos chamam, eufemisticamente, socialismo) implodiram; para o Sr. Dr. o sistema capitalista é execrável, devendo, portanto, ser banido. Então, qual a ideologia correcta para ajudar a salvar a Humanidade? Os artigos de opinião, escritos num Português impecável, mostram ser V. Exa. uma pessoa muito culta, mas, com o devido respeito, extremamente vaidosa e convencida, refém do sistema que diz combater, mas sem o qual não pode viver. Não é preciso ser-se muito forte em psicanálise para perceber isso mesmo e não vale a pena tentar, eventualmente, demonstrar o contrário.
ResponderEliminarO capitalismo não é sustentável e dele todos somos refens, infelizmente.
ResponderEliminarNão existe uma ideologia correcta. Não existem ideologias correctas. Nem o mundo, nem a realidade se conformam com as ideologias. Como a areia, a realidade escoa-se por entre os dedos da ideologia.
Agora que a Humanidade e o mundo precisam ser salvos, lá isso precisam: precisam ser salvos do capitalismo!
Tem razão AMCD quando diz que “não existem ideologias correctas. Nem o mundo, nem a realidade se conformam com as ideologias. Como a areia, a realidade escoa-se por entre os dedos da ideologia”. Todavia, essa asserção entra, em certa medida, em contradição com a sua última afirmação. Respeitosamente, se AMCD não fosse um poço de preconceitos compreenderia que actualmente não existe capitalismo. O que predomina nos nossos dias é um sistema conhecido por neoliberalismo (termo muito infeliz, por sinal) que não tem nada a ver com o capitalismo. Esta doutrina assenta na livre concorrência e na oferta e na procura; aquele tem por sustentáculos a especulação bolsista e o poder dos monopólios que matam, imediatamente, a livre concorrência e se opõem à oferta e procura. É um sistema onde o vergonhoso cartelamento entre monopólios, quer à descarada quer veladamente, é uma realidade. O primeiro passo para exterminar o neoliberalismo será suspender, imediatamente, a bolsa. É a especulação bolsista (onde o dinheiro virtual é cerca de sessenta vezes mais que o dinheiro real) a grande responsável pelo desemprego galopante, quer através do fecho de empresas quer pela sua deslocalização para regiões de mão-de-obra escrava. E os governos, para acalmarem a ira dos cidadãos vão-nos entretendo com subsídios, ao ponto de terem de contrair empréstimos e estarem, por isso, extremamente endividados.
ResponderEliminarDevem os portugueses abdicar da existência duma Pátria sua?
ResponderEliminar{antes que seja tarde demais... pelo iniciar duma transição gradual}
Bom,
-> apesar de muito pessoal estar-se a borrifar para 'isto': querem é curtir... [nota: estão no seu Direito];
-> apesar de muito pessoal ser adepto da competição global... [nota: estão no seu Direito];
-> apesar de os portugueses não serem a nação mais antiga da História;
-> etc;
---> será que os portugueses devem abdicar da existência duma Pátria sua?
RESPOSTA: na minha opinião, NÃO!
---> Quando se fala em SEPARATISMO-50-50... não se está a falar em apartheid, mas sim, em LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA, ou seja, separatismo puro e duro: uma Nação, uma Pátria, um Estado.
Nota 1: Como é óbvio, a Nação mais antiga da História - os Judeus - não abdica duma Pátria sua.
Nota 2: Ao contrário dos Judeus que fizeram uma TRANSIÇÃO BRUSCA... eu penso que a transição para o separatismo-50-50 deveria ser uma TRANSIÇÃO GRADUAL (de algumas décadas).
P.S.
-> Uma NAÇÃO é uma comunidade de indivíduos de uma mesma matriz racial que partilham laços de sangue, com um património etno-cultural comum.
-> Uma PÁTRIA é a realização e autodeterminação de uma Nação num determinado espaço.
-> Ora, existindo não-nativos JÁ NATURALIZADOS com uma demografia imparável em relação aos nativos... como seria de esperar, abunda por aí muita conversa para 'parvinhos-à-Sérvia'.
ANEXO:
-> A superclasse (alta finança internacional - capital global) não só pretende conduzir os países à IMPLOSÃO da sua Identidade (dividir/dissolver identidades para reinar)... como também... pretende conduzir os países à IMPLOSÃO economica/financeira.
-> A superclasse é anti-povos que pretendem sobreviver pacatamente no planeta...
-> A superclasse (alta finança internacional - capital global) ambiciona um Neofeudalismo - uma Nova Ordem a seguir ao caos... consequentemente, como seria de esperar, a superclasse apoia o pessoal gerador de caos... nomeadamente, o pessoal que anda numa corrida demográfica pelo controlo de novos territórios.}