quarta-feira, 7 de setembro de 2011

MINISTRO DAS FINANÇAS ANUNCIA UM PAÍS DIFERENTE



DE CIÊNCIA NADA, DE FÉ MUITO




A entrevista que o Ministro das Finanças hoje concedeu à SIC, certamente para dar as explicações que segundo a direita o povo sente falta, não acrescenta rigorosamente nada ao conhecimento que já se tinha das suas concepções em matéria finanças públicas e do consequente projecto de sociedade que, por via delas, tem em mente concretizar.

O Ministro acredita, contra toda a história do pensamento económico, que se puser os portugueses a pão e água, aumentando os impostos, reduzindo drasticamente o investimento público, diminuindo o consumo interno, consegue assegurar-lhes um futuro de crescimento e de prosperidade daqui a quatro anos, tantos quantos os necessários para que a transformação estrutural da economia portuguesa comece a produzir aqueles resultados.

Tal transformação decorrerá da execução de um rigoroso “programa de ajustamento estrutural” destinado a eliminar o défice orçamental bem como a limitar drasticamente a intervenção do Estado na economia, mediante a privatização imediata de toda a actividade empresarial do Estado e, posteriormente, de outros sectores onde agora intervém como prestador de serviços de natureza social. O Ministro não o disse, mas este é também o objectivo da coligação no poder se para tanto tiver tempo.

Por outras palavras, o Ministro acredita – mas acredita com aquela fé própria daqueles a quem foi revelada a verdade absoluta - que se o défice orçamental for eliminado e se o Estado “sair” da economia, Portugal percorrerá uma senda de crescimento e prosperidade, capaz de pôr termo de uma vez por todas ao fatalismo histórico de um país recorrentemente deficitário e endividado.

Claro que ligado a “isto” está um conjunto de medidas, que o Ministro por razões meramente tácticas não anuncia, inscritas na vulgata neoliberal, válidas para todas as áreas da vida em sociedade.

Trata-se de um pensamento primário, velho, apresentado com a certeza das verdades reveladas e por isso mesmo muito perigoso. O primarismo do raciocínio assenta antes de mais na impossibilidade prática de por uma via puramente recessiva se alcançar índices de crescimento económico, indispensáveis à diminuição absoluta e relativa do peso da dívida, o mesmo é dizer à sua sustentabilidade.

Sem aumento da procura interna, com redução drástica do investimento público e dos rendimentos dos que trabalham por conta de outrem com níveis baixos e intermédios de remuneração, a sorte do modelo económico preconizado pelo Ministro das Finanças fica exclusivamente dependente do investimento externo virado para a exportação e da própria exportação, ou seja, de factores quase completamente dependentes da conjuntura económica externa.

Se o modelo em si e para quem nele se revê representa um falhanço anunciado, que o tempo se encarregará dramaticamente de confirmar como já o fez noutras ocasiões, ele sempre constituiria, mesmo na hipótese improvável de relativo “sucesso”, um modelo a rejeitar por pretender institucionalizar uma sociedade brutalmente desigual, alicerçada em princípios individualistas com rejeição de qualquer ideia de solidariedade e de justiça social.

É o “mito” de Milton Friedman levado ao extremo da sua concretização prática fora das raízes anglo-saxónicas que o geraram.

Que não haja qualquer dúvida, o discurso do Ministro das Finanças assenta numa concepção estruturada de um modelo de sociedade neoliberal destinado a ser levado à prática por fases: primeiro o equilíbrio orçamental, que há-de ser estruturalmente alcançado à custa da despesa (e não fundamentalmente à custa das receitas como por razões meramente conjunturais parece estar acontecendo); depois a eliminação gradual do Estado em todos os sectores economicamente relevantes de modo a circunscrevê-lo àquilo a que chamam as suas “funções tradicionais”, também ditas de “soberania”.

Esta segunda fase (os “cortes racionais” na despesa) pressupõe um relativo êxito na primeira sem o qual é politicamente impensável proceder a alterações estruturais na saúde, no ensino e na segurança social – grandes objectivos do pensamento neoliberal que o próprio Bush em oito anos de poder não conseguiu levar completamente à prática (de facto, teve de recuar na reforma da segurança social e não logrou destruir o Medicare nem o Medicaid).

Em resumo, foi isto que o Ministro das Finanças ontem veio dizer aos portugueses.

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