O CASO PORTUGUÊS
Sem excessiva preocupação de rigor pode dizer-se que há fundamentalmente três tipos de subserviência em política.
Há uma primeira modalidade de subserviência, a que alguns chamam falsa subserviência, que ocorre quando o Estado que se considera superior, em princípio culturalmente muito superior, é derrotado militarmente por um Estado mais forte, o qual, não obstante a vitória alcançada, não reúne condições para dominar e integrar o Estado vencido.
Nesta modalidade o Estado vencido alimenta com falsa modéstia a vaidade do vencedor, ciente de que mais tarde ou mais cedo acabará por o “integrar” na sua civilização tal a diferença cultural que os separa.
Há quem pense que foi isto que se passou com a conquista da Grécia pela Macedónia e depois do “mundo helénico” por Roma. Contudo, o exemplo mais frequentemente indicado é o da China que desde tempos imemoriais sempre foi integrando os “vencedores” transformando-os em…chineses. Pelo menos terá sido assim até à chegada dos “bárbaros” do outro lado dos oceanos e à “guerra o ópio” cujas consequências, pela primeira vez, na história milenar da China, não deixaram dúvidas quanto à natureza da derrota.
A segunda modalidade de subserviência é a mais comum: é a que aceita servilmente as directrizes do mais forte na convicção de que quanto mais se identificar com ele maiores são as hipóteses de beneficiar de um tratamento de favor. É a lógica do “bom aluno” no sentido mais pejorativo do conceito. É a covardia política levada ao seu expoente máximo.
A terceira modalidade de subserviência surge por via da identidade ideológica entre Estados cujos governos perfilham a mesma a mesma “concepção do mundo”, sempre que existe uma extraordinária desproporção (em todos os domínios: demográfico; territorial; económico; militar; etc.) entre o Estado mais forte e o mais fraco. Se é certo que o permanente alinhamento do mais fraco pelo mais forte poderia, em princípio, ser imputado à mesma visão estratégica dos assuntos a tratar, a verdade é que raramente as coisas se passam assim. De facto, se mesmo nas ideologias que se reclamam dos mais saudáveis princípios da igualdade e da fraternidade entre os seus membros, o permanente alinhamento – ou o alinhamento em questões importantes – dos mais fracos pelos mais fortes leva a que o interesse estratégico daqueles seja repetidamente desprezado em benefício do mais poderoso, por maioria de razão acontecerá naquelas que fazem da competição e do domínio um dos traços mais marcantes da sua identidade.
Vem tudo isto a propósito do Memorandum assinado com a Troika e da sua execução pelo governo Passos Coelho. De facto, uma coisa é, para quem persegue dentro do sistema uma saída, ter de aceitar a imposição de um diktat por inexistência de alternativas e, principalmente, de meios para as tentar pôr em prática. Outra, completamente diferente, é o excesso de zelo e o exibicionismo com que tal programa é posto em obra por quem tem de o executar.
Há no caso português um misto da segunda e da terceira modalidades de subserviência, qual delas a mais perigosa. A segunda modalidade de subserviência é publicamente assumida pelos responsáveis políticos e a terceira, embora pareça não ser comum a todo o Governo, está todavia muito presente nas intervenções do seu responsável máximo e nas daqueles que, oriundos da chamada “sociedade civil”, ocupam as pastas chave da governação na actual conjuntura política – finanças, economia, saúde e educação.
De facto, parece haver algumas razões para supor que nem todo o CDS terá uma agenda tão fanaticamente neoliberal, apesar de os sectores mais liberais do partido também estarem representados no Governo, nem tão-pouco certos outros membros do PSD estarão tão incondicionalmente ao lado da “ortodoxia” neoliberal protagonizada pelo Ministro das Finanças. Alguns, porque o que realmente pretendem é aproveitar a passagem pelo poder para fazer negócios e ganhar influência, ora protegendo amigos antigos ora fazendo novos amigos; outros, porque temem que o excesso de fervor doutrinário acabe por socavar as bases do partido pela inevitável desgaste que tais medidas acabarão por ter no tecido económico mais frágil da economia portuguesa.
A junção daquelas duas modalidades de subserviência - a propriamente servil e a de base ideológica - na mesma entidade vai certamente acarretar prejuízos irreparáveis a Portugal e ao seu futuro, que ficará mais comprometido depois posto em prática o programa da Troika do que propriamente estava antes.
Entre esses danos irreparáveis estão as privatizações da TAP – um verdadeiro crime de lesa Pátria -, da RTP, da RER, das Águas de Portugal, dos CTT, da ANA, entre outras.
Numa altura em que a União Europeia caminha para o colapso e a desagregação da Europa é o cenário mais provável com o consequente surgimento dos seus conhecidos nacionalismos selvagens, a entrega a mãos estrangeiras de interesses estratégicos nacionais ou a sua liquidação pura e simples, como acontecerá no caso da TAP, exige que tais actos não possam ser praticados sem que aqueles que neles colaborarem conheçam de antemão as consequências futuras das suas condutas.
De facto, o aprovisionamento e a distribuição da água, o transporte da electricidade e de outros interesses estratégicos nacionais não podem ser referendados. Só por tontice política se pode sugerir ou pedir que tais medidas sejam decididas por referendo. Tais bens e o seu domínio exclusivo pertencem ao povo, à comunidade nacional e ponto! Não há discussão nem votação sobre isso. O que há a fazer por quem realmente está contra é deixar muito claro que tais empresas e os bens que constituem o objecto do seu negócio regressarão, na primeira mudança de governo a sério, ao património nacional sem qualquer indemnização!
A soberania para os Estados tem, parece-me, algum paralelismo com a liberdade para o indíviduo. Conheço contratos de empréstimo bancários onde só falta o devedor assumir a obrigação de informar o banco da quantidade de rolos de papel higiénico que adquire, se não mesmo pedir autorização... Portanto, a parte mais fraca, consciente dessa sua posição, deveria minimizar os factores que a agravem, a não ser que pensem poder alterar as regras... Ora, muitos indivíduos só querem saber do que assinam quando confrontados com processos de execução e alguns Estados têm comportamentos idênticos. Houve muitos portugueses que não pensaram duas vezes em pedir dinheiro que sabiam não poder pagar, todos sabemos.(não falo de acontecimentos fortuitos). Também houve e há Estados que agem na mais completa irresponsabilidade; Que dizer de governos que gastam centenas de milhoes em estádios para agora os fazer implodir? e manda construir milhares de equipamentos completamente inúteis? De que é que estes irresponsáveis e quem os suporta politicamente estavam à espera?
ResponderEliminarO capitalismo selvagem e o hegemonismo não chegam para explicar este desvario colectivo. Sobre isto é curiosa uma certa "compreensão" do PCP para com a inqualificável governação da Madeira, ou, pelo menos, a total desculpabilização do POVO Madeirense.....(sempre o bom povo..)
Muitas destas "privatizações" não o podem ser - uma comunidade não pode alienar a sua água e estruturas vitais- trata-se de de medidas instrumentais para reordenar a distribuição de riqueza (neste caso aprofundando a desigualdade) desonerando os Governos do custo político. Tenho poucas dúvidas de que a maioria dos portugueses se quetsionados sobre a privatização dos CTT ou RTP seriam contra, mas sejamos honestos, foram avisados!
LG
Como não podia deixar de ser, fiz link... deste e de outro post! Obrigado, meu amigo! A verdade urge e a desmistificação sem reservas também.
ResponderEliminarAbraço.
Não desiluda. Então quando houver um governo a sério, fica claro que tudo volta a ser nacionalizado sem indemnização? Que raio de país de direito é este?
ResponderEliminarMais fico a saber que no seu entendimento:
ESTE GOVERNO É A BINCAR,
O ENDIVIDAMENTO NÃO É A SÉRIO,
Mais: Os estádios de futebol a mais, as auto-estradas a mais, as parcerias público privadas a mais, o despesismo, o vedetismo irresponsáveis e bacocos e o evidente desgoverno das empresas públicas são mentira...
Portanto, agora, os despesistas agacham-se, passa a onda e o povinho grita “isto é nosso!” e não trata de pagar ou de responsabilizar quem levou o país a este ponto?
Não me revejo “neste povinho”, nem aceito que empresas públicas como a TAP façam acordos com sindicatos de pessoal de bordo (?) que faziam greve por causa da segurança dos passageiros se diminuíssem o pessoal de voo, acabando por trocar aquele sério argumento (?) pelas borlas de viagens de familiares de empregados...
Que direito é este num país que permite este tipo de “casos”?
Estou de acordo com a manutenção da REN no sector público porque a valorização desta empresa está, não nos postes e linhas, mas nos terrenos que ocupa e nada paga. Privatizar é vender o roubo dos direitos dos proprietários.
Quanto à RTP, deixe que lhe diga: basta de tanta prosápia. Uma rádio chega perfeitamente para tesos...
Perguntem aos portugueses se querem pagar para ver a RTP.