"ISTO" JÁ NÃO TEM REMÉDIO
Enquanto os nossos talibans da economia neoliberal vão devastando o país com um orçamento que o remete para um atraso que já não se julgava possível, a triste história do euro vai seguindo, inexorável, a sua marcha em direcção a uma morte anunciada.
Se é certo que a dívida da zona euro foi em grande medida potenciada pela “arquitectura” da moeda única não é menos verdade que a dívida da União Europeia vai muito para além da divida da zona euro, como o caso do Reino Unido eloquentemente ilustra, e tem as suas causas no desequilíbrio – em todos os domínios: balança comercial, balança de pagamentos, balança de capitais - entre a União Europeia no seu conjunto e os novos países emergentes, nomeadamente a China, o Brasil e a Índia.
É agora tarde para saber se uma moeda criada com regras diferentes das do euro e se um banco central com funções que o BCE não pode ou não quer assumir poderia ter levado a outro resultado. Isso ninguém o saberá nunca. O que se sabe é que a Europa se começou a endividar muito para além daquilo que as suas economias comportavam a partir de 1991 e depois se endividou muitíssimo a partir de 1999, data do nascimento da moeda única.
Dir-se-á que a crise financeira de 2007 é a causa próxima mais forte do endividamento europeu. Mas só aparentemente isso é verdade. A crise financeira que eclodiu na América e depois se propagou à Europa com matizes diferentes dos que assumiu no continente americano é ela também o resultado de uma economia que por igualmente ter perdido competitividade em sectores tradicionalmente fortes se refugiou em actividades especulativas desreguladas ancoradas numa imensa borbulha imobiliária que durante anos lhe assegurou uma falsa prosperidade.
A juntar a tudo isto, tanto na América como na Europa, assistiu-se desde há trinta anos a uma gradual e cada vez mais forte desigualdade na distribuição de rendimentos que, por seu turno, está na origem do progressivo endividamento exigido por um sistema económico-financeiro que, para sobreviver, necessitava de uma procura em crescendo que só poderia ser satisfeita pelo recurso permanente ao crédito. Um crédito destinado a satisfazer uma procura indispensável à subsistência do sistema, mas sempre contraído acima das reais possibilidades de quem se endividava.
Na Europa, a crise “rebentou” pelo lado da dívida soberana, apesar de, na maior parte dos países, Portugal inclusive, ela representar uma pequena percentagem da dívida global, na sua essência privada.
Dito de outro modo: é falta de liquidez - em última instância de solvabilidade - do sistema financeiro, e a consequente redução do crédito, bem como as especiais condições de funcionamento da zona euro, que fizeram aparecer a crise pelo lado do sector público, apesar de ela ser, insiste-se, na sua essência, uma crise do sector produtivo privado e do sistema financeiro no seu conjunto.
Como se sabe, a crise veio à luz do dia na Grécia há cerca de um ano e meio, tendo o país sido intervencionado quando a taxa de juro a dez anos atingiu relativamente à Alemanha uma diferença de 500 pontos básicos; cerca de sete meses depois atingiu a Irlanda, fortemente flagelada por uma borbulha imobiliária local e por um sistema financeiro desregulado de natureza essencialmente especulativo, quando o diferencial da taxa de juro em relação à Alemanha também superou os 500 pontos básicos; e a seguir Portugal, em Abril deste ano, quando o dito diferencial ultrapassou igualmente a fatídica marca dos 500 pontos básicos.
Agora segue-se a Itália. Três ou quatro dias depois de a União Europeia ter encontrado a “solução definitiva” para a crise da dívida, no Conselho Europeu de 27 de Outubro passado, eis que a situação na Grécia, impulsionada pelo simples anúncio de um referendum, se propaga com toda a violência à Itália a ponto de o diferencial da taxa de juro quase ter atingido os 600 pontos básicos, remetendo assim a taxa de juro efectiva, a dez anos, para cima da marca incomportável dos 7% ao ano!
Perante este quadro que mostra à evidência a crise profunda do sistema neoliberal saído daquilo a que se tem chamado a “vitória da Guerra-Fria”, dizem os “entendidos” que decorrência da crise italiana um de três cenários se verificará:
O primeiro seria a suspensão de pagamentos da Itália, cuja economia é demasiado grande para poder ser resgatada por um fundo que, muito provavelmente, nem sequer chegaria para as necessidades da Grécia, Portugal e Irlanda, resultando dessa suspensão o fim abrupto do euro com consequências difeis de prever, mas seguramente catastróficas;
O segundo seria a entrada em cena do BCE financiando e garantindo directamente o Estado italiano, hipótese quase improvável dada a resistência alemã a qualquer tipo de actuação do banco central que vá para além do consta expressamente dos tratados;
E a terceiro seria deixar os países intervencionados e alguns outros entregues à sua sorte, formando a Alemanha, juntamente com a França e mais alguns, uma “nova zona euro”, que ficasse ao abrigo das vicissitudes originadas pelos “grandes devedores”.
Esta última “solução”, por muitos países e pelo próprio Presidente da Comissão qualificada como o”fim da Europa”, é fortemente apoiada pela França de Sarkozy que vive no pânico de ver a sua dívida perder o “triplo A”, pretendendo com esta pseudo-solução esconder a sua fraqueza por detrás da força germânica. Ou dito de uma forma mais sintética: seria o “Vichy económico” da França proposto por ela própria e não imposto pela Alemanha!
Mas há evidentemente um quarto cenário para cuja concretização deveremos mobilizar todas as nossas forças. O capitalismo neoliberal faliu. Arruinou a vida de centenas de milhões de pessoa em todo o mundo. É preciso substituir este sistema, derrubando politicamente quem o representa e o defende. E este trabalho começa na “casa” de cada um, para a partir daí somar solidariedades de quem está seguindo a mesma via, e tendo presente um princípio muito antigo que nos diz que a legitimidade depende mais do modo como se exerce o poder do que do modo como a ele se chega…
Pois, se não for outra coisa, vai ser o desastre.
ResponderEliminarLá se foi a globalização, é o fechar de fronteiras, vai ter de ser o ressurgimento de indústrias nacionais, o fazer cá dentro para não se importar, lá se vão os direitos adquiridos, as quarenta e tal horas de trabalho semanal, e, os produtos da China, ìndia e demais extremo Oriente vão ter de pagar imposto aduaneiro, etc .
Ou será a UE a ter que se fechar?
Não sei.
SR
Caro JM Correia Pinto,
ResponderEliminareu subscrevo e sublinho a substância do que diz. No entanto, quanto às conclusões, se até admito que é por onde estamos que devemos começar, diria que aquio que nos rodeia faz parte do "onde estamos", e creio que a alternativa e a possibilidade de uma resposta eficaz à globalização neoliberal passam pela vias conjugadas da federação e da democratização. Dito isto, não posso deixar de reconhecer que as "condições subjectivas" - uma vontade política democrática generalizada e activa - faltam cruelmente. Mas não vejo que isso faça com que a tarefa possa ser outra senão tentar criá-las. Tanto mais que o recuo para o nível das soberanias nacionais está muito longe de ser automaticamente sinónimo de mais liberdades e direitos ou de horizonte mais favorável ao esconjurar das ameaças de guerra - imprecisas, mas efectivas - que a simples desagregação da zona euro e da UE acarretaria.
Ora, uma vez que a sua posição sobre este ponto me parece menos clara do que aquelas que exprime sobre os outros temas do seu post - admito que por deficiência da minha leitura -, gostaria de o ver explicitar melhor a sua ideia.
Cordiais saudações democráticas
msp
Caro Miguel Serras Pereira
ResponderEliminarEu sei bem que com esta já é a segunda vez que o Miguel Serras Pereira exprime as suas reticências relativamente à tal questão de a luta começar pela “casa” de cada um.
Antes disso, cem por cento de acordo com a inexistência de condições subjectivas para uma grande Revolução democrática que devolva efectivamente o poder ao povo num quadro onde as potencialidades de cada um se possam exprimir livremente sem nunca pôr em causa elevados padrões de solidariedade e de justiça social que, nos tempos mais próximos, só podem ser assegurados e impostos pelo Estado.
Quando falo em o trabalho começar na “casa” de cada um não posso deixar de ter presente a falência no século passado dos mais generosos movimentos internacionalistas, seja por egoísmos nacionais, seja pela força do nacionalismo que identifica a Pátria como o valor supremo, seja também pelas tentações hegemónicas do mais forte, que tudo tende a subordinar aos seus interesses e a impor aos demais comportamentos condizentes com os seus próprios interesses estratégicos, frequentemente disfarçados de interesses gerais do próprio movimento a que pertence.
Não se trata, portanto, de regressar às fronteiras como fim, mas como meio. Tal com as coisas se encontram é muito difícil sequer supor a existência de uma luta vitoriosa no “plano federal”. Se no plano puramente interno escasseiam as condições subjectivas para uma alteração radical da presente situação em consequência da extraordinária influência do poder ideológico - ou dito de outro modo, da hegemonia do pensamento neoliberal –, no plano externo, federal ou confederal, é que elas faltam completamente. E sejamos claros: não apenas pela extraordinária influência do poder ideológico que sufoca qualquer tentativa de “respiração autónoma”, mas também porque a Europa, principalmente a Europa Ocidental, na partilha das riquezas mundiais continua a ser um continente fortemente privilegiado, o que sendo verdadeiro em relação ao conjunto está longe de o ser em relação às partes, factor que obviamente acresce às dificuldades anteriores.
Todavia, pelo que se está a passar verifica-se que os movimentos localizados – a tal “casa” de cada um -, qualquer que seja a sua natureza, causam hoje muita mais perturbação do que causariam há quarenta anos e têm um efeito de contágio capaz de pôr em perigo o equilíbrio global. E isto é novo – é uma consequência da própria globalização.
Claro, se pudéssemos avançar em conjunto seria muito melhor. Mas é politicamente ilusório esperar isso, além do mais porque os objectivos da luta difusa que hoje já existe um pouco por todo o lado estão longe de ser unívocos para todos ou sequer para a maior parte dos que nela participam e nem é certo que sejam genericamente coincidentes com os de outras lutas aparentemente semelhantes travadas noutras partes do mundo, salvo na rejeição emocional deste estado de coisas.
Quase apetece dizer que alguém tem de ir à frente, abrindo caminho e também mostrando o caminho…
Caro JM Correia Pinto
ResponderEliminarnão digo que V. sobrestime as dificuldades de democratização da UE - vemo-las ambos, creio, em termos semelhantes -, mas parece-me que subestima os efeitos catastróficos da verosímil desagregação e da reactivação das soberanias nacionais: tudo leva a pensar que, embora o "projecto europeu" nada tenha tido de revolucionário, ou particularmente ousado, essa reactivação será mais "contra-revolucionária" do que estritamente "conservadora". E é por isso que as palavras de ordem "federação" e "democratização" me parecem de manter a todo o custo, ainda que no caso de termos de lutar em condições pós-UE.
Num post que acabo de publicar no Vias, V. poderá encontrar resumidas as razões que presidem à minha posição (http://viasfacto.blogspot.com/2011/11/pela-insurgencia-democratica-dos_12.html), bem como vários links que dão conta do modo como as tenho desenvolvido. Mas suponho que teremos novas ocasiões de debater o assunto…
Isto e o principio da terceira guerra Mundial. Por aqui, e so por esta via e que se podera desmantelar o sistemo ESTE, Ja os governos sao destituidos pelo capital e em fovor de quem? Esta guerra esta-se a prepara com toda a pressa...e o perigo vem novamente da Europa. E o vale do Tigre e Eufrates vai ser o palco principal. Quanto ao resto a UE comecou por fim...
ResponderEliminarMais cenário, menos cenário, a verdade é que o capitalismo não conseguiu criar condições de crescimento infinito, necessário à sua sustentação. Por isso estamos a assistir (e participar) no seu desmoronamento, com terríveis consequências para os povos (como já assistimos e estudámos relativamente a outros sistemas noutras épocas históricas).
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