A DESCOBERTA DE PAULO
RANGEL
Paulo Rangel, ex-líder parlamentar do PSD, candidato à
presidência do partido nas últimas “directas” e actual deputado ao Parlamento
europeu, suspeita que a verdadeira causa dos quase setenta anos de paz na
Europa talvez não tenha sido a “construção europeia”, mas a Guerra Fria.
Grande suspeita a de Paulo Rangel, ele que durante tantos
anos esteve convencido de que “o grande
factor de promoção da paz e de prevenção da guerra no continente tinha sido a
construção europeia”.
Num primeiro impulso poderia supor-se que esta descoberta de
Rangel, ainda que sob a forma de simples suspeição, estaria relacionada com a
atenuação da obsessão anti-socrática que democraticamente o asfixiava,
impedindo-o de pensar serenamente.
Mas não. O mal é certamente mais profundo e tem a ver com
mitos, com a dificuldade que as pessoas têm em se libertar dos mitos. E um
desses mitos é o papel de Adenauer no pós guerra.
Em poucas palavras: derrotado o III Reich na Segunda Guerra
Mundial pelas potências aliadas e dividido o território da nova Alemanha em
quatro zonas de ocupação, reproduzidas na capital do Reich, apesar de esta se
encontrar territorialmente incorporada na zona de ocupação soviética, foi, por
força do antagonismo entre os aliados ocidentais e a União Soviética, criada em
1949 a República Federal da Alemanha. Cerca de cinco meses depois, e esgotadas
que estavam as hipóteses de consensualizar a reunificação da Alemanha, os
soviéticos criaram a leste a República Democrática Alemã (RDA).
A divisão da Alemanha e, dentro dela, a de Berlim são a
imagem perfeita da divisão do mundo em dois blocos antagónicos e marcam também,
simbolicamente, o início da Guerra Fria.
A leste, a RDA seguiu o caminho das demais “democracias
populares” instaladas nos territórios dos países conquistados pelo Exército
Vermelho na sua caminhada vitoriosa até Berlim, alguns deles aliados da
Alemanha nazi e outros, apesar de ocupados, com fortíssimo índice de
colaboracionismo. Sem mácula quanto a alianças ou colaboracionismo apenas a
Polónia e o território da actual República Checa, com excepção obviamente dos sudetas que eram alemães.
A oeste, naquela que veio a ser a República Federal da
Alemanha, instalou-se da noite para o dia a democracia de tipo ocidental. Ela,
que tão vilipendiada havia sido desde Bismarck, foi aceite com a naturalidade
de quem havia vivido um simples pesadelo e que agora acordava para uma vida
diferente, feita de presente, com esperança no futuro e total esquecimento do
passado. Todos a oeste se tornaram “democratas”, com excepção daqueles que
foram “apanhados” pelas medidas de desnazificação. E poucos foram, pois, como
as tropas americanas de ocupação muito bem disseram, com aquela ingenuidade de
quem ainda se não tinha apercebido do papel que doravante iriam passar a
desempenhar no mundo, se todos ou quase
todos eram nazis ou cúmplices do nazismo, quem poderia assegurar a
administração da Alemanha senão aqueles que tinham colaborado com Hitler? O
que doravante era importante era integrá-los numa nova ordem – uma ordem a que
eles aderiram sem dificuldade pelo imenso traumatismo que a tétrica aventura
hitleriana acabou por lhes causar e também pelo medo que tinham do comunismo
soviético.
E foi assim que antes do famoso “milagre económico” alemão se
deu o “milagre democrático”. E foi também assim que o anterior inimigo se
transformou em “aliado”. Nada agora se assemelhava ao que aconteceu depois da
Grande Guerra. Não havia “Versalhes” nem ocupação da Renânia pelas tropas
francesas para pagar as indemnizações de guerra. Havia apenas um desejo fecundo
de colaborar no combate ao inimigo tão próximo e sempre presente a leste.
Por outro lado, a destruição causada pela guerra foi de tal
ordem que a reconstrução da Alemanha, financiada por crédito muito barato dos
Estados Unidos, exigia muita mão-de-obra, acabando por reabsorver sem qualquer
dificuldade os cerca de doze milhões de refugiados que se tinham acoitado no
território da recém criada RFA. Por isso, a reconstrução nas excelentes
condições em que se verificou gerou crescimento e assim, pela primeira vez na
Alemanha, democracia era sinónimo de prosperidade. Bona não era Weimar!
E o que se passava no plano estritamente político? Adenauer
que subiu ao poder em 1949 e nele se manteve até 1963, aproveitando-se das
fricções cada vez mais fortes entre os dois mundos, aderiu à NATO, o que não
deixava de ser uma raridade para um país cuja constituição proibia qualquer tipo
de militarismo e manteve dentro dela durante largos anos – desde os anos finais
de Truman, os oito da presidência de Eisenhower e dois de Kennedy – uma atitude
belicista e agressiva relativamente a leste. Sentindo as costas quentes e
fazendo parte, como ele próprio dizia, da maior aliança militar da história,
ele achava que a questão da reunificação da Alemanha – e para Adenauer a
reunificação pressuponha a recuperação das fronteiras de 1937! – e do comunismo
eram assuntos que, em última instância, acabariam por ser resolvidos por via
militar.
Os prospectos turísticos alemães até à primeira metade da
década de sessenta representavam a Alemanha com as
fronteiras anteriores ao Anschluss, com
a indicação de que se encontravam sob ocupação militar os territórios que não
estavam sob administração da RFA. Ou seja, tudo se passava para Adenauer como
se não tivesse havido guerra ou como se a guerra fosse algo estranho à Alemanha.
Não adianta num simples post
estar a multiplicar os factos que comprovam a natureza revanchista da República
de Bona sob Adenauer, como por exemplo, a exigência, já esquecida por
quase todos, de serem colocadas em território alemão armas nucleares sob a
direcção do governo de Bona, exigência a que somente a partir de Kennedy se colocou
um ponto final definitivo. E que dizer da famosa aliança com a França que os
propagandistas da Europa tanto apregoam como a verdadeira génese desta enorme
confusão que é hoje a “construção europeia”? Para se ser rigoroso com a História
não pode deixar de dizer-se que há intenções bem diferentes de ambos os lados
do Reno: enquanto para a Adenauer, decepcionado com a posição americana e com
as tentativas protagonizadas por Kennedy de um entendimento a Leste que
estabilizasse o status quo saído da
Guerra, a aliança com a França era a possibilidade de manter viva na Europa a política de força tão do seu agrado e de garantir
a “barragem contra o bolchevismo”; para De Gaulle, pelo contrário, ela era entendida como uma ponte
de diálogo com o “outro lado” e, acima de tudo, um modo de fugir à tutela
americana e marcar uma posição de liderança da França na Europa ocidental.
Como se vê, quimeras de um lado e do outro. No fundo a Europa
continuava a ser governada por gente muito marcada pela Guerra e que continuava
a pensar ainda segundo os cânones anteriores ao grande conflito.
Do lado da Alemanha, Adenauer acaba por ser afastado para ser
substituído pelo chamado pai do milagre alemão, Herhard, pelo qual o anterior Chanceler
nutria um não disfarçado desprezo como político. A este seguiu-se Kiesinger e a
grande coligação com os social-democratas de Willy Brandt.
Pode dizer-se que a política externa de Bona não se alterou,
apesar da mudança de intérpretes, desde a fundação da RFA até à chegada de
Willy Brandt. Somente com ele, primeiro, como ministro dos Negócios
Estrangeiros e depois como Chanceler é que a RFA aceitou inequivocamente as
fronteiras saídas da Segunda Guerra Mundial e iniciou uma política de
entendimento a leste, não apenas com a URSS e os Estados mais traumatizados
pelo passado recente da Alemanha – Polónia e Checoslováquia – mas também com a
própria RDA.
Portanto, o que efectivamente assegurou a paz na Europa foi a
Guerra Fria e o entendimento americano-soviético quanto ao status quo saído II
Guerra Mundial. A Comunidade Económica Europeia, embora represente um estadio
superior de cooperação entre Estados, foi mantendo no seu seio um conjunto de
ambiguidades nem sempre bem disfarçadas pela liderança da Europa e das relações
desta com os EUA e com a URRS que somente a Guerra Fria, a partir de Kennedy, mas
consolidadamente a partir de Nixon, atenuou e fez esquecer.
De facto, a Alemanha começou por se esquecer de que tinha
perdido a guerra e quando já se tinha esquecido de que se tinha esquecido de
que perdera a guerra recebeu uma prenda inesperada de Moscovo. A França,
apesar de duplamente derrotada na guerra (primeiro a França legítima, depois a
de Vichy) e de ter conseguido sair do conflito com o estatuto de potência vitoriosa -
indiscutivelmente devido à acção de De Gaulle -, é que nunca se esqueceu de que
Alemanha havia perdido a guerra e assim actuou durante os anos da Guerra Fria.
Só quando esta acabou e a Alemanha se reunificou é que os conflitos voltaram a
surgir com a intensidade que hoje têm, sendo o primeiro de todos a crise
monetária de 1992/93. Mas isso já será “conversa” para outro post.
A direita está a aceitar que o cimento da "união e solidariedade" na europa ocidental se deveu sobretudo terror que o exército vermelho infundia....(o vermelho esvaiu-se ainda antes do ocidente se aperceber porque se tivesse havido essa percepção a "união" nem teria avançado tanto..)
ResponderEliminarA repentina conversão democrática dos alemães (e também, por exemplo, dos japoneses)nega o mito de que os povos são invencíveis desde que determinados. O vencedor e ocupante americano é que definiu o guião alterando-o quando entendeu conveniente. No início da ocupação houve um general que disse que os alemães iriam ter sopa ao almoço e sopa ao jantar, logo a seguir, ainda antes do julgamentos de Nuremberga, decidiram permitir a retoma da Alemanha como potência industrial, era do interesse de ambos. Reparações de guerra sempre as houve, neste caso com perda de quase 30% do território histórico. Os 12 milhões que se refugiaram (acoitaram?) foram uma "mais valia" para a recuperação, normalmente seriam considerados um fardo que poderiam justificar o contrário. É curioso que estes refugiados são contemporâneos dos palestinianos...
O post é muito bom mas omite a realidade, acho eu, para além do cenário político. Nada é referido sobre o, gostemos ou não,estrondoso êxito de recuperação económica ao lado da decadência, pelo menos relativa, de outras também então potências industriais. Quanto ao companheiro na desgraça na II GG é confrangedor ver no que se tornou, um gigantesco coio de mafiosos e bêbados.
LUGO