E, AGORA, RAJOY?
O BCE reuniu-se hoje em Frankfurt naquela que se dizia ser a
mais decisiva das suas reuniões. Tratava-se de “salvar o euro” na sequência das
palavras proferidas há cerca de uma semana por Mário Draghi: “O BCE no quadro do seu mandato está
preparado para fazer tudo o que for necessário para preservar o euro. E, acreditem-me,
isso será suficiente”.
Momentaneamente, como tem acontecido noutras ocasiões, os
mercados acalmaram-se um pouco, a pressão sobre a Espanha e a Itália aliviou-se
ligeiramente, as manobras diplomáticas dentro e fora da Europa
multiplicaram-se, todas elas destinadas a pressionar a Alemanha a aceitar uma
intervenção do BCE…fora do quadro do seu mandato, como aliás já tinha ocorrido
durante a presidência de Trichet com a compra de obrigações (títulos da dívida
pública) no mercado secundário desde Abril de 2010 a Março deste ano, sempre
com a oposição da Alemanha, principalmente, mas não só, do Bundesbank.
Oposição que levou à demissão do governador do Bundesbank,
Axel Weber, até então indigitado para suceder a Jean-Claude Trichet, e do
economista chefe do BCE, Jürgen Stark. Portanto, o que agora estava em jogo era
para os alemães uma parada muito alta, porventura mais alta do que aquela que
em 1993 levou ao colapso do SME (Sistema Monetário Europeu), quando a Alemanha,
de Kohl, se recusou a salvar o franco francês, de Mitterrand e Balladur!
Das cinco hipóteses de “solução” que se admitia pudessem vir
a ser tomadas pelo BCE, só uma verdadeiramente não levaria à oposição frontal
da Alemanha: o pedido de resgate feito pelo governo espanhol ao Fundo Europeu
de Estabilidade Financeira (FEEF) no quadro de um estrito condicionalismo,
hipótese que os espanhóis queriam afastar a todo o custo pelo desprestígio
interno e internacional que tal pedido acarretaria.
As outras hipóteses, todas elas destinadas, a fazer intervir o
BCE directa ou indirectamente no mercado de obrigações, com a garantia de
compra ilimitada de títulos, deparavam-se com a oposição frontal do Bundesbank.
A solução que foi adoptada e que acabou por não agradar nem a
espanhóis nem a alemães foi uma espécie de meio-caminho entre as posições
defendidas por aqueles que advogavam a intervenção do BCE no mercado obrigacional
da dívida pública e os que exigiam um pedido de resgate ao FEEF.
Contra o voto do Bundesbank, o BCE optou por uma das
tradicionais soluções da União Europeia sempre que há discordância entre
grandes – uma solução “nem carne nem peixe”
que acaba por não agradar a ninguém e que nada resolve. Apesar de admitir que o
diferencial de juros entre a Alemanha e a Espanha ou a Itália é insustentável,
o BCE aceita intervir no mercado mas somente depois de os países em apuros
pedirem ajuda ao “fundo de resgate europeu”. Portanto, não haverá acções imediatas do BCE e
qualquer ajuda que venha a ser prestada estará sujeita a um “condicionalismo
estrito e efectivo”.
Por outras palavras, a Espanha vai ter de pedir ao FEEF que a
resgate, comprando dívida, e BCE admite comprar essa dívida no mercado
secundário, se a Espanha cumprir as imposições da Troika. Será um resgate como
os outros, embora um pouquinho mais encoberto. É claro que, em teoria, tudo vai
depender, a partir daí, das condições do mercado. Se os juros baixassem por
força dessa intervenção a ponto de Espanha poder posteriormente financiar-se no
mercado em condições sustentáveis, ter-se-ia chegado por outra via àquilo que a
Espanha pretendia. Mas ninguém acredita nisso. O que vai passar-se amanhã, se é
que já não começou a passar-se hoje, é o declínio das bolsas e a subida do “prémio
de risco”, tornando ainda mais insustentável a situação da Espanha e da Itália.
Para além das consequências económicas desta decisão do BCE,
o mais importante é tentar perceber o que politicamente se pode vir a passar.
As medidas de austeridade estão a causar um profundo
mal-estar em Espanha e na Itália, quer no plano individual e das famílias, quer
no plano das autonomias. Todavia, é preciso ter em conta que nem todos os
protestos têm o mesmo peso. Uma coisa são os protestos das Astúrias ou até
mesmo de Andaluzia; outra, bem diferente, são os da Catalunha ou, amanhã, quem
sabe, os do País Basco. E que ninguém tenha dúvidas: se a Espanha vir a sua
integridade territorial ameaçada por força da política monetária, ela não
hesitará - tanto a Espanha de direita, como a Espanha de esquerda (PSOE) – em abandonar
o euro para a preservar nos termos em que hoje existe.
Erram, mas erram muito, aqueles que supõem que em tal caso se
assistiria a uma reforma radical das autonomias.
Na Itália, apesar das diferenças, há algumas semelhanças com o
que se passa em Espanha, não sendo igualmente de afastar uma saída do euro para
não exacerbar os conflitos regionais.
Pois, no meu limitado conhecimento destas coisas, já era minha opinião que a situação institucional de Espanha dificilmente resistiria a uma situação de degradação económica. As reivindicações autonomistas vinham sendo aplacadas com o despejar de dinheiro e cedências sucessivas do poder do Estado (onde é que já se viu isto em Portugal?). Agora também penso que um abandono do actual arranjo europeu por parte da Espanha não vai parar na situação actual. Não será totalmente inverosímil o surgimento de fenómenos de balcanização. Como é fácil de imaginar, se tal ocorrer, os perigos (em especial para nós) farão parecer a implosão do euro um acontecimento menor. Por paradoxal que pareça (ao menos para mim) há muitos portugueses que sonham com a implosão da Espanha.
ResponderEliminarLG