quarta-feira, 15 de agosto de 2012

MENSALÃO À PORTUGUESA







DE PORTAS O PRUDENTE SILÊNCIO



Causou uma profunda comoção nos sensíveis meios políticos portugueses a “história brasileira do mensalão”. Como é possível que os representantes do povo aceitem garantir, a troco de uma quantia certa e regular em dinheiro, apoio parlamentar às políticas do governo?

A outros espíritos menos sensíveis, porém, nunca pareceu que o apoio parlamentar em democracia representativa sob a forma de "mensalão" fosse necessariamente algo de substancialmente diferente e mais grave do que a concessão desse mesmo apoio sob a forma de coligação.

No Brasil as coligações são muito difíceis de constituir, por várias razões. Primeiro, porque muitos dos partidos que integram a Câmara não têm uma ideologia definida; depois, porque não há fidelidade partidária nem qualquer obrigação de obediência partidária. As maiorias são muito difíceis de formar ou, mais rigorosamente, são impossíveis de formar com base na simples identidade ideológica. Por esse lado não se iria a parte nenhuma: a coligação tem de trazer vantagens – e vantagens palpáveis – a quem se coliga. E em regra os partidos não estão em condições de garantir esse objectivo dada a independência e o tipo de sufrágio dos eleitos.

Daí que o “Partido dos Trabalhadores” tivesse inventado o engenhoso esquema do “mensalão” como meio de assegurar, individualmente, os votos necessários à aprovação das medidas propostas pelo governo. E até houve quem dissesse que era um meio discutível para atingir um fim indiscutível – promover a condição económica de milhões de brasileiros que viviam à margem do sistema ou que, não vivendo à margem dele, não tinham até então qualquer possibilidade de progredir na escala social.

É claro que o problema agravou-se porque a partir de determinada altura o dinheiro que pagava o “mensalão” deixou de provir dos cofres do partido que solicitou o apoio, para passar a ser obtido em esquemas de corrupção com empresas em que esse partido estava envolvido: muitas dessas empresas eram públicas, outras eram grandes empresas estrangeiras com interesses no Brasil!

Perante este quadro, é caso para perguntar: e as coligações à europeia, ou mais especificamente à portuguesa, serão assim tão profundamente diferentes? Alguém acredita, a alguém passa pela cabeça, que as “profundas e demoradas” discussões que antecedem a formação de um governo de coligação têm alguma coisa a ver com o interesse nacional? Com a maior ou menor aptidão deste ou daquele partido para levar a cabo uma política que sirva os interesses dos cidadãos?

Como não pode deixar de ser vem à memória o penúltimo governo de coligação, sob a presidência de Durão Barroso e depois de Santana Lopes, no qual o CDS ocupou pastas por onde à época passavam importantes negócios. Vivia-se ainda em regime de “vacas gordas”, não obstante a retórica e até algumas medidas aplicadas aos mais baixos rendimentos aparentemente destinadas a fazer supor já estar o Governo altamente preocupado com a situação económica do país. Todavia, nesse período realizaram-se negócios pagos pelo erário público envolvendo milhares de milhões de euros que nenhum proveito trouxeram ao povo português e autorizaram-se negócios que há muito aguardavam o beneplácito do governo para poderem ser realizados.

Quem pode esquecer-se da compra dos submarinos, dos panduros, dos helicópteros, bem como dos licenciamentos concedidos pelo Ministério do Turismo em áreas protegidas?

A propósito dos submarinos – e de tudo o que os envolve: contrapartidas por cumprir, condenações por corrupção na Alemanha, sérias suspeitas de corrupção no processo aquisitivo, etc. – ficou agora a saber-se que há documentos importantes que desapareceram do Ministério da Defesa ou que não se encontram no processo de aquisição. Que há consultores jurídicos públicos que foram marginalizados na fase crucial do processo. Enfim, sabe-se que o negócio é ruinoso tanto no plano político como económico.

Portas responsável por esta e outras importantes aquisições militares passou as últimas noites como ministro da Defesa a fotocopiar milhares de documentos. Ele, melhor que ninguém, deve conhecer os documentos que o MP procura. Só que Portas está de férias nos Açores. A descansar. E não quer ser incomodado com assuntos que submergem e voltam à tona…ou não se tratasse de assuntos relacionados com submarinos. Do lado do CDS também não se sabe nada. Apenas que se trata de “Old news”.

Espantoso seria que este assunto ficasse assim. Que politicamente Portas pudesse passar por ele como assunto que já deixou de existir.

Mas atenção: tal consequência tanto pode ser interpretada como ausência de cidadania de um povo amorfo que tudo aceita sem protestar, como o resultado do mais completo descrédito em que caiu a classe política que governa o país bem como o sistema em que ela se apoia. E quando assim acontece, quando as coisas estão podres, a todo o momento pode acontecer qualquer coisa…




3 comentários:

  1. Caro Correia Pinto:

    Malhar neste governo, eis algo em que estamos de acordo. Perceber que a nossa comunicação social é quase sempre simpática para qualquer alegado vigarista, se ele for da direita encartada, também pode ser objecto de consenso.

    Nesta tua mensagem apenas tenho uma alguma discordância quanto ao termo de comparação. Embora em termos de obvia razoabilidade, parece-me que dás excessivamente como adquirido o que, mesmo à luz dos tribunais brasileiros, está ainda em debate. Para muitos, realmente , o "mensalão" é pura ficção. Talvez com as decisões do STF fiquemos mais esclarecidos.
    Abraço.
    Rui Namorado

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  2. Meu Caro Rui Namorado

    Estava a viver no Brasil quando o escândalo do “Mensalão” rebentou no quadro da CPI dos Correios. Analisados os apoios prestados à base governamental pelos deputados “avençados”, o mínimo que se poderia dizer é que teria sido uma lástima que tais medidas não tivessem sido aprovadas. Foi o povo brasileiro, o povo trabalhador, o povo marginalizado durante séculos que ficou a ganhar com elas. Por esse lado tudo normal. A questão, como sabes, não é essa. O problema está sempre no “homem da mala preta”. No homem que leva as notas, que começa como um simples transportador e acaba sempre muito próximo da extorsão e co-proprietário do conteúdo da mala. A ele vão-se juntando outros e outros, a pretexto de que estão a angariar dinheiro para o partido, e forma-se uma verdadeira quadrilha que drena dinheiro, muito dinheiro, obtido a troco de favores e de todo o tipo de ilegalidades, alegadamente para o partido…só que quando a partido abandona o poder quem fica rico são sempre os que “angariaram e transportaram a massa”.
    É verdade que em Portugal a comunicação social se aferra mais aos casos do PS do que aos outros, do PSD e do CDS. Os do CDS são, aliás, escandalosos, e nem sequer se percebe como é que casos como os de Portucale terminaram em absolvição. Inacreditável!

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  3. No caso brasileiro, a única fonte que conheço que me garante imparcialidade neste caso é a CartaCapital. Com pena minha não é vendida em Coimbra.

    No caso português, o que mais me preocupa é que os nossos corpos de magistrados (com naturais e importantes excepções, evidentemente), parecem primar mais pela burrice do que pelo reaccionarismo propriamente dito. Às vezes, fico com a sensação de que estão tolhidos mais pelo modo tosco como pensam do que pelo primarismo jurídico, propriamente dito.

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