A VISÃO DE UM NÃO ECONOMISTA
Portugal tem dois défices crónicos que se agravaram – e muito – com a adesão à Comunidade Económica Europeia e depois ainda mais com a criação do mercado único e a perda da soberania monetária (adesão ao euro). São eles o défice fiscal (orçamental) e o défice das contas externas (défice de conta corrente).
O primeiro, em termos simplificados, resulta da diferença entre as despesas realizadas por conta do orçamento e as receitas (taxas, impostos e receitas patrimoniais) cobradas ao abrigo dele. Como se sabe, os tratados da União Europeia, mais concretamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento, prevêem para os países da moeda única um défice máximo de 3% do PIB. Défice este que o Tratado Orçamental (também chamado da regra de ouro) reduziu para 0,5% (défice estrutural).
O défice das contas externas (défice de conta corrente) resulta, grosso modo, da diferença entre o que se vende ao estrangeiro em bens e serviços e o que se compra. Portanto, se o país é devedor em relação ao exterior (como é o nosso caso) diz-se que há um défice em conta corrente.
Ora bem. A primeira questão que necessariamente se tem de pôr é se num processo de ajustamento (ajustamento é em linguagem descodificada reduzir os défices - o fiscal e o das contas externas - para níveis suportáveis e aceitáveis pelos instrumentos jurídicos em vigor) de um país da zona euro é possível combater simultaneamente estes dois défices.
Parece muito difícil, para não dizer impossível, já que um e outro, no ponto em que as coisas estão (zona euro e economia aberta), obedecem a uma lógica, quase se poderia dizer, completamente diferente.
O défice fiscal está directamente relacionado com a evolução da economia como um todo. Se a economia crescer, se a procura interna aumentar consideravelmente e a taxa de desemprego diminuir ou tender mesmo para o pleno emprego o défice fiscal é facilmente combatido e eliminado, se não houver graves erros de condução de política económica, como demonstram à saciedade os casos da Islândia, da Irlanda e da Espanha, principalmente esta, antes do crash. Na verdade, os orçamentos destes países estavam equilibrados, alguns eram mesmo superavitários, porque as receitas eram abundantes e cobriam largamente as despesas. No entanto, é bom que se sublinhe que a ausência de défice fiscal não é necessariamente sinónimo de saúde económica. Pode até ser um sintoma de uma gravíssima situação económica. Tudo depende da sustentabilidade da (aparente) prosperidade que suporta aqueles superávides. Se o investimento não é o resultado da poupança interna mas é antes fruto do endividamento externo e se os bens produzidos por via dele não tendem a equilibrar as contas externas, mas, pelo contrário, a agravá-las, mais o desequilíbrio se acentua quanto mais se produz …apesar da inexistência de défice fiscal.
O défice das contas externas, pelo contrário, será tanto mais rapidamente combatido quanto menor for a procura interna, quanto mais se acentuar a política deflacionária e recessiva, e mais a produção nacional estiver virada para a exportação de modo a inverter a situação líquida negativa, única forma de ir pagando os juros e a dívida acumulada.
Postas as coisas nestes termos, só se Gaspar fosse completamente burro – e não é, apesar de ser quadrado ideologicamente – é que aumentaria brutalmente a carga fiscal para combater o défice orçamental. Ele sabe – tem de saber – que o saque fiscal que acaba de pôr em prática tem consequências recessivas para a economia (ele porventura acredita, mas engana-se, que não sejam devastadoras), e, portanto, vai diminuir brutalmente a receita fiscal, vai aumentar também brutalmente o desemprego e as falências, e vai – e essa é a sua aposta – contribuir para a criação de superávide no saldo de conta corrente com o exterior, por força da forte diminuição da procura e da viragem da produção nacional para o estrangeiro.
Só esta pode ser a sua aposta. Quer isto dizer que para Gaspar o défice fiscal, que é aquele contra o qual a UE mais se bate, não conta? Não, não é isso. Ele acredita que do ajustamento das contas externas e da eliminação em massa daquilo a que ele, sem usar a expressão, considera a má oferta resultará a prazo o equilíbrio entre as receitas e as despesas do Estado, em consequência da profunda alteração do modelo de desenvolvimento económico que ele pensa ter em marcha.
E as pessoas, o que contam as pessoas neste modelo? Essa a grande questão. A grande, a enorme, diferença que separa os economistas capitalistas, por mais que se diga o contrário, mesmo quando os desejos estão longe de corresponder à realidade, são realmente as pessoas.
Para Keynes e depois para todos os seus seguidores a economia deveria servir as pessoas, logo o emprego e o salário digno, independentemente, dizemos nós, de se poder questionar se este objectivo é plenamente alcançável em economia capitalista. Quando o capitalismo corria o risco de ser substituído por um sistema económico e social que estava nos seus antípodas dizia-se que os keynesianos, mais lúcidos que os seus confrades defensores os princípios da economia clássica, apenas queriam salvar o regime. A verdade é que hoje, não estando o sistema em risco, os neokeynesianos continuam a dizer o mesmo que o seu mestre inspirador dizia na década de trinta do século passado, com a diferença de entenderem que, por força da globalização, a intervenção do Estado no mercado tem de ser incomparavelmente maior.
Do outro lado está a velha Escola de Viena cujos princípios Hayek tentou, sem êxito, exportar primeiro paraInglaterra (Londres e Cambridge) e depois conseguiu consolidar na América, em Chicago, em estreita aliança com os neoconservadores que, saídos do trotskismo, por lá medravam desde o começo dos anos trinta do século passado.
E é esta desgraça que nos caiu em casa, que agora cá temos e que grassa por toda a Europa, tendo por objectivo prioritário a destruição do Estado social em nome da defesa da liberdade (para que não haja dúvidas leiam-se os “hayekazinhos” de cá). Sim, em defesa da liberdade, já que para eles qualquer interferência, por pequena que seja, das forças do Estado no mercado é um passo a caminho da tirania!
Temos que nos livrar desta gente de qualquer modo. É uma questão civilizacional. E ninguém pode estar à espera de uma qualquer globalização da contestação. A ruptura tem de ser feita no plano nacional, seja grande ou pequeno aquele que a fizer em primeiro lugar, embora só houvesse vantagens se ela começasse num grande…
Acho que (não sendo também economista) que concordo com toda a argumentação. Parece-me limitada a conclusão.
ResponderEliminarAcabar com o Estado social é apenas um objectivo, um outro (está implícito) será terminar com o Estado detentor de condições para alavancar qualquer estratégia de desenvolvimento. Mas existe um terceiro: a máxima desvalorização do trabalho.
Apenas os refiro para reforçar o que ficou dito:
"Temos que nos livrar desta gente de qualquer modo. É uma questão civilizacional. E ninguém pode estar à espera de uma qualquer globalização da contestação. A ruptura tem de ser feita no plano nacional, seja grande ou pequeno aquele que a fizer em primeiro lugar, embora só houvesse vantagens se ela começasse num grande…"
Quando escrevi este post ainda não sabia que os impostos sobre os combustíveis também iam aumentar, o que só reforça a conclusão que aqui cheguei.
ResponderEliminarInfelizmente não a vejo completamente assumida no discurso político e depois devidamente desenvolvida. E também por esse lado se percebe como o discurso do PS é muito diferente consoante critica a esquerda ou a direita. Quando o PS critica a esquerda, mesmo no actual contexto, em que infelizmente está longe do poder, ou quando a criticou e combateu violentamente quando estava próximo do poder, o discurso do PS e dos seus aliados nunca foi a de que os “gonçalvistas” ou o PC ou o que lhe quisessem chamar estavam a cometer erros, que a política que estavam a pôr em execução estava a falhar, que eram incompetentes e outras considerações semelhantes. A crítica era outra – a de que queriam construir uma sociedade com estas e aquelas características, que estavam a destruir propositadamente a propriedade privada, que queriam colectivizar toda a terra, que até com os barbeiros queriam acabar, etc . etc. Em suma, o que era criticado era o projecto, aquilo para que apontava, segundo o PS, o que estava sendo feito.
Bem, agora que é evidente o que este governo quer fazer, que é evidente o projecto que pretende pôr em prática, o tipo de sociedade que pretende instaurar, o PS continua a dizer que o governo é incompetente, que o povo cumpriu e o governo não, que o governo falhou, que as medidas que vão ser postas em prática não produzirão o resultado esperado e outras coisas do género, quando na realidade o governo, nomeadamente Passos Coelho e Gaspar, está a fazer exactamente o que quer fazer. Só quem esteja completamente a leste do debate político-económico da actualidade, só quem não saiba interpretar as palavras de Gaspar e até as de Passos Coelho, quando ainda falava com relativo à vontade, é que poderá dizer que o governo falhou.Não, o governo está a fazer o que exactamente quer fazer, e é por isso que Gaspar e Coelho não cedem na discussão do orçamento em nada que seja essencial para o projecto que têm em vista. Cederam na aplicação gradual do IMI, porque aí o objectivo deles era apenas arrecadar mais alguma receita, mas não cederão no IVA dos restaurantes, por exemplo, porque eles querem mesmo acabar com a maior parte dos restaurantes – isso não é para eles “boa oferta”. E muito outros exemplos se poderiam dar.
UM CAOS ORGANIZADOS POR ALGUNS:
ResponderEliminar- quem falou que a dívida estava a crescer demasiado (ex: Manuela Ferreira Leite) foi enxovalhado pelos Media (nota: são controlados pela superclasse)... e os Media deram amplo destaque a marionetas/bandalhos: «há mais vida para além do deficit»;
- há cortes no Estado Social... mas ficam incólumes as PPP's, os juros agiotas, a nacionalização de negócios 'maddofianos' (nacionalização de prejuízos, privatização de lucros)...
- eurobonds e implosão das soberanias...
--->>> Dividir/dissolver Identidades para reinar...
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-> A superclasse (alta finança internacional - capital global, e suas corporações) não só pretende conduzir os países à IMPLOSÃO da sua Identidade... como também... pretende conduzir os países à IMPLOSÃO económica/financeira.
-> Só não vê quem não quer: está na forja um caos organizado por alguns - a superclasse: uma nova ordem a seguir ao caos... a superclasse ambiciona um neo-feudalismo.