O DIA SEGUINTE
Os portugueses não puderam deixar de saborear com ironia e muita satisfação o acto falhado de mais uma ruinosa privataria que o governo de Passos e Relvas se preparava para consumar.
Embora toda a gente compreenda sem hesitações, a começar por Eframovitch, as verdadeiras razões da decisão que o Conselho de Ministros se viu ontem obrigado a tomar sobre um negócio que já estava fechado, não deixa de ser interessante olhar retrospectivamente para as explicações que o Governo e os seus conhecidos porta-vozes foram dando, ao longo da noite, sobre a razão de ser da decisão.
Para começar, ninguém do Governo propriamente dito apareceu a falar, a dar a cara sobre o que se passou. Mandaram os “ajudantes”, para usar uma expressão cara a Cavaco Silva, muito jovens, cheios de convicção, tentar convencer os portugueses que foi por causa de um desentendimento quanto a datas sobre a prestação de umas ridículas garantias que o negócio – um bom negócio, como eles diziam – não se realizou.
Depois, uns minutos mais tarde, lá apareceram os porta-vozes oficiosos da maioria para complementar as explicações. Foi um exercício penoso. Uma jovem deputada do PSD em debate com João Galamba não foi capaz, durante a cerca de meia hora que lá esteve, de dizer outra coisa que não fosse que a decisão demonstrou que o processo afinal era transparente e que a privatização da TAP foi inscrita no Memorando por iniciativa do PS.
Pouco depois, apareceu Marques Mendes, noutra estação, com uma explicação pateta, a insultar a inteligência dos portugueses. Marques Mendes deveria ter vergonha do ridículo papel que foi ontem fazer na televisão, principalmente depois de ter chamado “chico-esperto” ao Ministro das Finanças por este ter tentado aldrabar os portugueses com justificações estúpidas apresentadas depois do episódio da “extensão a Portugal das novas condições estabelecidas para o pagamento da dívida grega”. Marques Mendes ainda fez pior: para ele tudo não passou de equívoco quanto a datas entre o potencial vendedor e o potencial comprador. Marques Mendes tem de crescer em capacidade argumentativa para continuar a comentar em televisão.
Não obstante as esfarrapadas explicações da maioria terem constituído o prato forte da noite, não se deve silenciar a posição assumida pelo PS sobre um tema que tanto interessa aos portugueses e sobre o qual nem sequer há dúvidas acerca da solução que eles verdadeiramente apoiam. Com excepção de João Galamba, que infelizmente conta muito pouco, a nomenklatura do PS que se manifestou – Zorrinho, António Costa, Seguro – estava muito mais interessada na desqualificação de Passos Coelho (o que já parece desnecessário…) do que na defesa de uma solução para a TAP verdadeiramente conforme ao interesse nacional. António Costa até chegou ao ponto de se distanciar claramente do juízo de suspeição que, segundo ele, Pacheco Pereira estava fazendo daqueles que no Governo têm conduzido na sombra – isto é, sem a competência institucional adequada – os processos de privatização.
É bom que os grandes responsáveis do PS não andem sobre esta matéria a tentar enganar os portugueses, fazendo-os crer que um processo de privatização da TAP conduzido com lisura (que é um substantivo que, por definição, dificilmente se ajusta ao conceito de privatização…) poderia salvaguardar todos os interesses estratégicos, políticos e afectivos ligados à existência de uma companhia aérea de bandeira detida pelo Estado. Isto não é possível, nem sequer é exigível que o seja para quem estiver disposto a comprar pelo justo preço uma empresa como a TAP.
A opção não é apenas entre um negócio conduzido por vigaristas e um negócio conduzido por gente relativamente séria, a opção – a única opção que efectivamente existe – é entre uma empresa privada com tudo o que isso significa e uma empresa pública capaz de conciliar os interesses estratégicos de natureza político-económica do país com uma gestão racional e eficiente. Uma empresa privada, qualquer que seja o caderno de encargos, é uma empresa que terá, como não pode deixar de ser, o lucro como seu principal interesse estratégico, estando a defesa de outros interesses subordinada e dependente daquele objectivo principal. Interesses secundários só serão prosseguidos se e enquanto servirem o objectivo principal. Se é assim que actuam todas as empresas por que admitir ou fazer crer que neste caso se passaria o contrário?
Além de que a posição que o PS tem vindo a defender – insistindo apenas na questão da transparência – abre a porta e deixa o caminho aberto à tese defendida pelas Finanças: ver-se livre da dívida da TAP, entregando a empresa a quem a assumir a por inteiro. Foi isto o que ainda ontem a Secretária de Estado deixou evidente quando afirmou que este, se pudesse ter sido feito – e a gente sabe porque não foi –, seria um excelente negócio, não pelo que o Estado receberia do comprador (realmente nada, tanto assim que a ausência dessa ridícula verba não afecta as contas deste ano), mas pela desoneração implicaria no plano da dívida pública.
Este raciocínio, típico de um burocrata das finanças incapaz de compreender o que vá para além de um simples cálculo contabilístico, ficou agora potenciado pelo facto de a primeira tentativa ter sido abortada. E é contra isto, contra este tipo de soluções, que tem de ser mantida a luta contra a privatização da TAP, explicando, por um lado, que ela leva necessariamente à descaracterização da empresa e, por outro, demonstrando que é perfeitamente possível jurídica, económica e politicamente recapitalizá-la de modo a mantê-la completamente na órbita do Estado.
Que quem no PS e no próprio CDS (como, por exemplo, Ribeiro e Castro) defende esta posição não tenha receio de se bater por ela contra as direcções partidárias na certeza de que terá a seu lado a maioria do povo português e de todos os portugueses espalhados pelo mundo.
Excelente. Destaco:
ResponderEliminar"A opção não é apenas entre um negócio conduzido por vigaristas e um negócio conduzido por gente relativamente séria, a opção – a única opção que efectivamente existe – é entre uma empresa privada com tudo o que isso significa e uma empresa pública capaz de conciliar os interesses estratégicos de natureza político-económica do país com uma gestão racional e eficiente"
É isso!!
Então e os seus queridos e inimputaveis PC/BE, nem sequer uma linha?
ResponderEliminarÉ extraordinaria a cegueira e o sectarismo do autor.
O PC no ultimo congresso disse que vai suprimir cargos no partido devido à crise enquanto cá fora manda a CGTP pedir este e o outro mundo, a colega Emilia da CMAlmada desce escandalosamente as verbas para a acção social e aumenta o IMI. No pasa nada, é só a diferença entre o discurso sectario e a realidade. A culpa é sempre dos outros. Pequenez.
A resposta está dada no texto. Não é uma questão de sectarismo; é de interpretação. O BE e o PCP tanto quanto sei defendem a TAP, empresa pública. Qual é a dúvida?
ResponderEliminarMas poderemos voltar ao assunto sob o ponto de vista implicito no comentário. Logo que haja oportunidade ou venha a propósito.
Defendem tudo o que é publico porque sabem que não têm que governar, nem têm que apresentar soluções, porque quando fazem escolhas que só dependem deles , como nos casos que apresentei, são tão ou piores que a direita.
ResponderEliminarA privatização decorre de uma imposição europeia. Diga-me quando a grande esquerda(PC/BE) forem governo saem da UE? Se sim, digam às pessoas qual o plano de governo face à autentica hecatombe com o retorno ao escudo.E como têm experiencia suficiente, escreva um texto pedagogico sobre a Albânia, talvez as pessoas entendam melhor.
Eu não defendo a privatização mas para a criticar tem q despir o casaquinho e apresentar soluções dentro do contexto e não ilusõe.
Mas não é so do ponto de vista implicito no comentario. A situação é grave e o PC/BE tambem tiveram parte naquilo que estamos a viver, porque ajudaram sempre a direita no assalto ao poder. Na realidade nunca fizeram nada para defender o interesse publico senão palavras, veja-se a educação e actuação da Fenprof, a CS e a lei reprovada pelo PC/BE em 2009 para agradar aos patroes de imprensa em ano de eleições, lei que previa que fossem divulgados o nome e o interesse dos donos dos media, etc...O seu sectarismo impede uma analise objectiva e serena da situação. Ja agora comente tambem as eleições no BE dignas de um qualquer partido totalitario, estalinista.
É muito facil falar quando se sabe que não se tem de governar, e pior éticamente, assacar sempre aos outros as culpas das nossas insuficiências. Se o Povo não escolheu o PC/BE tem q primeiro criticar o porquê da falha desse designio a quem votou e não a quem não votou.Os outros partidos não podem ser responsaveis pelo programa do PC/BE. Depois disso pode serenamente e dentro do contexto vivido fazer criticas e apresentar soluções.
Depreende-se da argumentação que a defesa da manutenção da TAP no sector público pressupõe a apresentação de um plano que garanta a sua viabilidade. É um argumento interessante, se não fosse dar-se o caso de as privatizações terem exactamente por objectivo garantir o lucro - um excelente lucro - de quem as compra, ou mais correctamente, de quem fica com elas.
ResponderEliminarSe critério fosse o oposto, como à primeira vista se depreende do comentário, o Relvas não estaria seguramente tão interessado na sua "imaculada transparência".
Falemos claro: as privatizações são um problema de natureza ideológica e não económica, nomeadamente se incidem sobre empresas de sectores estratégicos, algumas delas verdadeiros monopólios naturais.
Essa conversa de que o Estado não sabe gerir é pura fantasia e só serve para justificar a entrega de sectores altamente rentáveis aos capitalistas, sempre em detrimento da generalidade da população.
E na Europa, na maior parte dos países, a direita tradicional nem sequer tem de se preocupar com isso. Os PS ou os partidos social-democratas fazem isso com todo o prazer. Não era Penedos que dizia que por cada privatização abria uma grande garrafa de champanhe? Só uma? Nada Mais?
Desculpe, falhou totalmente o que eu disse.Nunca disse que o estado não sabe gerir e até disse que sou contra a privatização de resto toda o seu entendimento os monopolios naturais não tem nada de original, até pessoas de direita o subscrevem.
ResponderEliminarA grande questão que lhe pus não era essa, mas sim se tem a liberdade de espirito suficiente para criticar politicamente as opções politicas que defende. É que atraves dos tempos nunca o vi fazer isso, toda a sua argumentação assenta no infantilismo de que os outros são todos maus e dos bons nunca se fala. Um maniqueismo absurdo que faz perder toda a força das suas criticas.
Isso dos partidos sociais-democratas levava-nos a uma longa conversa que pedia um espirito mais livre da sua parte, já que a comparação com a sua raíz ideologica seria inevitavel,e temo que a maravilhosa obra deixada nos ex-países da cortina de ferro, com milhões de mortos e falta de liberdades,não seria muito favoravel.
É muito difícil lutar contra o preconceito. Todos os temos: uns mais, outros menos. Mas o que nos distingue não é a "quantidade", mas a incapacidade de lutar contra o preconceito ou sequer admitir que agimos muitas vezes em função deles. O seu caso é por de mais evidente. É pela nacionalização dos sectores estratégicos, mas apoia um partido cuja prática política consiste exactamente no contrário. É, vamos admitir, pela continuação da TAP no sector público...mas ataca os que lutam por esse objectivo.
ResponderEliminarÉ pelos direitos fundamentais, mas esquece-se da amplitude desses direitos e está disposto a sacrificar uma parcela significativa deles para garantir a taxa de exploração do capital ou até para a aumentar para níveis muito próximos da espoliação.
Enfim, não é dessa esquerda que precisamos. Dessa esquerda precisa, e muito, a direita .
E por último não se esqueça, mas não se esqueça nunca, que quem deu a contribuição decisiva para que os portugueses tivessem adquirido verdadeiramente a cidadania, hoje transformada numa caricatura ou num simples arremedo do que já foi, foi a esquerda que na rua, nos quartéis e nas instituições influenciou ou tomou parte do poder a seguir ao 25 de Abril!
OK. Já vi que não tem liberdade de espirito, só sectarismo.Não responde a nenhuma das questões, só palavras ocas e slogans nacronicos.
ResponderEliminarE mais uma vez, a vossa grande questão é com o Povo, ele é que não vota sabiamente em vós.
O nível das respostas deixa perceber o nível do interlocutor
ResponderEliminarBoas Festas, meu amigo!
ResponderEliminarObrigada por ter vindo até aqui :)
... faço votos de um 2013 melhor do que podemos, por ora, prever :)
Um grande abraço, com a admiração e a amizade de sempre
V.Ex.a disse: “e, por outro, demonstrando que é perfeitamente possível jurídica, económica e politicamente recapitalizá-la de modo a mantê-la completamente na órbita do Estado”.
ResponderEliminarNão considero os transportes aéreos vitais e que, por isso, devam permanecer na órbita do Estado.
O que deve permanecer na órbita do Estado é nomeadamente, a REDE de distribuição de água, electricidade, transportes, gás e os aeroportos. E onde estão esses sectores agora? Claro que é possível jurídica e politicamente manter a TAP parcialmente na órbita do Estado, mas não convém nos tempos que passam, nem há dinheiro para a recapitalizar. Nenhum português isento está interessado em entregar dinheiro dos seus impostos à TAP, para ser perdido numa exploração que será sempre deficitária (analise-se o sector a nível mundial) e, mesmo quando há uma pequena esperança de lucros, logo aparece uma grevezinha de pilotos mal pagos, na época alta, a espatifar centenas de milhões de euros em prejuízos. Manter uma companhia de bandeira é um luxo. O Estado pela forma como permite (a sua constituição, ou as leis ou os tribunais que tem) ocorrer esse tipo de greves, seja, na TAP, Portos ou Transportes em que meia dúzia paralisam um país sem consequências, é melhor ir fechando as portas.
Bom ano de 2013.